Olhos que metem medo
Rufino Fialho Filho
O
auto-retrato de Guignard (*) ficava na sala da diretoria da Casa Lotérica, exatamente
atrás da cadeira do presidente.
Pintura
expressiva e de olhos salientes. Era o autêntico Guignard.
O
novo presidente Adroaldo Mesquita, ex-prefeito no Triângulo, implicou com o
retrato.
Não
gostava do olhar daquele homem e nem se interessava em saber que pintor era
aquele. Por mais que lhe dissessem da importância e valor do quadro, como
verificara que era um bem patrimoniado pelo estado, desinteressou-se.
O
quadro o incomodava – este era o drama.
O
que aqueles olhos tanto bisbilhotavam?
-
É apenas uma pintura, um auto-retato.
Não
aceitava as explicações.
Só,
na sala, porta trancada, tirou o quadro da parede para ver, com os seus
próprios olhos, se não tinham nenhuma câmera escondida ali.
Ele
sentia que aquele homem o vigiava.
Era
como se aquele homem na pintura o olhasse (sentia os olhos de Guignard
vigiando-o e que, louco, imaginava que Guignard poderia denunciar tudo de
errado que fazia).
O
que fazia, todas as diretorias da loteria sempre fizeram.
“Não
há nada de errado, todos fizeram, farei e outros, depois de mim, farão. O que
faziam de errado?”
-
Eram “golpes”, não sei se golpes. Os bilhetes não vendidos voltavam para a
Loteria. Separavam os premiados. Uma simples operação administrativa e financeira.
Distribuíam os bilhetes para os “novos
premiados” ou para os “premiados escolhidos”. Os prêmios de maiores valores iam
para a mesa do presidente a partir daí ele decidia o destino dos bilhetes.
Mesquitinha,
o presidente, mandou que tirassem o quadro da parede. Deixou-o na sua sala. A
tela voltada para a parede.
Nesse
mesmo dia chegou para visitá-lo a dona Lindaura Gomes da Silva, diretora da
Cultura – uma das que vinham em busca de
bilhetes premiados.
Escapavam
de impostos e da origem do dinheiro.
Viu
o quadro, interessou-se em levá-lo.
“Mando
buscar ainda hoje”. Mequitinha tremeu.
Explicou
que o quadro era patrimoniado. Mostrou a chapa com o número do patrimônio. Lindaura
garantiu que o quadro ficaria na parede ao lado do piano da sua sala.
Mesquitinha
liberou a transferência, legalizada, do quadro da sede da Casa Lotérica para a
sala da dona Lindaura.
“O
mal feito tem que ser bem feito”, era seu lema.
Dias
depois, na primeira página da Tribuna , viu a foto do quadro no jornal. Na
legenda deixou de ser o auto-retrato de Guignard:
“Auto-retrato de Constantino
Amaral(**)”.
(*)
Alberto da Veiga Guignard (Nova
Friburgo, 25
de fevereiro de 1896 — Belo
Horizonte, 25
de junho de 1962) foi um pintor e professor brasileiroque ficou famoso por retratar paisagens mineiras.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Alberto_da_Veiga_Guignard
(**)
Constantino de Souza Amaral Y Fidelis foi músico de o primeiro presidente do
Instituto Cultural Boa Nova