O sofrimento de Valéria
Bella Heloísa
Eu
sabia que viria.
Não
sabia quando.
Exatamente
quando,
Havia
a certeza
Como
a da morte
Que
sempre sabemos que virá
Nunca,
exatamente, quando e de que forma.
Quatro
dias antes eu sabia
Pressentia
E
meus nervos tensos
corda
de violino.
Sabia
que alguma coisa engendrada
Ou
que se desenrolava
E
não sabia de onde, nem como viria.
Sentia
o cheiro no ar
No
hálito, no corpo
que
recusava, que evitava,
que
se queria distante de mim.
Algo
paira
O
cheiro da casa inteira mudou.
Agressiva,
e não digo nada
Impaciente,
Ele,
nada
Cada
um no seu canto
E
ele, tudo bem.
Vejo
filme
Ele,
no escritório
Rasga
papel,
lê, como todo o tempo.
Escreve,
escreve, escreve
Ouço
as palavras digitadas
De
repente, a dor do punhal.
Ele,
doce e gentil:
“Acabou
o filme, então vamos caminhar?”
A
dor.
Eu,
arrumando a cama:
“Não
estou afim, já caminhei hoje”
Anuncia
que já vai, me deixar dormir.
Como
se tudo bem
Como
se tudo em ordem.
A
dor.
Aviso
que deve ser de vez.
Começo
a expor e ele volta ao discurso:
“eu
tentei...”
Reajo.
Esse
discurso é meu!
Ele
vai.
É
o coitadinho.
A
dor.
Até
a lixeira.
Minhas
mãos no lixo
Colher
as folhas rasgada.
Não
entendo o que se passa
Junto
os pedaços e leio.
A
dor
Forte
Muito
forte
.
A
dor
Não
entendo nada.
Iludo-me
ainda.
Digo
a mim mesma que há séculos me encontra.
Sou
eu a mulher de quem fala?
Afasto-me
Vergonha
Abandono
os pedaços.
Volto,
leio de novo.
Decido
colar, emoldurar, ler.
Guardar
na estante.
De
novo sou impelida.
Volto
à estante.
Leio.
Uma,
duas vezes.
Enfim,
leio devagar,
Palavras,
sílabas, pausas
“19...
mil
novecentos
mil-novecentos
e ...
não posso
datar este poema
esta
mulher não tem data
- É uma
mulher eterna?
Um
sentimento, um momento
A ela
retorno sempre e sempre a encontro
Eterna
Igual
Momento em
que é tudo igual
O mesmo
sorriso,
a mesma
alegria
O mesmo
olhar,
a mesma
boca”