17 estocadas atrás de um coração
Renato Neri
De
vez em quando a cidade me envolve nas suas loucuras e tragédias. Hoje de tarde
havia o calor sufocante. Minha testa suada, as minhas mãos sujas de tinta de
jornal. No céu nenhuma possibilidade visível de chuva. Sabíamos que, com o
calor, a chuva viria.
Realmente,
duas horas depois enquanto fazia as minhas anotações, a chuva caiu. Foram
pingos tão separados, em meio a um vento, talvez fossem lágrimas para os dois
mortos.
Tropecei
nos dois cadáveres de mulheres. No carro da polícia, vi as mãos do criminoso
sujas de sangue. Ele cantava uma canção que falava de traição. Sol quente, as
pessoas vindas de todos os barracos.
Quem
morreu?
Foi
ele quem matou a sua mulher e a sogra?
Ele
acabou com a sua paixão.
Foi
a dor.
No
chão, a mulher e atrás dela o rastro de sangue de uma tentativa inútil de
sobreviver. O rasgão no antebraço da moça morta. Foi como uma foiçada, a única
nesta tragédia de amor. Ele procurou encontrar o coração e somente encontrou
braços e seios para ferir.
-
Foi esta a faca, mostra a polícia com a faca enrolada num pedaço de pano branco
sujo de sangue.
Certo
fez o repórter Roberto Neri que não quis vir ao local. Ele não gosta de fazer
local.
Em
nós, nascia algo estranho. Em mim, as imagens agarradas nos olhos. Niquinho,
nestas situações, começa a cuspir. E em Zé do Carom, o motorista, é olhar prum
lado e pro outro, assustado. Zé conversa na Kombi com duas moças. Os meninos
queriam ser fotografados e balançavam as mãos. Riem. Do lado da tragédia, o
humor.
Nós
três, silenciosos, descendo para a cidade, cortando as ruas molhadas, mal
molhadas da cidade, onde o céu chorou torto.
Durante
um grande espaço de tempo, senti que aquilo não podia ficar dentro de mim.
Haveria de sair.
Via,
gravado, atrás do arame, atrás das roupinhas de criança, o corpo da mãe, uma
mãe de primeiro filho.
Via
o corpo caído, um corpo ferido por todas as facadas do ódio, foram 17, 17
facadas em busca de um coração e que não o encontraram.