Darcy Ribeiro O antropólogo |
Eduardo Frieiro |
O mestre |
Frieiro e Darcy
Assim Como o Migo
Levei
para Darcy Ribeiro, o Novo Diário de Eduardo Frieiro (*). Nesta temporada em Belo Horizonte, ele morava num
apartamento da rua Espírito Santo.
Darcy
trepava e tomava banho. Duas horas no banheiro. Uma manhã inteira.
“Ela
gosta de tomar banho sentada. Por isso, o banquinho... também funciona como uma
cama...”
Ele
estava com uma mulher maravilhosa. Outra não era a sua vida. Ele folheou o
livro de Frieiro e comentou que o banho da mulher era tão demorado que no
banheiro deixaram duas cadeiras e o banquinho, ali debaixo do chuveiro passavam
duas, três, quatro horas. Grande fodedor!
Imaginei
o que era esta sua vida maravilhosa e inimitável. Como ele sabia administrar
tão bem e tão competentemente seu tempo. Ali, exercíamos funções de governo,
ele secretário de Estado, eu um seu companheiro na área de comunicação.
Quatro
horas de trepada e aquele incrível volume de trabalho e de gestões dentro do
Estado. Além das polêmicas, é claro.
Darcy
conheceu Frieiro, conta histórias do historiador Iglésias, ri da academia em
que o Iglésias se prendeu, lembra que Frieiro fez do texto e da ousadia uma
marca de gênio.
Começa,
ali mesmo, a ler o Novo Diário. Por que Novo? E o velho, onde está o outro? Por
que se referir ao outro? Ele lê as primeiras páginas.
Frieiro
queimou seus diários pelo amor de uma mulher? Ele não podia ter feito isto
ainda mais que o velho diário chamava-se “Diário
de um Homem Secreto”.
Canalha!
O
amor seria mais bonito se a mulher conhecesse, quem sabe, aquele homem secreto,
aquele homem que se descobriria somente para ela, para ele e ela. Talvez não
fosse tão secreto assim. O que, diabos, Frieiro, fizera? Por que fizera aquilo?
Era um homem racional. Iria casar, decidira casar.
Entraria
em sua vida uma mulher e um cachorro. Ele sabia que ela jamais teria condições
de conviver com um homem que ela conhecesse bem? Uma mulher jamais seria capaz
de conhecer um homem? Um homem jamais deveria revelar-se a uma mulher?
Astuto
ou não, certo por fidelidade à nova e definitiva mulher, Freiro queimou seu “Diário de um Homem
Secreto” com muita segurança, convicto de que o que fazia era o certo, mas ao
deixar-nos o Novo Diário, ele revelaria o que perdemos. Aí teríamos que ficar
putos com ele. Ele não poderia, não teria o direito de subtrair-nos tudo aquilo
que o seu talento construiu, anos e anos seguidos, em um dos períodos mais
férteis de sua vida. Filha da puta!
A
nossa conversa sobre Frieiro não terminou aí. Darcy presenteou-me com uma fita
do filme ...... em que ele trabalhou como consultor, era uma história registro
de um massacre de índios.
À
noite, em uma recepção, Darcy arrasta-me a um canto e começa a me contar a
história de um colosso, o colosso, o colosso e diz que, depois de ler Frieiro,
decidira escrever a sua história de (em) Minas.
Começara
a escrever o romance Migo, “migo de comigo, de amigo, migo de inimigo”.
Agora,
era trepar, ser secretário, trepar, polemizar, trepar, ler Frieiro, trepar,
trepar e escrever um novo romance.
Disciplinado,
no outro dia, ele me estende os primeiros capítulos do novo romance, Migo.
Ele
quer aventurar-se na alma do mineiro e faz um relato apaixonado da morte de
Felipe dos Santos, esquartejado, seu corpo amarrado em quatro cavalos. Ele
apanha suas anotações. Lê e faz pausas observando, rapidamente, o resultado da
sua leitura.
“Felipe
dos Santos teve a morte mais violenta de todos os nossos heróis, ele foi
esquartejado vivo e nós vamos sentir todas as suas dores lacerantes, seu sangue
explodindo sobre todos os animais que o rasgavam, ele foi rasgado.”
“A
morte mais dolorida, mais violenta. O primeiro jato de sangue explodiu na cara
de qual dos tocadores de cavalo? O da direita? O da esquerda? O que tocava o
cavalo da perna esquerda? Da direita?”
“Filipe
dos Santos morreu a morte horrível e esta morte é a morte que mais contundente
fere a alma dos mineiros. Felipe dos Santos é o nosso herói mais odiado pelos
nossos inimigos, por todos os nossos opressores”.
Darcy
vê uma mulher aproximar-se e, diz, o tempo é curto.
“Il
mondo è poco”.
Como?
Para ele não.
(*)Novo Diário, Eduardo Frieiro, Editora Itatiaia