Viagem ao Centro da Terra, Júlio Verne. La Troppa, Chile |
De
Letícia, o último beijo
Fabrizio de Salina
- Você
ganha mais de seis mil e não tem dinheiro porque tem que dividir com cinco
famílias
Letícia
recebera 500 reais para viajar; mesada adiantada. Havia ainda dúvidas se ela
iria para a praia de Piúma, no litoral capixaba.
Não
era a primeira vez que ela agredia o pai, discutindo dinheiro. Melhor, a falta
de dinheiro. O pouco dinheiro que recebia para atender suas demandas e seus
interesses.
Nervosa,
ansiosa, controlada, ela deixava também transparecer uma conspiração, com a
participação de muita gente, para extrair de alguma forma mais dinheiro do pai,
mais dinheiro.
Outra
cena registrada por Bitencourt, tempos atrás:
- Um
beijo de despedida?
(Ele
não pedia. Provocava)
Ela recusou
e atacou.
- Eu
só quero dinheiro. Se tiver dinheiro eu te dou o beijo.
Voltando,
não houve despedida, com as brincadeiras do pai sobre como ela gastaria o
dinheiro (para que fazer pé e unha, gastando 20 reais se você vai para a
praia?) ou anarquizando os gastos (para que depilação; não use nem maiô, nem
biquini, use short).
Ela
explodiu indignada para que o pai debochado fosse logo embora.
- Sai,
sai, vai embora logo. Saia.
Ela
correu para fechar a porta, o pai segurou a porta com o corpo e pediu um beijo
de despedida; ela recusou mais uma vez.
Depois,
beijou o braço do pai.
“Quero
no rosto”.
Ela
afastou-se.
Saiu,
como todo pai babaca. Assegurava-se que, depois deste episódio, nunca mais
pediria um beijo.
Sensações
paternais
1.
Não
considere isto como dito por um pai (*), até porque como pai tenho registrado
mais fracassos e derrotas. Um pai sem qualidade (não é rico). Um pai sem futuro
(se esforça pouco, trabalha pouco, trabalha e não recebe, trabalha de graça).
Enfim,
cara amiga (amiga?), um pai desajeitado. Um pai estabanado. Pior, debochado,
irônico.
2.
Não
considere isto como os esforços desajeitados de um amigo para reconquistar uma
amiga. Até porque que amigo é este que sempre (?) está ausente?
E
quando se precisa dele (do seu serviço) ninguém consegue localizá-lo.
Um
amigo teria, enfim, atributos valiosos, seria uma pessoa exemplar, um ser
diferente e a diferença seria o desprendimento, o estar sempre disposto a
ouvir, a servir e a estar junto, capaz de entender pelas palavras, pelos
gestos, pelos olhares e pela, inimaginável, paciência(**) todo oquerer do ser
amigo amado.
3.
Não
considere isto como explosão de um apaixonado por você, porque o sou. É também
um defeito. Defeito meu. Diferente de muitos não sou um apaixonado pela sua
beleza (Clara beleza). De fato, concreto e real, sou apaixonado por sua
importância, valor, tudo, enfim, que você significa para mim.
(Como
fui feliz todo o tempo que pudemos estar juntos, quanto fui feliz! Só eu sei e
este tempo eu o recolho como a minha eternidade benfazeja.)
4.
Considere
isto como uma reação verdadeira de um ser...(ia acrescentar humano, ser humano,
na dúvida ontológica, valorizo o ser). O humano como adjetivo qualificativo
seria agressivo, pretensioso ou debochado demais. Além da conta de que um
debochado seria capaz.
5.
Ah!
Minha paixão, minha amiga, minha filha, considere isto como a manifestação de
um ser mineral, de uma pedra.
Uma
pedra é uma imagem, um símbolo, muito importante para todos os homens. É até
mesmo um símbolo de resistência como nesta atual guerra que a televisão nos
mostra, entre árabes, palestinos, e judeus: de um lado, um povo armado com
pedras e o próprio corpo, de outro um povo armado com todas as armas e
tecnologias do mundo-moderno-insensível-e-desumano.
Considere
esta manifestação, em busca de esclarecer fatos e aproximar-se da verdade como
a manifestação não de um ser humano, mas de um ser íntegro na busca da verdade.
