A
vida abandonada
Rufino Fialho Filho
Clara largou Emerson e levou os dois
filhos, um menino de 16 anos, filho de outro homem, e uma menina de 9 anos,
filha do Emerson.
No dia em que ela foi embora, ele
começou a chorar. Agora já são dois meses de choro, 60 dias de olhos inchados e
de desespero para Emerson.
Quem primeiro ficou sabendo foi Paulo
Rodrigues. Ligou. Emerson não aguentou conversar. Preocupado, Paulo acionou
dois amigos de Emerson. Deviam fazer algo antes que as coisas piorassem.
Emerson já teve dois enfartes e um
derrame, não aguentaria uma depressão e nem um descontrole com álcool e
alimentos gordurosos. Clara teria colocado Emerson para fora de casa.
Paulo Rodrigues ligou também para Clara
e retornou para os amigos, “não tem jeito, ela está firme e não volta mais”.
Pobre, sem dinheiro, com dívidas, seis
meses de aluguel atrasados, a agência de publicidade fechando, Clara foi
trabalhar com Cláudia ganhando 2.500 reais por mês. O dia do pagamento, ela agiu
na surpresa: saiu de casa.
Na versão dela, o ambiente não estava
bom por causa das dívidas e mais ainda devido às brigas e agressões de Emerson
a ela e aos dois filhos dela.
Ela foi morar na periferia num
barracão nos fundos da casa da mãe de Vilma, a mulher que dá apoio à separação
do casal e que as conversas de botequins identificam como a nova amante de Clara.
– “Mas Vilma não é casada? O marido dela é
virtual. Ela sempre gostou de ralar coco com coco. Preste atenção na
masculinidade da Vilma. Ela sempre foi homem, um homem de voz adocicada e
sensual para capturar as mulheres, meu amigo”.
A solidão colheu Emerson de chofre,
morando na casa da mãe, com 84 anos, os dois estão sozinhos nos finais de semana.
A velha já estava sozinha há muitos
anos.
A cena comum agora é ele deitado,
bêbado, chorando e ela chorando em cima do filho. Juntaram as duas solidões.
Solidão e solidão se juntam?
O assunto do Emerson é a sua vida e
falar mal de Clara. Uma mulher de nível diferente do seu. Ninguém da sua
família concordava com aquela união. Não daria certo, nível diferente. Ela uma
funcionária da faxina da sua agência. Ele o patrão. Ela analfabeta. Ele um
profissional de criação, vitorioso, premiado, ganhando um bom dinheiro.
Ele gosta dela. E todo mundo diz isto
repetindo a declaração dele.
Sua filha com a Clara está passando
necessidade, diz Emerson. Ela levou minha filha para morar num lugar horrível.
Lá está faltando leite. Vilma que havia garantido um salário de 2.500,00 reais
para Clara, agora só paga 750,00 reais.
No período de trabalho de Clara com
Cláudia, no Sesc Venda Nova, mais de 500 mulheres e mais de 100 homens se
reuniram durante duas semanas na mais intensa trepação, “quando Cláudia reúne
prevalece o sexo, é o sexismo da Cláudia, você sabe muito bem disso, e lá as
mulheres disputavam os homens e comercializavam, era um homem para cinco
mulheres”.
Clara estava lá e ali a vida da Clara
ganhou rumo, depois disso ela se declara livre e desimpedida.
Ontem, ela ligou para ele e agradeceu
tudo o que ele fez por ela. Liga quase como para uma manutenção de esperança ou
de dependência.
Liga para saber se a corda está tensa,
para ouvi-lo submisso, para sua satisfação, lembrando-o da sua liberdade e vida
sem compromisso, da sua disponibilidade.
Vilma diz que Emerson explorava Clara
e que a vida deles estava um inferno. Diz que Emerson não está sofrendo nada
não, que tudo é fingimento, que ele não tem nada, que está bom, que é
mentiroso.
Carlos, o presidente da AMS, diz que Emerson
e Vilma deram um tombo na SMA, que Emerson brigou com Carline, o jornalista que
ele queria levar para lá, “foi grosseiro e me deixou numa situação delicada”,
que Emerson nunca fez nada direito, que sempre errou nos trabalhos feitos para
ele.
A versão da vida comum da Vilma com a Clara
tem prevalecido.
Emerson continua chorando.
Pensa e fala em suicídio. Busca apoio
de pessoas que possam ouvi-lo, frequentando reunião de empresários em maus
lençóis e que leem a Bíblia e depois relatam suas desventuras.
Ontem, ele foi a uma reunião espírita
onde se discutiu o controle das emoções e a construção do conhecimento pessoal
que possibilitaria estabilidade às vidas e um crescimento emocional, “se
discutiu também o QI e o quociente emocional”.
Depois, ele recebeu um passe dado pela
mulher que dirige o Centro Espírita e que é a guia espiritual e médium: a Maria
Helena.
Ah! Ah! A dona Maria Helena, cujo
marido não suportou viver com ela e que pulou do trigésimo andar.