segunda-feira, 27 de junho de 2016

NASCE UM NOVO SÉCULO







Nasce um novo século

Quando o tempo é criança







Afonso Henrique


Hoje é sábado.

Acordei cedo, depois de ter despertado algumas vezes de meia noite às 5h30m.

Acordei quase seis horas.

Ainda escuro, já pronto para sair. 

Fui até a sala. 

Voltei ao quarto.

A mãe amamentava.

A beleza da cena prende a minha atenção.

As duas estão na cabeceira da cama, abraçadas – o amamentar é um abraço, um afago, é o carinho perfeito.

A mãe, pernas descobertas e a filha concentrada no peito esquerdo, mamando.

No final da noite, no silêncio, na penumbra, os movimentos são lentos, leves e suaves.

Paro.

Observo as duas. Sento aos pés da cama.

A mãe estende as mãos. Ela me quer mais perto. Sento sobre o seu pé direito e acaricio aquelas duas meninas. São de fato duas crianças.

Pelos gestos da mãe, não deveríamos acordar a criança.

Ela dorme concentrada no mamar.

A mãe protege-a com a mão para impedir que, um movimento, a desperte.

O movimento que a mãe faz é para observar-me.

Acompanhamos a mamada.

O ritual é o ritual do silêncio e de gestos cuidadosos.

É inútil o esforço para mantê-la dormindo. Algo que não era o movimento e nem o barulho a acorda.

Inútil aquela pequena pequenininha criança acorda.

É sempre assim. Ela percebe-me.

Ela acorda, larga o peito, volta-se toda para mim e sorri.

Isto é a felicidade. Isto é ser feliz.
                                                                                                                                 
É um momento de grande felicidade. Total felicidade. Ouro puro.

Quieta, ela espicha-se com delicadeza.

No quarto, na cama, no silêncio do final de noite, aquela pequena criança, a mãe e eu.

Nós três, sozinhos e o silêncio.

Os olhos delas, sonolentos, sorriem.

Ela olha-me, olha para a mãe, sorri, mais uma vez, e volta a mamar.

Deito ao lado das duas, cochilo.

A mãe tira meus sapatos, minha calça e a camisa.

Deito outra vez e durmo outras três horas.

Assim começou este meu sábado.

É o começo de um novo século.

E eu sou um homem feliz.


Final de 1999