A guerra dos roses
Ciro S. Caparaó
“Divórcio
civilizado é uma contradição”.
Segundo o
advogado de Oliver Roses,
Sobre o conflito entre um
homem e uma mulher,
mostrado no filme “A guerra
dos roses”
1. A base desta “guerra” é o
divórcio.
Para
o advogado de Oliver Roses, “o divórcio civilizado é uma contradição”. Esta é
uma reafirmação constante, permanente.
2. A base da contradição é a disputa entre duas pessoas. o filme começa
com os dois se conhecendo em um leilão e com a aquisição de uma miniatura
chinesa, avaliada em US$ 250 e arrematada por este valor, embora na opinião de
Bárbara valesse apenas US$ 50.
Bárbara
e Oliver se conhecem na disputa de um bem, no cenário de um leilão e diante de
um objeto raro e miniaturizado. Se conhecem na disputa por um bem, uma obra de
arte.
Ele
conhece o valor da miniatura e ela vence o debate e a disputa pelo bem - em
parte porque ele cede, em parte pela sedução: ela leva a peça e ele a
conquista.
No
final, a miniatura chinesa seria o único objeto a ser preservado e que ela não
quebraria, mas que ele destrói com um único golpe, acertando um fragmento na
cabeça de Bárbara.
3. Não existem triângulos em nenhuma base. Nem a partir dele. Nem a
partir dela. O conflito é profundamente interno, intrínseco ao existir casal.
Nem
existem presenças paralelas: exclui a participação da família, sogros, sogras.
Os filhos, um casal, passam como elementos a serem descartados, como a
empregada, permitindo o crescimento do palco da guerra. As pessoas valem menos
que a relação afetiva com os objetos de arte e com os animais.
4. A limpeza da cena para a guerra impermiabilizaria os sentimentos num
conflito entre homem e mulher?
Facilitaria
o raciocínio?
A
guerra é um laboratório, assepticamente tratado, concentrando-se sobre dois
seres, humanos e reunidos em torno de sentimentos de preservação da espécie e
de suas deformações.
É a
ida microscópica ao interior dos dejetos de um casamento e de uma separação.
5. Ainda a limpeza da cena: ficam apenas os dois. Um diante do outro.
Certos
do inevitável: o massacre.
Outra
certeza: a derrota inevitável do amor.
É o
amor um sentimento extinto depois de 20 anos de vidas próximas mas não uma vida
parceira, uma vida igual.
A
limpeza da cena impõe considerações de ordem técnica e real: a entrada de uma
terceira ponderada, por exemplo, da sogra, desequilibraria o jogo de forças e
impossibilitaria contar a história via cinema.
Pelo
menos, não simplificaria.
Dificultaria,
com toda c certeza.
6. O filme começa com o advogado
de Oliver Roses abrindo mão de seus honorários (US$ 450/h) para dissuadir um
novo cliente a não insistir na ideia do divórcio.
Assim,
seu argumento será a história da guerra, a história de Bárbara e de Oliver
Roses - “eles não tiveram chances” de ser felizes.
O
advogado, uma mistura de personalidades díspares, ora cômico, ora tarado, ora
homem de bom senso, deixou de fumar por 13 anos e voltou, com todo o apetite,
depois de uma conversa com Bárbara Roses, em sua sala: no auge da guerra, ela
entra sedutora, grande atleta, pronta para o golpe sexual sobre aquele pequeno
homem que ela conhecia por suas taras e bolinações.
7. Como definir Oliver? “Rico eu não sou, eu sou brilhante”.
Bárbara
se define: Não sou rica, não sou brilhante, “sou formada em educação física,
uma ginasta”.
Em
vários momentos, ela desce-cai uma escada, lembrando as replicantes de Blade
Runner, assim como se expõe na sala do advogado, pronta para um grande
gesto teatral e sensual.
Definição
da cama: ele têm o pênis vingador; ela, orgasmos múltiplos. Soma que dá,
segundo Oliver e Bárbara, pleno entendimento sexual.
