A ESCULTORA DE VIDAS
Ilton do Mucuri
Minha mãe era
pequena
(e era tão
grande)
Minha mãe
dominava os alimentos
(e nos
alimentava)
Com os
alimentos,
os milagres
e salvou uma
filha
(minha irmã)
Sua voz era
poderosa
(de sua música
soava acalantos)
Minha mãe não
cantava, nunca cantou
(voz de
ternura, firme e segura)
Em rompantes de
encontro a escombros
(sobrevivia)
Minha mãe me
chamava de negro
(e negro sou
até hoje)
Dizia que era
filho de outra
(e sou filho de
todas)
Dizia que era
um menino da rua
(lições de
igualdade)
- É filho de Durvalina
(descalço,
corria saltando o sol no chão)
Meu filho é um
moleque
(era seu
orgulho ter um filho alegre, feliz)
Minha mãe
herdou uma fazenda
(as vacas
leiteiras com nomes conhecidos)
Morena, a
cunhada
(copo de lata,
açúcar no fundo, ainda noite e
o leite quente
de Morena)
Minha mãe,
alegre, dominava o fogão
(seu biscoito,
nunca mais)
No canteiro de
rosas, ela conversa
(cara, as
plantas respondiam)
Queria ouvir
(tinha certeza,
entenderia a linguagem)
- Nunca
- Nunca?
- Nunca entendi
o que elas tanto conversavam
(era música
pura, só palavras e silêncios)
Minha mãe era
escultora
com suas mãos e
seus pratos,
(esculpiu um
filho, um homem)
Minha mãe era
escultora
(seu molde paixão,
só carinho)
- E muita
alegria
Sabia, minha
mãe sabia que ao soprar
(a vida seria a
vida de um homem livre)
Uma vida também
se esculpe na cozinha
(na panela, no
tacho e até mesmo com colher de pau)