quarta-feira, 29 de novembro de 2017

HOMENS SECRETOS



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Darcy Ribeiro

O antropólogo


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Eduardo Frieiro

O mestre




Frieiro e Darcy


Assim Como o Migo



Levei para Darcy Ribeiro, o Novo Diário de Eduardo Frieiro (*). Nesta temporada em Belo Horizonte, ele morava num apartamento da rua Espírito Santo.

Darcy trepava e tomava banho. Duas horas no banheiro. Uma manhã inteira.

“Ela gosta de tomar banho sentada. Por isso, o banquinho... também funciona como uma cama...”

Ele estava com uma mulher maravilhosa. Outra não era a sua vida. Ele folheou o livro de Frieiro e comentou que o banho da mulher era tão demorado que no banheiro deixaram duas cadeiras e o banquinho, ali debaixo do chuveiro passavam duas, três, quatro horas. Grande fodedor!

Imaginei o que era esta sua vida maravilhosa e inimitável. Como ele sabia administrar tão bem e tão competentemente seu tempo. Ali, exercíamos funções de governo, ele secretário de Estado, eu um seu companheiro na área de comunicação.

Quatro horas de trepada e aquele incrível volume de trabalho e de gestões dentro do Estado. Além das polêmicas, é claro.

Darcy conheceu Frieiro, conta histórias do historiador Iglésias, ri da academia em que o Iglésias se prendeu, lembra que Frieiro fez do texto e da ousadia uma marca de gênio.

Começa, ali mesmo, a ler o Novo Diário. Por que Novo? E o velho, onde está o outro? Por que se referir ao outro? Ele lê as primeiras páginas.

Frieiro queimou seus diários pelo amor de uma mulher? Ele não podia ter feito isto ainda mais que o velho diário chamava-se “Diário de um Homem Secreto”.

Canalha!

O amor seria mais bonito se a mulher conhecesse, quem sabe, aquele homem secreto, aquele homem que se descobriria somente para ela, para ele e ela. Talvez não fosse tão secreto assim. O que, diabos, Frieiro, fizera? Por que fizera aquilo? Era um homem racional. Iria casar, decidira casar.

Entraria em sua vida uma mulher e um cachorro. Ele sabia que ela jamais teria condições de conviver com um homem que ela conhecesse bem? Uma mulher jamais seria capaz de conhecer um homem? Um homem jamais deveria revelar-se a uma mulher?

Astuto ou não, certo por fidelidade à nova e definitiva mulher,  Freiro queimou seu “Diário de um Homem Secreto” com muita segurança, convicto de que o que fazia era o certo, mas ao deixar-nos o Novo Diário, ele revelaria o que perdemos. Aí teríamos que ficar putos com ele. Ele não poderia, não teria o direito de subtrair-nos tudo aquilo que o seu talento construiu, anos e anos seguidos, em um dos períodos mais férteis de sua vida. Filha da puta!

A nossa conversa sobre Frieiro não terminou aí. Darcy presenteou-me com uma fita do filme ...... em que ele trabalhou como consultor, era uma história registro de um massacre de índios.

À noite, em uma recepção, Darcy arrasta-me a um canto e começa a me contar a história de um colosso, o colosso, o colosso e diz que, depois de ler Frieiro, decidira escrever a sua história de (em) Minas.

Começara a escrever o romance Migo, “migo de comigo, de amigo, migo de inimigo”.

Agora, era trepar, ser secretário, trepar, polemizar, trepar, ler Frieiro, trepar, trepar e escrever um novo romance.

Disciplinado, no outro dia, ele me estende os primeiros capítulos do novo romance, Migo.

Ele quer aventurar-se na alma do mineiro e faz um relato apaixonado da morte de Felipe dos Santos, esquartejado, seu corpo amarrado em quatro cavalos. Ele apanha suas anotações. Lê e faz pausas observando, rapidamente, o resultado da sua leitura.

“Felipe dos Santos teve a morte mais violenta de todos os nossos heróis, ele foi esquartejado vivo e nós vamos sentir todas as suas dores lacerantes, seu sangue explodindo sobre todos os animais que o rasgavam, ele foi rasgado.”

“A morte mais dolorida, mais violenta. O primeiro jato de sangue explodiu na cara de qual dos tocadores de cavalo? O da direita? O da esquerda? O que tocava o cavalo da perna esquerda? Da direita?”

“Filipe dos Santos morreu a morte horrível e esta morte é a morte que mais contundente fere a alma dos mineiros. Felipe dos Santos é o nosso herói mais odiado pelos nossos inimigos, por todos os nossos opressores”.

Darcy vê uma mulher aproximar-se e, diz, o tempo é curto.

“Il mondo è poco”.

Como? Para ele não.




(*)Novo Diário, Eduardo Frieiro, Editora Itatiaia