8. A história da guerra de Oliver
x Bárbara é contada no ritmo
pontuado pelas idades das crianças, o crescimento e o desenvolvimento dos laços
familiares.
As
cenas se sucedem: a abertura do advogado (o contador da história), o leilão, a
cama, o natal - aqui, os filhos aparecem com 5 anos -, o jantar da conquista
dos patrões, a aquisição da grande casa, a fabricante de patês, a contratação
da empregada, a expansão dos negócios de Bárbara, o ataque da hérnia e o pedido
de divórcio.
Este
é o momento de deflagração da guerra dos Roses com as agressões, conquistas,
demarcações de áreas, estratégias e ações violentas e fulminantes.
Como
em todas as guerras, sempre a primeira vítima é a verdade. É num palco de
mentiras e informações estratégicas que a razão assume um caráter instrumental
(vale pelo resultado). Tudo pela vitória e pela derrota do adversário que é o
homem e a mulher, reunidos em uma convivência institucional, arbitrária,
fictícia e hipócrita.
9. Natal. As crianças ganham doces da mãe para que não cresçam carentes e
nem se tornem obesos. O marido ganha um Morgan, o primeiro carro da família. A
outra festa, o jantar dos cristais Baccarat (agora as crianças tem 15 anos, são
enormes e obesas). O clima teria sido de harmonia e construção de uma família
típica.
Kathleen Turner e Michael Douglas |
10. Anos depois, em um novo jantar contar-se-á a história da aquisição do
aparelho de cristal Baccarat.
Aqui
o estabelecimento de posições antagônicas, conflituosas, entre o homem e a
mulher.
O
segundo plano ocupado pela mulher naquela relação (casamento) é realçado no
diálogo com as visitas, pela dificuldade da mulher em relatar uma história (a
da aquisição do aparelho).
A
dificuldade estava no raciocínio, no relato em si, no desconhecimento da língua
francesa. A diferença se torna marcante com a intervenção do marido, um
excelente contador de história, que faz um resumo final, uma síntese perfeita.
A mulher foi atropelada.
11. A posição inferior, a posição menor, a posição bandida da mulher é
flagrante. Ela é o diabo. Ela é a ambição. Ela é materialista, só pensa em
dinheiro, em questões materiais. Enquanto ela monta a família, monta a casa,
não há conflitos. A guerra era submersa,
um vulcão prestes a se manifestar.
A
definição materialista da mulher (contraponto com o outro, o espiritualista) é
afirmada desde o início, desde o leilão. Ela quer o objeto, ele, o homem, quer
ela, o amor e abre mão do material. Explodindo o conflito fica explícito o
porquê do maniqueísmo.
É
um facilitador do relato e da análise.
Não
será nunca a realidade. A vida não é isso, não é a luta do bem contra o mal, de
deus contra o diabo, nem do honesto Oliver contra a desonesta Bárbara.
Bárbara
é o ser inferior, menor e bandido.
Em
Aristóteles, em Maquiavel, no pensar e na ação política, o momento danoso,
cruel, da ação feminina é confundida dentro da instituição de relacionamento,
onde o casamento é talvez sua maior
evidência.
Esta
concepção do ser humano particulariza o que não se particulariza, dá
homogeneidade ao que não é homogêneo, limita o que não se limita.
12. A aquisição da casa grande por Bárbara se dá por um acaso. Se dá,
exatamente, no momento do enterro da velha proprietária. Dor e alegria, fim e
início, é a dor e fim de um e a alegria e início de outro.
O
tempero da linguagem passa pelo cômico.
Na
linguagem cinematográfica, uma linguagem aberta e visual, a indicação é, em um
percentual altíssimo, para o cômico.
O que é a vida? O que é a
morte?
13. É um período de vitórias e de grandes conquistas. Enquanto há
vitórias e alegrias, a imagem do conto de fadas é a realidade e prospera porque
tudo prospera.
