A Performance
Ítalo J. Conrad
Silêncio e
madrugada
A nossa rua é uma rua silenciosa à noite. Na madrugada, há quem garante que
ouve as pancadas dadas na cama do andar superior, pancadas pelos movimentos
ritmados de corpos. A rua é estreita, mão única, no morro, descida do Alto do
São Lucas. De um lado, no quarteirão, doze prédios de três andares, dois de
cindo andares, andares a mais, permitidos pela inclinação do terreno. O prédio
fica rodeado de prédios, na frente, atrás, dos lados. É uma rua tranquila,
principalmente à noite.
Os gemidos do
orgasmo
Na madrugada do dia 13, o professor Onofre Almeida Braga, da faculdade de
Direito, lia a tese do doutorando de Amadeu da Luz (*), quando ouviu gemidos de
uma mulher no orgasmo. Olhou no relógio 3h40m. O orgasmo durou quatro, cinco
minutos. De onde viriam aqueles gemidos? Podia ser do prédio de frente como
podia ser de um dos prédios laterais pela posição da sala de estudos do
professor, como poderia ser de um dos prédios da parte de trás.
Orgasmos em
sequência alternada Nem
dez minutos depois, 3h55m, recomeçam os gemidos e pela frequência de sons seria
da mesma mulher. Isto se repetiria outras três ou quatro vezes. O número de
orgasmo da mulher seria controverso. Uns diziam que foram cinco, outros seis,
outros quatro. Quatro ou mais de quatro, com certeza afirmava o síndico Augusto
Penaforte, aquele mesmo que vivia animado com a relação “familiar” que mantinha
com “o marido da minha mulher”. Um homem civilizado, dizia ele, que sempre, nos
elogios ao marido da sua mulher, acrescentava tratar-se de um grande pai de
família, um bom amigo e um companheiro de buraco – se referia ao jogo de
cartas.
whatsApp em ação Em torno de quatro
horas, os amigos e colegas do professor Braga, vizinhos e amigas, acordados
pela fabulosa sequência de orgasmos daquela mulher, apostaram que seriam
capazes de identificá-la “ainda hoje”. As mulheres que entraram no whatsApp
observaram, sem nenhuma cautela, perante os maridos, que melhor seria
identificar o homem, autor daquela proeza. Todos concentraram, sim, em apontar
a façanhuda.
Círculo fechado Naquele dia,
ninguém conseguiu. Limitaram a área a três prédios, o de frente, o próprio
prédio e um prédio dos fundos.
Redução de indícios
Duas
mulheres passaram a ser observadas depois que eliminaram mais de dez, entre
casadas e solteiras. Estas duas eram solteiras.
Fecha o cerco Um mês depois,
nada. Nada. Nada. Até que um nova rodada de orgasmos às seis horas da manhã
mobilizou todos os celulares e, ao cruzamento de mensagens, decidiram sair para
a rua e esperarem em seus carros para ver quem sairia do prédio ao lado. Era do
prédio ao lado que vinham os gemidos, mais precisamente do segundo andar. Já
sabiam quem morava nos dois apartamentos daquele andar.
Experiência é tudo Confirmaram as
suspeitas do Leonardo, corretor, “nenhuma mulher goza tanto assim se não tiver
mais de dois parceiros, é suruba, ou...”
-
Eram duas mulheres, a Djanira, doutora Djanira, e a sua cunhada Maristela,
enfermeira, que mora no segundo andar do prédio do lado.
Doutor
Braga conclui
-
São duas línguas ardilosas, competentes e insaciáveis.
Conclusão
com jurisprudência estabelecida.
(*)
O Assalto Midiático e o Assalto Jurídico. A destruição da Democracia. Tese de
doutorado de Amadeu da Luz, orientador professor doutor Onofre Almeida Braga.