sábado, 10 de fevereiro de 2018

O CERCO FINAL





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A armadilha


 Asdrubal Martins de Alencastro




Distante, no apartamento, numa sala carpetada de cinza escuro, vê-se que há um homem.

Este folheia um monte de papéis. Outro homem, risonho, liberta de sua chaminé anéis de fumaça.

A senhorita D tira do arquivo uma pasta. Abre-a.  Estende sobre a mesa um monte de fotos.

A senhorita D tira os óculos. Examina uma foto.

Diz:
         - Nada há sobre ele a não ser isso. Quanto aos amigos dele, são todos fichados em nossos arquivos. São do Grupo Operário. Ativistas e o grupo é uma aglomeração de divergências dos PCs. Este moço foi preso muitas vezes. Todas elas transportando livros subversivos. Na última vez, sua prisão se deu por transportar manifestos com timbre do PC. Prisão na Livraria Século. A livraria é de sua propriedade.

-          E ele foi solto?

O homem perguntou para demonstrar indignação, embora não houvesse nenhuma justificativa para indignar-se.

Sabia que, naquela hora, mesmo sem razão, devia se indignar ou o seu cargo não seria mais dele.

Na sua função devia sempre indignar-se.

A moça coloca o óculos, esclarece que o manifesto era uma cópia de outro manifesto lançado por ocasião da revolução Praieira em Pernambuco, no começo do século XIX.

Ela fala sobre o que foi a Praieira, com ares professorais. Todos a escutam. Ela cala. Fazem silêncio.

Devia elogiar ou não os conhecimentos de história da funcionária. Concluiu que não.

-          Anh.

Não poderia deixar escapar outra expressão.

Pergunta mais uma vez:

          -  Como poderemos prender este homem? Você não conseguiu nada. Você não sabe informar nada sobre ele.

O homem risonho é quem responde.

          - Podemos prendê-lo. Sim. Acusaremos de manter relações com o pessoal do Grupo Operário. Podemos até mesmo dizer que ele é suspeito de ser o líder.

(solta outra baforada).

O chefe nunca pode se dar por vencido e os subordinados devem estar sempre vencidos.

          - Quero mais dados. Eu quero prender todos do Grupo Operário. Quero destruir este grupo. Você é nosso homem no meio deles. Volte para lá. Pegue tudo. Caso descobrirem que você trabalha para nós a culpa será única e exclusiva sua, meu caro. Quero mais dados, ligações com outros centros. Quanto ao rapaz, eu o prenderei. Ele é um que, no mínimo, por baixo, deverá passar três anos atrás das grades. Acho que os homens de cima estão cheios de baboseiras de correrem riscos calculados. Eles estão quase dando dinheiro para os grupos rebeldes, para poderem agir. Um vive do outro.

O homem sorridente apaga a brasa. A fumaça começa a desaparecer. Seu nome é Carlos Frederico. Na sua cabeça, estão as imagens das fotos expostas em cima da mesa pela secretária eficiente. Carlos despede do chefe e, antes de sair, inspeciona a sala. Ele sente-se um homem impenetrável, frio e impassível.

            - Que Deus o acompanhe e o ajude – diz o chefe ao vê-lo fechando as duas portas.

Carlos abre novamente as portas, bate a mão para o chefe e os dois sorriem. A secretaria recolhe as fotos sobre a mesa. Carlos gravou as imagens das fotos. Atravessa a rua em direção ao parque.

A foto: Heloísa conversando com uma moça loura e alta. Os cabelos da moça loura caem no ombro.

Na foto parece que o vento mudou o penteado da moça.

Quando Carlos Frederico obteve a foto, sua vida tomou um rumo da piorra – ele pensou e riu.

Os anos não mais se contam como a vida não mais se conta. Ele se considera um homem intelectualizado, muito inteligente, perdido nos diálogos estéreis do dia a dia.

Ele entra no parque.

O encontro estava marcado para o meio-dia, num banco que estrategicamente dava para ser observado de quatro posições diferentes.

Ele estava seguro.

O outro não.

(Assim, ele acreditava. E errou).