Considere-se,
aqui, a definição do advogado sobre as medidas de um homem. Segundo seu pai,
afirma o advogado, o homem tem o seu êxito medido pela casa, carro, mulher e
sapatos.
14. A casa, imagem da prosperidade e da segurança, é objeto das seguintes
considerações de Bárbara, considerações tachativas:
“É isso o que somos.
Eu sou ela”.
Este
“ela” é a casa.
15. Dentro da casa, montada metro a metro, a cena focaliza o advogado.
São
os preparativos para a guerra.
Ele
analisa a luta dos dois, sob a ótica do marido e esposa, e garante:
“Eles davam
duro de verdade”.
Ela
trabalhou na casa, detalhe por detalhe. Um ângulo tomou dela seis meses, outro
quatro meses e assim Bárbara-decoradora construiu e reconstruiu cada canto da
casa. Ela vira as costas e surge a pergunta crucial, na opinião do advogado,
depois de todas as conquistas da prosperidade alcançadas:
- E agora? O
que fazer?
São
perguntas de (para?) Bárbara Roses. É como se nada (a vida) tivesse sentido. É
como se o enfado fosse uma ameaça.
Então,
se ela, a mulher dinâmica, interna (para si, para a família e para a casa), se
perguntasse sobre o seu destino e sobre a suas potencialidades lá fora? Do que ela seria capaz?
Agora,
ela retoma a força da competitividade. Agora, ela pode e volta a dar um novo
lance para a compra da miniatura chinesa no leilão da praia.
Bárbara
vende seu primeiro quilo de patê por US$ 35. Esta era uma especialidade sua e
em que ela se destaca na família e com os amigos. No mesmo dia, ela compra uma
caminhonete da Volvo por US$ 25 mil.
É o
seu grande lance em um novo leilão.
Surgia
a empresária audaciosa e conquistadora.
Quais são os espaços de
reflexão neste momento. Congelando a imagem, o que se teria para discutir é o
impacto sobre a vida das pessoas quando uma delas descobre um novo sentido na
vida ou descobre as possibilidades da vida e de viver mais e de ser competente.
Bárbara revoluciona ao se revolucionar. Ela explode como mulher e abala todas
as estruturas próximas. Agora, ela irá crescer como indivíduo. Irá se igualar
ao outro lado, o marido, e irá ocupar espaços ou reduzir espaços de outro, o
marido. Por que o crescimento de um indivíduo pode em algum momento ameaçar um
outro indivíduo e por que isto, ao se dar, dentro de uma relação de emoções
estáveis, desestabiliza as emoções?
16. Uma nova expressão do caráter desequilibrado de Bárbara é revelado na
cozinha.
Ela
prepara uma carne e finge jogar pedaços para o cachorro Bennie. Finge jogar o
alimento e alimenta apenas o seu gato. Para ela , neste caso, Bennie é um
“cachorro burro”. Na sequência, o cachorro desce as escadas para a sauna, onde
Oliver o recebe e abraça com carinho, sem saber o que se passou na cozinha.
Quais
os elementos tácitos de linguagem: o desequilíbrio de uma pessoa má, a tortura
de um animal, o confronto de entendimentos entre o ser humano e o ser animal.
Por que o cachorro deveria entender que jamais ganharia um pedaço de carne? Ele
entendia? Ele sofria? Ela, entretanto, objetivamente queria fazer o animal
sofrer, para se vingar de outro ser, para ser cruel com outro ser.
17. A contratação da empregada: um trauma.
Para
ele, o eficiente, “ela virá para ajudá-la”.
Para
ela, a suficiente, “não é necessário, eu sempre fiz tudo sozinha”.
Por
outro lado, Bárbara pede o apoio do marido na análise de um contrato para a
realização de um almoço em um consulado.
Ele
ignora e trata com desdém os interesses empresariais da mulher vitoriosa. Com o
contrato, Oliver mata uma mosca.
Esquece
de analisá-lo.