A
manifestação de uma pedra, enfim.
6.
As
principais questões do diálogo de ontem, 17 de abril, sábado, foram sobre
valores entre o Edberto Soares e a filha Patrícia Soares:
-
Você é ladrão!
(Não,
não,não, não é exclamação. É afirmativa categórica, olho no olho)
-
Você é ladrão.
Mais
brando ou até mesmo mais cruel
-
Você rouba para os outros!
(Isto
é, você é um ladrão, mas o produto do furto não te pertence.Um ladrão
incompetente e babaca).
Incapaz
de roubar para si mesmo e mais grave ainda: burro.
-
Você só quis comprar casas.......
(Casas?
Casas roubadas? Por que quis comprar? Uma decisão baseada em que argumentos...
só quis comprar casas, incompetente...)
Nestas
afirmativas, independente de suas verdades, há embutido um juízo de valor que
condena o ladrão, o roubo, o furto.
Edberto Soares
reflete:
“A
condenação pura, verdadeira, do furto é um posicionamento de valor em relação a
uma atitude socialmente condenável: a sociedade, a reunião de pessoas,
considera não apenas um crime, cujos códigos registram modalidades e
penalidades correspondentes, como um ato moral condenável e que significa, em
termos de personalidade a condenação de uma pessoa a carregar consigo, em si,
um estigma, uma marca, uma personalidade, enfim, um caráter: o ser ladrão.”
“O
ladrão, o homem que furta, rouba (***) ou que comete um latrocínio, isto é,
mata para roubar, este personagem, muito presente na história do homem, carrega
consigo a marca de uma violação elementar: a desonestidade?”
Edberto Soares
contra reflete:
“Nem
sempre, nem sempre, nem sempre, é sempre bom lembrar e aí teremos Ali Babá e
suas fantásticas aventuras, Robin Hood, tirando dos ricos para distribuir aos
pobres. Ou revolucionando o mundo, como o bom Lenine, que via nos banqueiros a
essência verdadeira dos ladrões (perguntava o homem dos soviets: O que é um
assalto a um banco diante de um banqueiro?).”
“Antes
de Lenine, Karl Marx, o jovem mouro, estudante ainda, eternamente estudante,
descobrindo em suas reportagens sobre o furto de madeiras nas florestas da sua
Renânia, que aqueles homens furtavam porque eles não podiam permitir que os
donos das florestas roubassem deles a vida e a possibilidade de viver.”
“Um
outro camarada, o bom e doce poeta Stalin com suas ações armadas e assaltos
(expropriações) reuniu condições financeiras para se implantar no mundo a
transformação mais radical da sociedade, em milhares de anos, dando início a
uma das experiências mais fantásticas dos últimos 200 anos na organização
social e econômica da sociedade dos homens.”
Tempos de prisão.
Memórias de Edberto Soares:
Na
Penitenciária, onde só existiam homens presos, condenados quase mil homens
presos, havia uma mulher que fazia uma distinção entre os homens presos.
Ela
os separava em duas categorias, os ladrões e os assassinos.
Dos
ladrões, ela gostava, ela os protegia e os tratava de maneira totalmente diferente.
Mais respeito, mais dignidade com quem rouba do que com quem mata.
Ela
tinha suas razões fundamentadas.
Ignorava
os assassinos e os odiava. Com eles tinha verdadeiras e loucas discussões. Esta
mulher não tinha medo da morte e nem deles, os assassinos. Ela os desafiava.
O
primeiro fundamento: Ninguém, segundo ela, tinha o direito de tirar (roubar) a
vida de ninguém.
Ela,
esta mulher, era uma freira.
Argumentava
que a vida era um bem divino, um dom de deus (ela acreditava nisto).
Ninguém
tinha o direito de tirar a vida de ninguém, um bem que deus deu ao homem.
Ela
era dura com os assassinos.
Éramos,
ali, todos criminosos, todos ladrões, pois até mesmo os assassinos eram ladrões
de vida, tiravam do outro, da sua vítima, o bem mais precioso, por
irrecuperável, a vida.
Ela
insistia em que todos os seres dotados de vida eram seres criados, filhos, de
deus.
Esta
mulher, uma freira, com mais de 60 anos. Fisicamente fraca, corpo dobrado para
a frente e caminhar lento.
