Como
uma crosta
Rodrigo de Olivares Antunes
O
que são os sonhos?
Já
havia acordado, levantei e voltei a deitar.
Pouco
depois das 5h. Amanhecia em um dia frio e chuvoso.
Não
mais aquela água forte e permanente dos períodos chuvosos nos trópicos. Sentia-se
a umidade. Tempo frio e úmido.
Deitei,
cobri-me com três cobertores e o meu corpo estava quente.
De
madrugada chegara até a suar, seria da idade, a andropausa.
Sonhei.
Primeiro
com os meus filhos, Laura e Heloisa.
Atentos
com Isabela, em um lugar que mais parecia um clube. Muita gente. Muitos rapazes
e moças. Laura pergunta indignada por Heloisa. Afirma, categoricamente, o nome
de um rapaz. Quando nos aproximamos, Heloisa está sentada, forte e segura, só. Um rosto triste. Triste por causa do seu
desempenho. Ela não gostara da apresentação que fizera.
Depois,
talvez nesta mesma festa, eu acompanhava uma criança pequena que engatinhava. Ela
segue por todos os lados. Toma suas primeiras quedas comigo e é inquieta, quer
entrar em todos os lugares e sair, entrar e sair.
Aí,
o outro sonho, volto à minha casa.
Na
rua, não a encontro. A rua está como sempre vejo estas cidades: em obras. Obras
por todos os lugares. Prédios explodindo, onde antes não imaginávamos que
prédios poderiam surgir, por todas as razões e pela razão das proibições das
posturas municipais.
Os
prédios saiam em meio às casas. A nossa casa lá estava. Um tumulto, coisas do
lado de fora e a casa dividida, uma parte era uma firma. Ela está, chamo, ela e
o seu novo companheiro, velho companheiro, um crioulo baixinho (idêntico ao
crioulo de Mariazinha), vem atender. Ela ama e abraça.
Eu
controlo o meu corpo e o dela. Não tenho a mesma liberdade que ela. Ela me
abraça e choramos. Sua irmã Deoclésia está na sala.
Choramos
e falamos “e os nossos filhos?”
Choramos
e choramos. As pessoas sentam, sinto que o crioulo é um homem bom, sinto. Deoclésia
levanta, também chora, e sai da sala.
Eu
me pergunto sobre o que é o amor, pois eu ainda a amava mesmo com a consciência
de tudo, de tudo o que sofremos. Por tudo, por nossas inconsequências,
irresponsabilidades.
Eu,
eu, o irresponsável, por nunca ter sabido amar, por nunca ter sido capaz de na
minha imensa paixão e amor, jamais ter sido capaz de entender, corresponder.
Enfim, ser um ser verdadeiro para um outro ser.
Não
era verdadeiro nem para mim. Sento na cama com este sonho na cabeça, sem saber
se o anotaria agora ou depois. Depois seria o esquecimento certo.
Sento
na cama.
Sete
horas. Devo levantar para trabalhar. Sentado na cama, só, olho em volta, na
janela as grades. É, lá estão elas, embora seja um quarto da casa do meu pai,
ali estava eu de volta à prisão. Era um catre, talvez uma cela de um seminário,
talvez o quarto da própria casa do meu pai. Uma prisão. Eu mais uma vez, como
sempre, irremediavelmente, preso.
Uma
prisão que carrego “em meu próprio dorso”.