18. Crise do contrato. Ele resolve analisá-lo. Ao mesmo tempo, ele luta
por uma vitória paralela, um novo cliente deve ser contratado. Durante a “crise
do contrato”, Oliver traz ótimas notícias, marcara um almoço com o novo futuro
cliente. Vencia suas etapas.
Bárbara
já o trata como um “idiota” e ele acredita que ainda é possível dever
“desculpas à mulher”.
O
troco: à noite, a ginasta mostra sua força no momento em que ele aborda-a e com
um golpe perfeito, entre as pernas, deixa-o prostrado e com fortes dores.
19. Nova intervenção hitcokquiana do advogado, diretor de cena - o
narrador da histórica guerra entre um homem e uma mulher, depois de dezenas de
anos de casados.
Ele
entra em cena para ponderar - é o narrador que se prolonga em analisador
(sic) e em conselheiro.
Tudo
fica mais difícil, segundo o advogado, quando não se responde à pergunta do
marido para a mulher:
- O
que há com você?
Daí,
segundo ele, Oliver ter se transformado numa presa fácil.
Na
sequência, o almoço e a crise cardíada
(falso enfarte) de Oliver Roses.
À
morte provável, exposto numa maca, surge expressiva uma nova imagem destacando
a crise conjugal.
A
maca de Oliver está do lado da maca de um negro gordo esfaqueado pela mulher na
barriga.
A
cena é tomada de cima, as duas macas em paralelo, lado a lado.
O
negrão informa que foi esfaqueado depois de uma briga e que a briga teria
ocorrido porque a sua mulher queria ser manicure.
A
mulher do negrão está do seu lado e luta para que seu marido seja atendido em
primeiro lugar.
Oliver
está sozinho. Bárbara não está ao seu lado na maca e nem luta pelo seu
atendimento hospitalar.
As
crises que atingem corações e abdomens percorrem todos os casais
independentemente da cor.
As
mulheres não atacam porque odeiam, atacam, sempre, porque amam.
O
depois da violência, em muitas pessoas, redimensiona a consciência: por que fiz
isto? A mulher jamais saberá porque esfaqueou o marido por mais sagaz e
inteligente que seja. Ela poderá ser capaz de reconstituir a cena, minuto por
minuto, recompor todos os diálogos e agressões verbais e físicas, mas jamais
encontrará uma explicação. Uma luz brilhará: talvez porque a faca fora deixada
fora do lugar por alguém mal intencionado. Ela descobrirá.
Com
relação ao enfarte de Oliver. Não houve enfarte nenhum. Na verdade se tratava
de uma hérnia no esfôfaco, com todos os sintomas de um enfarte ou de uma
angina.
Antes,
porém, da verdade das suas dores, Oliver estava certo de que não escaparia, de
que a morte era iminente.
Assim,
ele escreve seu último bilhete à mulher.
Considera
que teve uma vida divertida, “uma vida completa”, além dos sonhos e conclui o
bilhete afirmando que tudo o que ele tem e tudo o que conseguiu, “devo a você”.
Com
relação a tê-la como mulher, Oliver assegura, apaixonado, que isto ele deve à
deus.
20. Bárbara não aparece no hospital. Oliver espera, em vão, o
aparecimento da mulher. Desiste de esperá-la. Sofre, pela primeira vez, o
impacto do descaso e da solidão. Volta para casa acompanhado por um amigo. No
trem, olha pela janela e vê, lá fora; vê que são muitas as vidas que existem do
outro lado do vidro da janela do trem; do outro lado de si, lá fora, existe
vida, muita vida, muita alegria, muita solidariedade. Neste momento deveria
chegar até si as imagens da mulher do negrão. Ela fez pior do que Bárbara, a
negra foi direto, mais fundo, atravessou a barriga do negrão com uma faca.
Bárbara não chegou a tanto, mas foi além. O desprezo, o descaso, a
desconsideração, mais do que uma lâmina, reduzia Oliver a pedaços esfarelados
de gente.
21. a) Ele chega em casa. Logo depois chega Bárbara.
