Urubu
carniceiro
Cecílio
Antunes, Araguaia, 1973
Houve
o combate, depois da queda do avião.
Os
soldados eliminavam vestígios de vida e executavam os combatentes adversários
feridos.
Na
hora do tiro de misericórdia – da execução e da necessária certeza de que não
deixaram sobreviventes, ali ao lado dos destroços  – ao armar o gatilho, algumas aves levantaram
voo e o barulho, na selva, assustou o soldado. 
A
bala raspou o couro cabeludo e a cabeça de André encheu de sangue.
Estava
executado, o soldado não tinha dúvidas. Um urubu pousou perto. Logo aquilo
estaria limpo. Ele chegou a acionar outra bala, era mais para o caso das aves
avançarem sobre ele. 
Por
economia de munição, não teria porque dar mais tiros. Tinha que sair daquele
campo úmido, em que o cheiro de sangue e de corpos em putrefação misturavam-se
com cheiro de óleo e de gases da fuselagem. 
As
formigas chegavam. Enquanto os urubus esperavam a saída dos homens, as formigas
não pediam licença. 
Aquele
momento, com as aves, as formigas e o tiro de raspão, era a sua última chance? 
Sobreviveu
ao tiro, sobreviveu à queda do avião, sobreviveria aos animais da selva, à
noite que chegava e à umidade. 
A
febre deixava-o tonto. Ou seria a perda de sangue. 
Devia
esperar a noite e certificar de que os soldados se afastaram. 
Olhou
no olho de um urubu e percebeu que as formigas seguiam para os dois cadáveres a
dois metros. Iam direto para o ventre aberto de Adelaide, o cabo Adelaide.
