terça-feira, 19 de setembro de 2017

4º DIA DE CAMPANHA

 









Brizola Presidente em 1989




-         Cu mela?

Era o Darcy moleque, provocador.

-         Cu mela?

No velho Passat 78 do jornalista Carlos Olavo da Cunha Pereira, íamos de Ipatinga a Belo Horizonte. Carlos Olavo e Darcy na frente; eu e Naná, a secretária, atrás.

Carlos Olavo, do lendário jornal O Combate, de Governador Valadares e escritor, autor do romance Nas Terras do Rio Sem Dono, da mesma idade de Brizola, velho companheiro de Brizola, estivera no exílio na Bolívia e no Uruguai. Carlos Olavo era um velho amigo de Darcy e meu amigo.

O Uruguai era a nossa referência, ponto de convergência e Montevidéu a cidade em que vivêramos o exílio.

Eu, também jornalista, era ali um aprendiz de Brasil e eles minhas referências de coragem, desprendimento e inteligência.

A pergunta de Darcy sobre a umicidade do cu funcionaria como uma pausa na intensa e já imensa discussão também provocada por Darcy sobre a construção de Minas Gerais e o destino dos mineiros. 

Era uma sinalização para uma guinada de muitos graus na conversa.

Nestes momentos desconcertantes, Carlos Olavo administrava seu aparelho de audição. Desligava. Não respondia, não dava ouvidos para as molecagens do Darcy.

Já fizéramos três cidades: Teófilo Otoni, Governador Valadares e Coronel Fabriciano. 

O fazer Minas o impressionava. Darcy esparramara pelas cidades dos Vales do Mucuri, Rio Doce e Vale do Aço (**) palestras questionando as razões pelas quais o Brasil não dera certo. Para trás, ficara aquele legado de inquietações. Era a campanha presidencial e como podíamos fazê-la.

Ali, o fabuloso destino de Minas e todo o seu aprendizado de fazer mineiros. Fazer, verbo com a cara do antropólogo Darcy Ribeiro. Agir era a sua verdade e, em seu fazimento, fazíamos ali uma pequena guerra, contra as fortes adversidades. Podiam surgir outras. Encararíamos. Competentemente? Íamos felizes. Era a campanha presidencial de 89(*).

Darcy sabia que muito tinha que ser feito em Minas Gerais, o segundo colégio eleitoral do Brasil, para construirmos uma chance para a eleição de Brizola presidente. Entre as adversidades estava o próprio partido, o PDT.

Onde chegávamos já havia um complô contra Darcy, contra cada um de nós. Éramos desautorizados. O partido não dava apoio àquela nossa caminhada. 

Íamos de cidade em cidade sem o apoio do partido. O apoio seria importante, inegavelmente. Um apoio seria útil para a mobilização, para anunciar a presença de Darcy Ribeiro. 

Não tínhamos nada disso e seguíamos em frente. O partido, no entanto, era tão insignificante, tão pouco representativo no Estado de Minas Gerais quanto naquelas cidades dos três vales.

Tímidos, alguns representantes do partido, mesmo desautorizados pela direção estadual, aproximavam-se e emprestavam o apoio pessoal. Alguns até nos acompanhavam. 

Não queriam perder a oportunidade de ouvir uma palestra do professor Darcy Ribeiro, ouvi-lo, vê-lo, estar com aquela figura sempre alegre e descontraída, sempre atenciosa e provocadora.

Darcy era um menino no meio do seu povo, seus amigos, seus velhos conhecidos.

Cada um que se aproximava e a todos ele se dirigia. Parecia encontro de velhos conhecidos. Reencontro de parentes. Parecíamos um Exército de Pedaços, íamos montando e transformando em um pequeno e forte grupo, pois continuávamos.

Darcy era o nosso grande trunfo. O povo gostava dele e comparecia.

Muitos conheciam suas obras e muitos o admiravam, principalmente as mulheres. Poderíamos ter feito grandes comícios. Fazíamos, entretanto, grandes reuniões e alguns auditórios lotavam. Uma adversidade pequena aquela história de nos desautorizar. 

Era, entre outras, no entanto, a que mais nos preocupava, pois tínhamos a informação precisa de que precisávamos conquistar pelo menos 5% dos votos de Minas (*) para Brizola passar para o segundo turno.  Obtivemos menos de 5%. E ficamos no primeiro turno. Mais um por cento e a história eleitoral seria outra. Com certeza.