De
repente, você se encontrava diante dos seus olhos e explodia diante de si um
rosto maravilhoso, cheio de vida, de coragem e de força.
Uma
mulher pronta para a briga, pronta para o sorriso e a imensa alegria de viver.
Estávamos diante da irmã Maria, da minha Julieta Bártolo.
-
Perdoe o ladrão, sempre perdoe o ladrão, sejam generosos com os ladrões.
Sua
voz surgia contra uma regra daqueles tempos, creio que ainda regra destes
nossos tempos, em que na escala de valor, estabelecida pela justiça, o furto, o
roubo, é um crime mais grave do que o assassinato.
Veja,
como a questão dos valores pode ser discutida sem que ainda nos aproximemos do
fundamental.
Edberto Soares
registra:
Por
que você acusa o seu pai de ser um ladrão e não o perdoa pelo furto, pelo
roubo, que ele tenha cometido?
Você
não admite amar um pai ladrão?
Assim,
colocamos a questão do ser ladrão como indiferente da outra: ser pai.
Podia
ser pai e ser um bruxo.
Podia
ser pai e ser trapezista?
Podia
ser pai e ser advogado?
Ser
pai e ser canalha?
Ser
pai e ser médico?
Há
ainda uma possibilidade, poderia ser pai, ser ladrão e ser um homem digno,
amigo, bondoso?
Talvez
a condenação não esteja em que o seu pai seja um ladrão; mas em que ele seja o
seu pai.
Edberto Soares conclui:
A
condenação está em se ter o pai que não se queria ter.
Aquela
permanente constatação em que ele desafia: descobri quem ele era.
Isto
acontece com uma pessoa, hoje um pai, amanhã um namorado, um irmão, um amigo,
um sócio, um companheiro de trabalho, um vizinho, enfim.
Estas
descobertas, hoje, depois de muitas investigações sobre a alma humana e sobre
os homens, não nos acanha e nem mais nos surpreende (*****).
Não
se surpreenda com as pessoas (fuja da expressão: jamais imaginava de você fosse
capaz disso).
Extraia
sempre o máximo de informações sobre as pessoas, sabendo que tudo será possível
na convivência.
Hoje,
um bom caráter, amanhã talvez não.
Hoje,
um péssimo caráter, um ladrão, amanhã Santo Agostinho.
Tenha
paciência e compreensão com todas as outras pessoas, menos com o seu pai, eu o
conheço bem, muito bem e sei o quanto ele não é deste mundo.
Há
algo que não mudo e nem jamais mudará: o amor por você.
7.
A honestidade e a
desonestidade
Diante
de julgamentos de valor como se deve postar um homem? Indiferente? Sim e não.
Indiferente
se este julgamento não contém em si nenhuma verdade, apenas o ódio, apenas o
preconceito ou uma necessidade, tipo eu preciso, eu devo falar mal daquela
pessoa, afinal todos falam mal dele.
Quando
estes julgamentos de valor (você é um ladrão) embora não tenha base em nenhuma
verdade, mas partem de pessoas importantes para o acusado, não há como ser
indiferente e/ou superior – superior aqui considerando aquela pose tradicional
dos mais velhos, os senhores donos da
verdade e dos anéis.
Assim,
como ninguém deve mentir para si mesmo, nenhum homem é desonesto com ele mesmo,
ninguém trapaceia contra si mesmo. Ninguém engana a si mesmo. Isto considerando
a pessoa de que se fala como uma pessoa normal, capaz de aferir valores e
analisar fatos.
Exemplo:
cai uma forte chuva, João convence a si mesmo de que não está chovendo e de que
ele não vai se molhar e sai sem nenhuma proteção. As primeiras gotas lhe dirão
que ele enganou-se.
Eu
teria que me convencer de que sou um ladrão. Até mesmo por inteligência. Isto
não significa agregar a mim uma culpa. Ser culpado por ter cometido um erro:
furtar. Vamos considerar que o correto seria assumir a culpa, confessar a culpa
e, no caso dos cristãos, culpado de ter infringido um dos mandamentos de deus,
não furtar.
O
quinto mandamento.
8.
Culpa. O pecado
do diabo
O
segredo da culpa é o pecado do diabo.
