sexta-feira, 23 de março de 2018

A VIGILÂNCIA

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Olhos que metem medo


Rufino Fialho Filho




O auto-retrato de Guignard (*) ficava na sala da diretoria da Casa Lotérica, exatamente atrás da cadeira do presidente.

Pintura expressiva e de olhos salientes. Era o autêntico Guignard.

O novo presidente Adroaldo Mesquita, ex-prefeito no Triângulo, implicou com o retrato.

Não gostava do olhar daquele homem e nem se interessava em saber que pintor era aquele. Por mais que lhe dissessem da importância e valor do quadro, como verificara que era um bem patrimoniado pelo estado, desinteressou-se.

O quadro o incomodava – este era o drama.

O que aqueles olhos tanto bisbilhotavam?

- É apenas uma pintura, um auto-retato.

Não aceitava as explicações.

Só, na sala, porta trancada, tirou o quadro da parede para ver, com os seus próprios olhos, se não tinham nenhuma câmera escondida ali.

Ele sentia que aquele homem o vigiava.

Era como se aquele homem na pintura o olhasse (sentia os olhos de Guignard vigiando-o e que, louco, imaginava que Guignard poderia denunciar tudo de errado que fazia).

O que fazia, todas as diretorias da loteria sempre fizeram.

“Não há nada de errado, todos fizeram, farei e outros, depois de mim, farão. O que faziam de errado?”

- Eram “golpes”, não sei se golpes. Os bilhetes não vendidos voltavam para a Loteria. Separavam os premiados. Uma simples operação administrativa e financeira. Distribuíam  os bilhetes para os “novos premiados” ou para os “premiados escolhidos”. Os prêmios de maiores valores iam para a mesa do presidente a partir daí ele decidia o destino dos bilhetes.

Mesquitinha, o presidente, mandou que tirassem o quadro da parede. Deixou-o na sua sala. A tela voltada para a parede.

Nesse mesmo dia chegou para visitá-lo a dona Lindaura Gomes da Silva, diretora da Cultura  – uma das que vinham em busca de bilhetes premiados.

Escapavam de impostos e da origem do dinheiro.

Viu o quadro, interessou-se em levá-lo.

“Mando buscar ainda hoje”. Mequitinha tremeu.

Explicou que o quadro era patrimoniado. Mostrou a chapa com o número do patrimônio. Lindaura garantiu que o quadro ficaria na parede ao lado do piano da sua sala.

Mesquitinha liberou a transferência, legalizada, do quadro da sede da Casa Lotérica para a sala da dona Lindaura.

“O mal feito tem que ser bem feito”, era seu lema.


Dias depois, na primeira página da Tribuna , viu a foto do quadro no jornal. Na legenda deixou de ser o auto-retrato de Guignard: 

“Auto-retrato de Constantino Amaral(**)”.





(*) Alberto da Veiga Guignard (Nova Friburgo25 de fevereiro de 1896 — Belo Horizonte25 de junho de 1962) foi um pintor e professor brasileiroque ficou famoso por retratar paisagens mineiras.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Alberto_da_Veiga_Guignard

(**) Constantino de Souza Amaral Y Fidelis foi músico de o primeiro presidente do Instituto Cultural Boa Nova