A direção estadual do partido, em Minas, garantia para o candidato Brizola que ele já teria, segundo pesquisas, mais de 12%. Era uma informação falsa.  

Interrogávamos o porquê daquela informação falsa, o seu uso e se por trás não haveria um complô fundamental contra Brizola. Seria importante saber até que ponto a direção estadual tinha envolvimento com este complô ou se se tratava de algo mais: uma traição ao estilo de um grande negócio.

  
Dados e resultados eleitorais



(*) No Rio, em uma reunião do governador Newton Cardoso com integrantes do brizolismo, questionado sobre as possibilidades da candidatura presidencial de Brizola, Newton afirmou que se Brizola consolidasse uma votação de 5% em Minas Gerais, segundo colégio eleitoral, ele disputaria o 2º turno das eleições em 89. As análises que fundamentavam está afirmativa de Newton Cardoso vinham do seu profundo conhecimento do eleitorado mineiro e do feeling sobre as reais chances de Brizola.



(**) Os três vales ficam situados na região Nordeste do Estado de Minas Gerais caracterizados por uma economia agro-industrial e por uma população de formação recente, sendo o Vale do Mucuri, o último território conquistado pelo homem branco e com o trabalho de colonização comandado por uma empresa privada, a Companhia de Colonização do Vale do Mucuri, empreendimento com ações e liderado pelo empresário e político Theóphilo Benedictus Otoni, na segunda metade do século XVIII. O Vale do Aço é uma denominação de característica econômica, por sediar grandes empresas siderúrgicas, sendo a sua localização geográfica o Vale do Rio Doce, nas margens do afluente, rio Piracicaba, estão duas das três siderúrgicas do Vale do Aço, a Usiminas e a Acesita. A terceira e pioneira na indústria siderúrgica, a Belgo Mineira está localizada na cidade de João Monlevade.




As eleições de 1989 foram as primeiras desde 1960 em que os cidadãos brasileiros aptos a votar escolheram seu presidente da república. Por serem relativamente novos, os partidos políticos estavam pouco mobilizados e vinte e duas candidaturas à presidência foram lançadas. Essa quantidade expressiva de candidatos mantém o recorde de eleição presidencial com mais candidatos - número que passaria a 23 caso o ex-presidente Jânio Quadros, cujo nome foi cogitado para a disputa, não abdicasse de sua pré-candidatura em decorrência de seus problemas de saúde.


Como nenhum candidato obteve a maioria absoluta dos votos válidos, isto é, excluídos os brancos e nulos, a eleição foi realizada em dois turnos, conforme a então nova lei previa.

O primeiro foi realizado em 15 de novembro de 1989, data que marcava o centésimo aniversário da proclamação da República, e o segundo em 17 de dezembro do mesmo ano.

Foram para o segundo turno os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva, da coligação encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, e Fernando Collor de Mello, da coligação encabeçada pelo hoje extinto PRN.








20 611 011
30,47%
35 089 998
53,03%
11 622 673
17,18%
31 076 364
46,97%
11 168 228
16,51%
7 790 392
11,51%
5 986 575
8,85%






Diferença Lula / Brizola no primeiro turno de 1989.



11 622 673
11 168 228


17,18%
16,51%









A votação em Minas Gerais foi sempre um bom retrato da votação no Brasil. De 1989 a 2010, o vencedor da eleição presidencial teve vantagem levemente maior em Minas Gerais do que no Brasil como um todo. O sul “paulista” de Minas Gerais foi sempre uma área de rejeição ao PT. O leste “fluminense” de Minas Gerais foi sempre uma área de apoio ao PT. O norte “baiano” de Minas Gerais era a área de maior rejeição ao PT de 1989 a 2002, e passou a ser a área de maior apoio em 2006 e 2010.






Minas Gerais 1989 1º. Turno


Candidato
Partido
Votos 
Participação
Fernando Collor
PRN
2.800.546
36,12%
Luís I. Lula da Silva
PT
1.792.281
23,11%
Leonel Brizola
PDT
418.782
5,40%
Mário Covas
PSDB
798.859
10,30%
Paulo Maluf
PDS
275.593
3,55%
Guilherme Afif
PL
502.804
6,48%
Ulysses Guimarães
PMDB
459.093
5,92%
Roberto Freire
PCB
99.635
1,28%
Aureliano Chaves
PFL
226.974
2,93%
Outros
379.578
4,90%
Total válidos
7.754.145