Diabo
peca?
O
que leva o homem a se sentir culpado por ter cometido um erro? O violar um
compromisso? Ter a consciência dessa violação? Adquirir a partir daí o estigma,
o eterno estigma do homem condenado: Você é um ladrão.
(Insisto:
Santo Agostinho era um ladrão e tornou-se um santo da igreja católica)
O
drama do pensar é que nós temos mais dúvidas e perguntas do que afirmativas.
Enfim, vamos lá: O que é culpa? O que é o sentimento de culpa?
A
confissão da culpa – o assumir a culpa no âmbito religioso traz consigo a
natureza do pecado e do perdão.
A
concepção da culpa no âmbito civil supõe assumir uma responsabilidade,
confessar um crime ou admitir que as provas apresentadas de sua culpa, por
evidentes, não o exime de sua responsabilidade embora continue afirmando sua
inocência supõe o julgamento e a condenação do culpado.
-
Você é culpado. Está condenado.
Há
quem condene a culpa em si. Ouvi muitas vezes a condenação da “culpa” como uma
deformação da formação religiosa.
A
igreja usa este recurso como uma forma de controle administrativo da comunidade
cristã.
Ser
culpado é ser dependente de um julgamento por si e/ou pelo outro.
Outra
condenação da culpa deve-se ao seu resultado ou seja ao próprio controle
objetivo do indivíduo e da comunidade, ao êxito deste recurso ao longo de duas
dezenas de séculos.
Condena-se
ainda a culpa pela sua ação dissimulada, visa-se um alvo para na verdade se atingir outro, o perdão.
Verdade
significando objetivo, o que se quer, o que se procura com uma ação (ato entre
homens).
-
A consciência do culpado, não condenado (o caso de Althusser). Este caso é
sensacional: um dos maiores filósofos do século estrangula e mata a mulher. Ele
tinha total consciência do que fez e de seu crime, mas a sociedade não o
condenou. Afinal, antes de ser assassino era um grande pensador. E ele não se
perdoou, escreveu um longo libelo acusatório. Ele condenou a si mesmo e à
sociedade.
O
título do seu livro é significativo, Le
futur dure long temps, o futuro dura muito tempo. Dele se extraiu tudo,
menos o futuro. Seu futuro era a longa vida a viver, o desespero total, a
consciência total.
9.
A
igreja católica foi a instituição que melhor e mais profundamente soube
trabalhar com a culpa (usando-a como domínio contra o homem crente) e com
criatividade instrumental (o ritual da cerimônia religiosa, a missa, e o
confessionário) até que veio Martinho Lutero, do útero da igreja, e acabou com
o confessionário, eliminaram os intermediários entre o homem e deus, o mais grave,
neste nascer da modernidade, é que no lugar do confessionário, surge a
consciência, o tribunal da consciência e na sequencia a ditadura da
consciência.
E
o divã. Uma merda.
Com
o confessionário, a igreja antecedeu em séculos o divã do doutor Freud. Lutero
acabou com o confessionário e inviabilizou o divã. Não há nada pior e mais
constrangedor para o homem do que a ressaca moral da qual só se livra se for
capaz de encarar um sono profundo e/ou seus substitutos, pois a culpa te
persegue a vida toda, a vida afora (e este futuro, como constatou Althusser,
nunca acaba e pode durar muito tempo).
O
confessionário é um instrumento de ação letal, caiu no confessionário se livra
da culpa, mas cai nas garras do novo ditador de suas culpas e perdões, cai nas
garras do poder mais constrangedor e violento, o poder do outro, daquele que
sabe as suas e as culpas coletivas, conhece sua intimidade e, melhor, se
apoderou-se de sua consciência.
O
confessionário é um recurso de ação dual - um que confessa e outro que ouve a
confissão.
A
ação dual pressupõe compromissos, o compromisso da verdade de quem fala e o
compromisso do silêncio de quem ouve (que ninguém garante que será cumprido).
A
lição do segredo: só é segredo se não for contado.
O
confessionário é um equipamento simbólico, de não individualização, recurso
cerimonial, uma parte da nave da igreja, um lugar simbólico, lateral.
O
confessionário é uma lavanderia.
Com
o confessionário é mais fácil resolver os mais graves problemas de consciência.
