Amar sem
ilusão
Gilberto Mendhelson
Toda a obra de Darcy, toda a sua
vida, tem uma palavra síntese. Esta palavra é paixão.
Grande sempre foi sua alegria e
sua imensa paixão.
Se na paixão houve uma que se
sobressaiu esta foi, sem dúvida, a sua paixão pelo Brasil, isto é, pelo povo
brasileiro.
Uma paixão cultivada, uma paixão
racional, uma paixão extremamente consciente.
Ele sabia em que terreno pisava.
Nenhuma ilusão.
Para um homem com a sua
inteligência e erudição, ele sabia que, entre as muitas razões, que davam
sustentação à sua “estranha loucura” estava o Brasil que ele conhecia e que ele
odiava, o Brasil falso, o Brasil desigual, o Brasil da elite corrupta e
sanguinária, mas estava também um outro Brasil, o verdadeiro Brasil – só que
ele sabia que este Brasil era um país sonhado, um país imaginado, uma imagem.
Daquele Brasil falso, daquele
Brasil desigual, daquele Brasil que era uma farsa, Darcy extraia o povo e
apontava para o seu povo alguns caminhos, como o mais aberto de todos: a
educação.
E o seu exemplo, a fé inesgotável
nas pessoas, o carinho e a alegria, o continuar, o resistir, a luta permanente
e contínua, o nunca desistir.
Um homem imbatível, ele quer o seu
povo assim.
Darcy continuaria a criar este
país(a imaginar este país) mesmo quando distante dele, vivendo os dias de
exílio, proibido de voltar.
De volta,
seria exuberante em sua produção e da sua vida brotariam muitas palavras,
muitos livros, escolas e inúmeros exemplos para aqueles que queiram algum dia
ser homens públicos e que acreditam que é possível forjar as bases de um
verdadeiro país e de uma sociedade que elimine, de uma vez por todas, não
apenas a desigualdade, mas a mais sórdida das explorações e que se sustenta
pela imposição de uma linguagem sofisticada e suja, uma linguagem econômica e
embrutecedora, uma linguagem de servos e de marionetes.
Ninguém amou mais o Brasil e
ninguém revelou mais o Brasil aos brasileiros do que Darcy Ribeiro.
O Brasil que ele amou não existia,
existia apenas em sua imaginação – ele amava e muito o seu povo, o povo
brasileiro e odiava a sua elite e todos aqueles que traem, permanentemente,
este povo.
O Brasil que ele revelava era o
Brasil da injustiça, da desigualdade e da violência, o país real com todos os
seus males, o país que não dá certo, que não dará certo e que terá que
desaparecer do mapa.
Há um país a ser derrotado e há um país a ser construído.
O que “existe” não vale nada, não
vale um tostão furado.