quinta-feira, 17 de novembro de 2016

RESTOS DA DEMOLIÇÃO

  



Amar não basta


Paulo André Moreira

I.

Volto com mais dúvidas.

Afastei-me para te atender e para trazer as respostas que, intensamente, insistentemente, me cobra (com razão):

O que eu quero?

Compromisso?

Lealdade?

Volto sem saber o que quero, porque quero (sempre quis) muita coisa e muito mais do que, sei, posso alcançar ou ter – mas que também insisto em querer.

Se fosse resumir o que quero: quero ser feliz. Só. Apenas.

Persigo isto de forma feroz e sem jamais pensar em desistir.

Como ser feliz ao lado de alguém que duvida de vc?

Pior e se vc também duvida de vc mesmo?

Como ser feliz ao lado de quem sofre por vc – isto é, de quem vc não consegue fazer feliz, simplesmente estando ao lado, sendo companheiro, amando?

E que diz que “amar não basta”.

Qual compromisso me cobra tanto que não posso assumir? Não teria assumido todos os compromissos que cumpri?

Os que não cumpri, não os cumpri porque ainda tenho tempo de honrá-los. Não sou tão desonesto assim. Ou sou desonesto com a que amo?

Se cobra lealdade é porque não sou um homem leal. Para que cobrar, então?

Jamais quis uma relação de submissão e jamais me submeterei a ninguém.

Assim, como não aceito, nem admito, qualquer submissão de quem quer que seja.




I I.



Confesso, busquei certezas e voltei com muito mais dúvidas.

Se tinha certeza de te amar, confirmei esta certeza.

E, nesta certeza, a primeira dúvida: por que continuar se sofre, sempre, ao meu lado, se sempre estamos nos desentendendo, se não confiamos um no outro?

Se confirmei a certeza do amor por você, tive dúvidas se devíamos viver juntos por mais tempo? Haveria sempre, no meio de nós, uma ave misteriosa com uma vida misteriosa. Uma ave cujo destino seria uma gaiola?

O que quero para mim é o que sempre sonhei para você, para nós dois: uma vida feliz.

Agora.

Repetindo o pássaro do mundo admirável e sempre novo:

Aqui. Agora.

Não há espaço e nem tempo para a gente inventar tristezas, sofrimento e prisões: só uma pessoa livre é capaz de amar.

Eu te amo porque sou um homem que constrói sua liberdade a duras penas, a cada segundo.


Sabe o quanto te respeito e te admiro.


Sua vida, suas palavras sempre foram importantes.


Eu te ouço. Sempre te ouvi.


Paulo André




Terça-feira, 3 de novembro de 2000











(Ana Paula e Paulo André moraram naquela casa até 2003. Demolida a casa, a biblioteca do casal foi vendida. Entre os livros, Jonhatas Fagundes, dono do sebo, encontrou estas anotações de um diálogo escrito por Paulo André. Não era uma carta)