O sujo elimina-se pela confissão, pelo detergente da confissão, pela declaração
da verdade. Tem roupa suja? Lave. A roupa suja você reúne, relaciona, lava,
engoma e passa. Tudo novo e de novo, em pouco tempo, lá está, em um canto da
casa, a roupa amontoada. Se eu sou ladrão, ao confessar-me ladrão, perdoado,
estou pronto para outra. Afinal, estou zerado.
Ao
eliminar o confessionário, o homem examina a si mesmo, se se encontra em culpa,
recorre-se ao tribunal da consciência, julga-se a si mesmo e pode absolver-se
da culpa com o compromisso, consigo mesmo, de não repetir o erro, o erro que
ocasionou a culpa.
A
reforma luterana radicaliza quando suprime a confissão auricular e define a
relação do homem direto com deus e no lugar do confessionário introduz a
consciência, a sua consciência é o seu tribunal.
Mais
do que abolir o confessionário, Lutero aboliu o magistério (dos doutores) da
Igreja, os donos da palavra, da língua, do latim e da linguagem, os donos do
conceito e dessa fabulosa aventura do conhecimento e da verdade.
Tempos
depois, no caminho de Lutero, que eliminou o intermediário e em seu lugar
introduziu a consciência e a razão, surge Wittgenstein e elimina a consciência,
a razão e a linguagem.
E
agora, José? Perguntará, enfaticamente o poeta e filósofo.
Lutero e
Wittgenstein são dois e um.
Dentro
do processo de conhecimento a radicalização de Lutero jamais pressuporia a
radicalização de Wittgenstein, mas era necessária e imprescindível, era um
degrau essencial.
Martin
Lutero radicaliza com a consciência humana assumindo a responsabilidade pelo
destino do homem. A razão assume uma dimensão, cuja imponderabilidade e
valorização jamais poderiam ser antecipadas e cujos desdobramentos chegaram
inúmeras vezes à destruição da própria razão (a prostitua do diabo, segundo o próprio Lutero), à degradação da
própria consciência como na degradação e destruição do homem, a sua
autodestruição.
(Consciente
de que sou um ladrão, a razão me apontando, dedo em riste, como um criminoso; a
razão me condena e me imobiliza no ato do furto para todo o meu futuro).
10.
“O
meu corpo é o templo (tempo) do Espírito Santo”.
Isto
é de Paulo aquele que o amigo Ronan fala que é fera.
Paulo
está por trás do confessionário e dessa deificação, precária e ainda provisória
do homem. Templo é caixa vazia, é lugar que recebe e é lugar nobre e de
cerimônias.
Ser
templo é ser receptáculo, um lugar vazio para a inteligência que é, em
essência, esse deus estranho, o espírito santo, ser de natureza intelectual e
nobrificado, notabilizado na pureza e pela santificação.
Paulo
sabia que para construir uma igreja seria necessário o domínio. Qual domínio? O
territorial? O domínio dos governos? O domínio das casas?
Ou
todos estes domínios através de um domínio simples e definitivo: o domínio das
almas, isto é, o domínio das consciências.
Alguém
deveria assumir o controle das almas, o controle das consciências. Quem poderia
assumir este controle e de que forma?
Um
homem diferente ainda sobrevive, embora controlado, identificado, dominado,
vestido de forma definida, preparado exaustivamente para aceitar o papel de “dono
das consciências, pastor das almas”, o padre, pai, patrão, ser de deus.
E
agora, a inteligência artificial e a informática que cataloga bilhões de seres,
principalmente os seres ainda chamados de humanos.
De
que forma? Através de um ritual aprovado pela maioria, integrando
(imprescindível) o momento mais importante da dignidade religiosa, a comunhão –
o celular.
O
significado da comunhão para o cristão, tanto para o católico como para o
protestante, é o mesmo. A comunhão significa a participação da ceia do senhor,
na comunhão o vinho e o pão, o sangue e o corpo de Cristo, servem para a
materialização da ceia do senhor, servem para a materialização da comunhão (não
a comunhão protestante).
Para
se habilitar a participar da ceia do senhor, o homem deve estar livre de culpa
e do que se convencionou chamar de pecado. Com o pecado não se pode participar
da mesa da comunhão.