O
tempo entre as duas chegadas, para Oliver, fora uma eternidade dentro da sua
solidão.
Ele
queria entender porque ela não apareceu. Bárbara não tergiversará, não
apresentará desculpas e esclarecerá, efetivamente, porque desistiu de ir até o
hospital e porque fizera pouco caso da solidariedade humana.
Fala Bárbara:
- Eu senti como seria viver sozinha nesta casa. Fiquei
assustada por me sentir feliz. Sua morte, Oliver, significaria, para mim, estar livre”.
Ela pede o divórcio.
Aqui, começa A guerra dos Roses.
21. b) Oliver considera esta situação nova e
acredita, piamente, que “ela sempre o fez de bobo”.
Ele busca argumento para garantir que merece uma
razão, principalmente, depois de tantos anos de casados. Ela o agride e diz que
sempre quis quebra-lhe a cara e ela bate forte para quebrar-lhe a cara. Não se
esqueça de que Oliver voltava de um hospital, onde estivera internado por causa
de uma hérnia. Ela quebra - um golpe
violento de uma atleta.
Em um e outro momento, Bárbara é excessivamente má,
mas se revela também como vítima. Assim também Oliver, sempre vítima e algoz.
Este fato introduz à percepção de que a trama da
guerra não se dá entre um homem e uma mulher - seria redução simplista. Mas parte
da trama se dá entre de um lado, o homem e a mulher, vítimas sempre, e do outro
lado o casamento ( a relação revelada, criada e transformada em monstruosidade,
independente do homem e da mulher).
É o homem e a mulher contra o casamento. É o homem e
a mulher, sozinhos, diante das deformações introduzidas na natureza viva. É o
homem e a mulher vítima das instituições criadas para a preservação da espécie.
Não há força contra as deformações à natureza que
introduz as relações matrimoniais: a posse, a disputa por prestígio e
sabedoria, os bens (como uma casa) e o passado captado até em antiguidades não
vividas - e a vida vivida sedimentada em objeto e tão
obsoleta ou não ou tão valiosa ou não quanto uma antiquidade.
22. O território e a sua demarcação.
A guerra se concentra na disputa do território
inimigo (dentro da casa). A casa é assim o palco principal da guerra, o
território a ser demarcado. Na planta da casa são estabelecidas as áreas dos
dois países (homem e mulher) inimigos, suas fronteiras, limites, áreas de ação
e áreas de disputas.
É a guerra da conquista do espaço e da destruição
total.
A frase da declaração da guerra surge neste diálogo,
que poderia ser proferido tanto por um quanto pelo outro polo.
Bárbara - Eu
quero a casa. A casa é minha.
Oliver - Jamais terá a casa.
ou
Oliver - Eu
quero a casa. A casa é minha.
Bárbara - Jamais terá a casa.
22. O advogado contador do caso exalta as
posições contrárias à mulher, ao advertir para o risco de um confronto total:
- Em se tratando de
mulher, tudo é possível.
24. Oliver concentra sua luta pela defesa da
posse da casa, “ as preciosidades da casa, suas antiguidades etc.”
No natal em que a árvore é destruída pelo fogo,
Oliver consegue, comicamente, debelá-lo, lembrando a importância da sua
presença:
- Foi uma sorte
eu estar aqui, agora!
25. Mais uma vez, o advogado define o perfil
das mulheres.
- O homem não supera as mulheres nem no amor e
nem no ódio.
Foi um acidente. O gato morreu debaixo do pneu do
carro de Oliver Roses. Ele não teve a intenção de matar. Foi um claro acidente.
Inquestionável. A reação primária de Bárbara é a vingança. Ela prende Oliver na
saúna, mas depois solta-o. Ele sofre alguns momentos de terror e medo da morte.
Cresce o clima de atrito. Oliver, agora, serra os saltos dos sapatos de
Bárbara, serra todos os sapatos de uma grande coleção que ficavam guardados em
uma parede inteira do quarto. Ela começa a se abalar com o clima: deixa de
acordar soluçando, passa a acordar gritando.
