segunda-feira, 7 de novembro de 2016

UMA MULHER








A ESCULTORA DE VIDAS



Ilton do Mucuri








Minha mãe era pequena
(e era tão grande)

Minha mãe dominava os alimentos
(e nos alimentava)

Com os alimentos,
os milagres

e salvou uma filha
(minha irmã)

Sua voz era poderosa
(de sua música soava acalantos)

Minha mãe não cantava, nunca cantou
(voz de ternura, firme e segura)

Em rompantes de encontro a escombros
(sobrevivia)

Minha mãe me chamava de negro
(e negro sou até hoje)

Dizia que era filho de outra
(e sou filho de todas)
       
Dizia que era um menino da rua
(lições de igualdade)

- É filho de Durvalina
(descalço, corria saltando o sol no chão)

Meu filho é um moleque
(era seu orgulho ter um filho alegre, feliz)

Minha mãe herdou uma fazenda
(as vacas leiteiras com nomes conhecidos)

Morena, a cunhada
(copo de lata, açúcar no fundo, ainda noite e
o leite quente de Morena)

Minha mãe, alegre, dominava o fogão
(seu biscoito, nunca mais)

No canteiro de rosas, ela conversa
(cara, as plantas respondiam)

Queria ouvir
(tinha certeza, entenderia a linguagem)

- Nunca

- Nunca?

- Nunca entendi o que elas tanto conversavam
(era música pura, só palavras e silêncios)

Minha mãe era escultora
com suas mãos e seus pratos,
(esculpiu um filho, um homem)
Minha mãe era escultora
(seu molde paixão, só carinho)

- E muita alegria

Sabia, minha mãe sabia que ao soprar
(a vida seria a vida de um homem livre)

Uma vida também se esculpe na cozinha
(na panela, no tacho e até mesmo com colher de pau)