Para
o cristão católico, entretanto, há uma diferença. Nesta cerimônia há a
transubstanciação, o vinho é o sangue de Cristo, o pão é o corpo de Cristo.
O
protestante não aceita a tese da transubstanciação, introduz a tese da memória
do fato, para eles a cerimônia da comunhão é uma lembrança, uma memória de um
momento, é a celebração de um compromisso, da renovação do compromisso.
Há
o vinho e o pão, vinho e pão simplesmente, porém mais do que vinho e pão ou
sangue e corpo, é um compromisso consciente de um momento histórico vivido pela
comunidade dos cristãos católicos e pelos seus integrantes.
Paulo e o pecado,
Paulo e a culpa
... o nosso corpo
é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus.
Coríntios
6, 19 Paulo
7...eu não
conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se
a lei não dissesse: Não cobiçarás.
8 Mas o pecado
tomando ocasião pelo mandamento, obrou em mim toda a concupiscência: porquanto
sem a lei estava morto o pecado.
9 E eu, nalgum
tempo, vivia sem lei, mas vindo o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri;
10 E o mandamento
que era para vida, achei eu que me era para morte.
11 Porque o
pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou, e por ele me matou.
12 E assim a lei
é santa, e o mandamento justo e bom.
....Romanos,
7 Paulo
11.
Poucos
são os homens que se questionam e que assumem a sua construção como seres
humanos ao longo de uma vida, comprometidos com um futuro que é sempre curto
demais e apressado demais.
Poucos
são os homens que carregam uma alma limpa, uma vida alegre e feliz.
A
minha felicidade é o filho, o ser que nasce.
Hoje,
tenho a verdadeira percepção de que, assim como Prometeu, que roubou o fogo dos
deuses, eu também roubei para muitos (para os meus filhos) a vida, de alguma
forma extrai, roubei, tirei de algo que não existia (a vida) e ela está aí,
pujante bela, atrevida, altiva, capaz de encarar estes desajeitados mais
velhos, estas pessoas rabugentas, ranzinzas, implicantes, estes chatos, sempre os
mais velhos, estes bobos que se consideram senhores dos tempos e que estão
sentados apenas sobre as suas merdas, acham que são verdades. Se forem verdade,
a verdade é que elas fedem.
Um
beijo de quem te quer feliz e capaz de dizer, com força, tudo o que você foi
capaz de me dizer.
Eu
sei o que eu sou(******).
(Esta é a minha
carta para você, Letícia, minha alegria, minha paixão.
Este sempre foi o
meu silêncio.
Esta é a resposta
que você sempre quis à pergunta:
“Pai, por que você é tão calado? Por que você
não fala?”)
-------------------------------------------------------------------------
Notas
(*)
...dito por um pai...
Veja,
uma afirmação sem sentido. Dito por um pai ou palavra de um pai.
O
que vale isto? Palavra de um. Palavra, apenas. Palavra só tem sentido se for
verdadeira. Se a palavra em si for verdadeira, se ela tiver sentido. A palavra
de um pai poderá vir carregada de emoção. A emoção do amor, se partir de um pai
apaixonado, de um pai só amor, essência de amor, um amor tão grandioso que
torna-se tão careta de ser só compreensão.
Poderia
vir também carregada de mágoas, um sentimento tardio, maltratado, um sentimento
complexo, dos complexados, próprio daqueles perdidos e que mais precisam ser
compreendidos e mais ainda amados, carentes de tudo, até mesmo dos filhos e de
suas presenças, de seus carinhos, de seus olhares, da felicidade de ter a mão
filial pousada sobre sua face e sobre os seus sonhos e dores.
A
palavra que tem o compromisso da compreensão é a palavra do pai.
É,
entretanto, uma palavra multiforme, pois na compreensão pode deter um objetivo,
até mesmo maltratar por não zangar, por não ser autoritária, por fugir à
condenação, o apontar o dedo dizendo que você está errada, você está sendo
dura, você não pode julgar sem que o processo tenha sido feito e garantido o
direito de defesa o direito do contraditório.
Ah!
Bela palavra, uma palavra que todos os pais deveriam reverenciar no convívio
com quem tem e terá mais tempo, mais vida e mais felicidade, a bela palavra
“contraditório”.