Ele destrói um jantar de negócios de Bárbara. Ela
destrói o Morgan.
26. O advogado de novo: agora, contra o amor em
duas perguntas.
-
Você já fez amor com raiva?
Seu interlocutos nunca diz nada. Também não responde
sequer com gestos e o advogado completa:
- Há outro jeito?
O advogado considera em sua análise da evolução da
guerra, o que aconteceu até aqui como conflitos normais, comuns nas brigas de
casais. Difícil, na sua opinião, seria decidir o ficar e o partir.
Ficar significaria a guerra, estar no inferno, ter a
chance de sair e recusá-la; embora conhecendo o inferno, todas as suas maldades
e sofrimentos, ficar e ficar consciente. Ficar para lutar e lutar sabendo que não há nenhuma possibilidade de
vitória. Nenhuma chance.
A cena em que Bárbara se revelaria em toda a sua
maldade potencial realizada se dará no jantar de conciliação e de negociação.
Oliver propõe a reconciliação e, mais uma vez, revela todo o seu amor por
Bárbara. Ela o surpreende mais uma vez.
- Excelente patê - Oliver quer
agradá-la.
- É de au-au.
O choque.
- Bennie? grita e pergunta Oliver
Ela balança a cabeça afirmativamente.
Ele joga a mesa no chão.
Com o barulho, o cachorro Bennie acorda, lá fora,
assustado.
Outra queda da escada e Bárbara mostra sua agilidade
de ginasta e de replicante. Ela está em forma.
Outra surpresa estava reservada a Oliver. O pênis
vingador teria mais uma vez. Os dois fazem sexo no forro da casa, quando o
vingador é surpreendido por uma monumental mordida. Contorcendo-se em dores, Oliver
é jogado fora do forro pelo alçapão.
27. Cena de ligação, princípio e fim: a
miniatura de porcela chinesa.
Bárbara aproxima-se do corrimão. No centro da sala,
bebendo vinho, Oliver a focaliza com a lanterna e guia o foco para a miniatura.
Ela tenta salvar a miniatura. É o único ser ao qual se pode identificar uma
manifestação verdadeira de afeto a partir de Bárbara. Amarrada por um barbante,
Oliver comanda a miniatura. Bárbara treme a cada movimento.
Ele - Diga que esta miniatura é minha e você poderá
ficar com tudo.
Ela - É minha.
Oliver destrói a miniatura com violência. É o final.
A luta transforma-os em grandes gladiadores modernos. Acabam dependurados no
lustre central da casa, a quatro metros de altura. Oliver observa que “nesta
altura, sempre te amei”. “Eu sei”, concorda Bárbara. O lustre desaba. Eles
concluem que os dois haviam enlouquecido. Poucos instantes lhes restavam de
vida. Destruídos no chão, em meio à ferragem do lustre, Oliver estica o braço,
buscando segurar Bárbara pelo ombro. Ela afasta a sua mão e joga o braço de
Oliver para trás. Poucas forças lhes restam. Assim morrem.
28. Conclusão do advogado
- Quem gosta de cão não casa com quem gosta de gato.
Evite sempre o divórcio. Divórcio civilizado é uma contradição (insiste). Se
você quer acabar seu casamento, acabe de uma só vez para que possa ter a
oportunidade de reconstruir a sua vida. Caso contrário, volte para casa e
procure encontrar em sua mulher aquilo que, na sua juventude, o levou a amá-la.
A guerra concentra todo o esforço do escritor, do
diretor e dos atores para revelar o que seria uma faceta menor da sociedade
norte-americana dos anos 80, com o papel competitivo do casamento, secundário
da mulher e destruidor da relação matrimonial. A mulher será sempre destruída
como personagem humano. Ela jamais será gente. O homem é a ignorância total.
Jamais perceberá a hora de entrar e a hora de sair. O homem é o apaixonado
medíocre, descobre o amor depois que já o perdeu. Na busca da
manutenção/conservação e da conquista, destrói tudo.