Brizola Presidente em 1989
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Cu mela?
Era o Darcy moleque, provocador.
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Cu mela?
No velho Passat 78 do jornalista Carlos Olavo da Cunha Pereira,
íamos de Ipatinga a Belo Horizonte. Carlos Olavo e Darcy na frente; eu e Naná,
a secretária, atrás.
Carlos Olavo, do lendário jornal O Combate, de Governador Valadares e escritor, autor do romance Nas Terras do Rio Sem Dono, da mesma
idade de Brizola, velho companheiro de Brizola, estivera no exílio na Bolívia e
no Uruguai. Carlos Olavo era um velho amigo de Darcy e meu amigo.
O Uruguai era a nossa referência, ponto de convergência e
Montevidéu a cidade em que vivêramos o exílio.
Eu, também jornalista, era ali um aprendiz de Brasil e eles minhas
referências de coragem, desprendimento e inteligência.
A pergunta de Darcy sobre a umicidade do cu funcionaria como uma
pausa na intensa e já imensa discussão também provocada por Darcy sobre a
construção de Minas Gerais e o destino dos mineiros.
Era uma sinalização para
uma guinada de muitos graus na conversa.
Nestes momentos desconcertantes, Carlos Olavo administrava seu
aparelho de audição. Desligava. Não respondia, não dava ouvidos para as
molecagens do Darcy.
Já fizéramos três cidades: Teófilo Otoni, Governador Valadares e
Coronel Fabriciano.
O fazer Minas o impressionava. Darcy esparramara pelas cidades dos
Vales do Mucuri, Rio Doce e Vale do Aço (**) palestras questionando as razões
pelas quais o Brasil não dera certo. Para trás, ficara aquele legado de
inquietações. Era a campanha presidencial e como podíamos fazê-la.
Ali, o fabuloso destino de Minas e todo o seu aprendizado de fazer
mineiros. Fazer, verbo com a cara do antropólogo Darcy Ribeiro. Agir era a sua
verdade e, em seu fazimento, fazíamos ali uma pequena guerra, contra as fortes
adversidades. Podiam surgir outras. Encararíamos. Competentemente? Íamos
felizes. Era a campanha presidencial de 89(*).
Darcy sabia que muito tinha que ser feito em Minas Gerais, o
segundo colégio eleitoral do Brasil, para construirmos uma chance para a
eleição de Brizola presidente. Entre as adversidades estava o próprio partido,
o PDT.
Onde chegávamos já havia um complô contra Darcy, contra cada um de
nós. Éramos desautorizados. O partido não dava apoio àquela nossa caminhada.
Íamos de cidade em cidade sem o apoio do partido. O apoio seria
importante, inegavelmente. Um apoio seria útil para a mobilização, para
anunciar a presença de Darcy Ribeiro.
Não tínhamos nada disso e seguíamos em frente.
O partido, no entanto, era tão insignificante, tão pouco representativo no
Estado de Minas Gerais quanto naquelas cidades dos três vales.
Tímidos, alguns representantes do partido, mesmo desautorizados
pela direção estadual, aproximavam-se e emprestavam o apoio pessoal. Alguns até
nos acompanhavam.
Não queriam perder a oportunidade de ouvir uma palestra do
professor Darcy Ribeiro, ouvi-lo, vê-lo, estar com aquela figura sempre alegre
e descontraída, sempre atenciosa e provocadora.
Darcy era um menino no meio do seu povo, seus amigos, seus velhos
conhecidos.
Cada um que se aproximava e a todos ele se dirigia. Parecia
encontro de velhos conhecidos. Reencontro de parentes. Parecíamos um Exército de Pedaços, íamos montando e
transformando em um pequeno e forte grupo, pois continuávamos.
Darcy era o nosso grande trunfo. O povo gostava dele e comparecia.
Muitos conheciam suas obras e muitos o admiravam, principalmente
as mulheres. Poderíamos ter feito grandes comícios. Fazíamos, entretanto,
grandes reuniões e alguns auditórios lotavam. Uma adversidade pequena aquela
história de nos desautorizar.
Era, entre outras, no entanto, a que mais nos
preocupava, pois tínhamos a informação precisa de que precisávamos conquistar
pelo menos 5% dos votos de Minas (*) para Brizola passar para o segundo turno. Obtivemos menos de 5%. E ficamos no primeiro turno.
Mais um por cento e a história eleitoral seria outra. Com certeza.
A direção estadual do partido, em Minas, garantia para o candidato
Brizola que ele já teria, segundo pesquisas, mais de 12%. Era uma informação
falsa.