É
um princípio que nasce com os pensadores gregos e se incrusta no direito e na
democracia. Tenha sempre em consideração o contraditório. Isto é, quando se
fizer uma afirmativa, pense na negativa e em sua possibilidade.
É
o que fazia, todas as manhas, o bom Sartre que se exercitava pensando contra si
mesmo, contra as suas verdades, contestando tudo, todos e a si mesmo; sem ser
impiedoso.
-
Minha amiga não presta.
Contém esta outra afirmativa
-
Minha amiga presta.
É
um jogo gostoso. Todas as vezes que ouvir aquela afirmativa categórica, muito
presente naqueles que são donos da verdade (os adultos, principalmente, aqueles
com mais de 15 anos, melhor, segundo a música com mais de 30, isto na época da
sua mãe, em que não se podia acreditar em quem tinha mais de 30 anos).
Jogue
este jogo e sempre se acautelará e sempre se aproximará da verdade, mesmo que
seja um pouco mais lenta a aproximação, com certeza será mais segura e a
possibilidade do erro, da não verdade, mais remota.
(**)
Paciência é um dos meus defeitos de que mais me orgulho, em mim a paciência
jamais teve ou terá limites, e é um exercício físico em que me aplico
diuturnamente, todas as horas do dia, acredito que até em todos os segundos do
dia.
(***)
Ladrão adj. Que furta, que rouba.// sm Salteador,; indivíduo que furta, que rouba; vaso onde nas adegas se
deita o vinho ou azeite que as pipas escorrem; vergôntea que rebenta,
ordinariamente no sentido vertical de um ramo de árvore ou do corpo das raízes,
tirando a seiva que deveria ser assimilada pelas partes produtivas; pavio
entortado que, tornando maior a luz, consome entretanto mais depressa a vela;.
// (fig.) Maroto, biltre, tratante.//
(bras.) Cano por onde, nas caixas
d’água, se dá escoamento ao excesso de líquido. (Do latim: latro, onis =
soldado mercenário, habituado aos saques).
Do
Dicionário da Língua Portuguesa da Academia Portuguesa da Academia Portuguesa
de Letras
Em
outro dicionário, no Aurélio
Ladrão.
Adj. 1. Que furta; ladro. – Sm 2. Aquele que furta ou rouba; gatuno, ladrão, larápio, rato, amigo do alheio
Agora
vejamos a sutil diferença entre roubar e furtar, ainda segundo o Aurélio:
Roubar
vtd 1. Jur. Subtrair (coisa alheia móvel) para si ou para outrem, mediante
grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois havê-la, por qualquer meio,
reduzido à impossibilidade de resistir.
2. Furtar, subtrair (coisa alheia).
Furtar
vdt 1. Apoderar-se de (coisa alheia);
subtrair fraudulentamente (coisa alheia) ; roubar. 7. Trapacear no jogo. P. 8. Desviar-se,
esquivar-se. 9. Esconder-se, ocultar-se.
(Uma
curiosidade, larápio vem de um
conhecido romano o senhor L.A.R. Ápio, tão conhecido naquelas plagas que seu
nome passou de substantivo próprio a substantivo comum, o romano que rouba
passou a ser um larápio).
Outra
diferença, esta uma diferença fundamental e necessária, histórica.
Quando
homens revolucionários assaltam um banco, tomam um veículo para uma ação
revolucionária, uma ação política se pratica não o roubo (com violência) ou o furto
(com trapaça e sutileza linguística). O que se pratica é a expropriação, isto
é, segundo ainda o nosso bondoso Aurélio, que desconsiderou a ação
revolucionária, mas que sempre se praticou na história humana da organização
social:
Expropiação
sf Ato ou efeito de expropriar; privação da propriedade.
Expropriar v.t.rel Privar da propriedade por meios
judiciais; fazer perder a propriedade legalmente, por necessidade pública ou interesse social: A prefeitura me
expropriou daquele prédio. (De ex + próprio + ar)
(*****)
Marx em resposta a um questionário de sua filha Jenny sobre o aforisma de que
ele mais gostava, escreveu: Nada do que
é humano me é estranho. Citava ele, um filósofo romano.
(******)
Um grande mentiroso? Sei lá!
Onde está o centro da terra? |