Aos 83 anos, ainda
se mata por amor (*)
Onório está
aborrecido. A mulher não quer dormir na mesma cama. O único filho do casal
morreu. Osório só tem a mulher, no dia-a-dia. A mulher é birrenta e quer pelo
menos uma liberdade: buscar casca de arroz para as galinhas. Onório acha que
lugar de mulher é em casa e perto dele,
que não tem ninguém para conversar. A mulher insiste e os dois brigam. Ela põe
uma cama de solteiro no quarto. Passa a dormir separada de Onório. Depois, sai
para buscar casca de arroz para as galinhas. Volta com o saco nas costas. Morre
com um tiro, disparado por Onório.
Onório está
desatinado com a mulher morta: 83 anos de idade e sozinho. Está na cadeia, mas
em breve irá para casa. A punição não é a cadeia. Para ele é a falta do amor.
Sua Augusta tinha 63 anos. Onório bate o pé e afirma que está "bom de amor".
Queria amar Augusta a toda hora, a todo minuto. Queria até mesmo ir com ela
buscar a casca de arroz para as galinhas. Augusta teimou e foi sozinha.
Caminhou um quilômetro para os lados dos Garcias. Voltou com a comida para as
galinhas e morreu com um tiro no peito.
Caso de amor
Onório está
quase louco de dor.No cartório da Delegacia de Polícia de Itaúna, o delegado
Hudson Madonado se pergunta o que fazer com Onório. Nem Onório sabe. Ele treme
o corpo. Treme mais as mãos. Pede clemência. Quer ir ao enterro de Augusta que
será hoje, às 10 h, no cemitério de Santanense, onde morava o casal. Onório
quer uma missa por Augusta. Quer tudo para Augusta. Não acredita que está sem o
amor, que começou a 30 anos. Ninguém convence Onório que Augusta morreu. Itaúna
está com pena de Onório. Ele não sabe porque o ciúme subiu à cabeça. Não sabe
que matou por amor.
Augusta
Rufina Caetano, de 63 anos de idade, era a segunda mulher de Onório Jerônimo
Caetano, de 83 anos. O casal morava na rua Sebastião Soares, 117, no bairro
Santanense. Tiveram um filho. O moço morreu num desastre de caminhão. A partir
da morte do filho, Onório só conversava com sua Augusta. Os dois passaram a
brigar, pois Onório queria amar muito e se tornou obcecado (1) de amor.
Depois
que Augusta tomou a extrema atitude de separa a cama do casal, as brigas
aumentaram.
Sentindo-se
mais velho e até com medo de ser morto, Onório foi ao comércio do centro da
cidade, na loja do Teco, e comprou uma garruchinha. Não fez ameaças à mulher.
Só fez carinhos, segundo declarou ao escrivão Geraldo Magela.
"Mas a
mulher ficou muito birrenta. Queria andar no mato. Queria buscar uma tal de casca
de arroz para as galinhas. Não gostei mesmo daquilo. Ontem de manhã, eu falei
com ela para não ir ao mato. Ela teimou e foi. Fiquei com raiva. Agora estou
sem ela. Augusta foi embora para sempre".
Onório
trabalhou até aposentar-se como carpinteiro. Conseguiu aposentadoria pelo
Funrural. Não pegava mais nas ferramentas.
Queria mesmo era amar a mulher. Não sabe o que vai fazer. Se voltar para
casa ou também "ir embora". A garruchinha está com o delegado Olímpio
Nolasco. O advogado Manoel Augusto Bernardes pegou a causa. Sua preocupação é não deixar Onório na cadeia. Lá é muito frio e o homem pode
morrer. O delegado também acha assim, mas não sabe para onde levar Onório, que
matou a mulher, ontem, ao meio dia.
(1) O adjetivo
obcecado se refere a alguém que tem uma obsessão, estando deslumbrado e
desvairado, fora de sua razão. Indica também alguém que é firme e teimoso,
insistindo muitas vezes no erro. Obcecado é sinônimo de cego, apaixonado,
encantado, deslumbrado, desvairado, louco, pertinaz, firme, obstinado e
inflexível, entre outros.
(*) Título do Editor de Polícia do jornal EM, Wander Piroli