Interrogávamos o
porquê daquela informação falsa, o seu uso e se por trás não haveria um complô
fundamental contra Brizola. Seria importante saber até que ponto a direção
estadual tinha envolvimento com este complô ou se se tratava de algo mais: uma
traição ao estilo de um grande negócio.
Dados
e resultados eleitorais
(*) No Rio, em uma reunião do governador Newton Cardoso com
integrantes do brizolismo, questionado sobre as possibilidades da candidatura
presidencial de Brizola, Newton afirmou que se Brizola consolidasse uma votação
de 5% em Minas Gerais, segundo colégio eleitoral, ele disputaria o 2º
turno das eleições em 89. As análises que fundamentavam está afirmativa de
Newton Cardoso vinham do seu profundo conhecimento do eleitorado mineiro e do
feeling sobre as reais chances de Brizola.
(**) Os três vales ficam situados na região Nordeste do Estado de
Minas Gerais caracterizados por uma economia agro-industrial e por uma
população de formação recente, sendo o Vale do Mucuri, o último território
conquistado pelo homem branco e com o trabalho de colonização comandado por uma
empresa privada, a Companhia de Colonização do Vale do Mucuri, empreendimento
com ações e liderado pelo empresário e político Theóphilo Benedictus Otoni, na
segunda metade do século XVIII. O Vale do Aço é uma denominação de
característica econômica, por sediar grandes empresas siderúrgicas, sendo a sua
localização geográfica o Vale do Rio Doce, nas margens do afluente, rio
Piracicaba, estão duas das três siderúrgicas do Vale do Aço, a Usiminas e a
Acesita. A terceira e pioneira na indústria siderúrgica, a Belgo Mineira está
localizada na cidade de João Monlevade.
As eleições de 1989 foram as primeiras desde 1960 em que os cidadãos brasileiros aptos a votar
escolheram seu presidente da república. Por serem relativamente novos, os partidos políticos
estavam pouco mobilizados e vinte e duas candidaturas à presidência foram
lançadas. Essa quantidade expressiva de candidatos mantém o recorde de eleição
presidencial com mais candidatos - número que passaria a 23 caso o ex-presidente Jânio Quadros, cujo nome foi
cogitado para a disputa, não abdicasse de sua pré-candidatura em decorrência de
seus problemas de saúde.
Como nenhum candidato obteve a maioria absoluta
dos votos válidos, isto é, excluídos os brancos e nulos, a eleição foi
realizada em dois turnos, conforme a então nova lei previa.
O primeiro foi realizado em 15 de novembro de
1989, data que marcava o centésimo aniversário da proclamação da
República, e o segundo em 17 de
dezembro do mesmo ano.
Foram para o segundo turno os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva, da coligação encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, e Fernando Collor de Mello, da coligação encabeçada pelo hoje extinto PRN.
20 611 011
|
30,47%
|
35 089 998
|
53,03%
|
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11 622 673
|
17,18%
|
31 076 364
|
46,97%
|
||
11 168 228
|
16,51%
|
||||
7 790 392
|
11,51%
|
||||
5 986 575
|
8,85%
|
Diferença Lula / Brizola no primeiro turno de 1989.
11 622 673
|
11 168 228
|
17,18%
|
16,51%
|
A votação em Minas Gerais foi sempre um bom
retrato da votação no Brasil. De 1989 a 2010, o vencedor da eleição
presidencial teve vantagem levemente maior em Minas Gerais do que no Brasil
como um todo. O sul “paulista” de Minas Gerais foi sempre uma área de rejeição
ao PT. O leste “fluminense” de Minas Gerais foi sempre uma área de apoio ao PT.
O norte “baiano” de Minas Gerais era a área de maior rejeição ao PT de 1989 a
2002, e passou a ser a área de maior apoio em 2006 e 2010.
Minas Gerais 1989 1º. Turno
|
|||
Candidato
|
Partido
|
Votos
|
Participação
|
Fernando Collor
|
PRN
|
2.800.546
|
36,12%
|
Luís I. Lula da Silva
|
PT
|
1.792.281
|
23,11%
|
Leonel
Brizola
|
PDT
|
418.782
|
5,40%
|
Mário Covas
|
PSDB
|
798.859
|
10,30%
|
Paulo Maluf
|
PDS
|
275.593
|
3,55%
|
Guilherme Afif
|
PL
|
502.804
|
6,48%
|
Ulysses Guimarães
|
PMDB
|
459.093
|
5,92%
|
Roberto Freire
|
PCB
|
99.635
|
1,28%
|
Aureliano Chaves
|
PFL
|
226.974
|
2,93%
|
Outros
|
379.578
|
4,90%
|
|
Total válidos
|
7.754.145
|