segunda-feira, 26 de agosto de 2019

AVÓ VERDADE


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Portas abertas

Valdo Pacheco 



"Mamãe...  mamãe".

Ouvi ela me chamar uma vez, duas vezes.

Ela voltou magrinha para casa, estava sendo mal cuidada. A mãe delas trabalha em um motel e larga o serviço às 7h. Ela não cuida da filha.

Quantos anos?

Ela tem dois anos. Eu cuido dela como se ela fosse minha filha. Ela gosta de tomar banho. Quando a gente entra no banheiro, ela já vai tirando a roupa. Não gosto de ver criança mal cuidada. Ela é minha neta, filha do meu filho.

Nem a mãe, nem o pai, nenhum dos dois cuida dos filhos. Eles têm um outro filho de um ano. Eu cuido deles, dos dois, cuido porque gosto e não concordo com o abandono destas crianças.

Ela tem medo até mesmo de não poder me chamar de mãe. Quando a mãe dela quis proibir, “eu sou a sua mãe, ela é a sua vó”.

Ela olhou para mim e perguntou se poderia me chamar de mãe também. Claro que pode. Depois ela me disse que não queria voltar para a casa da mãe dela e nem da outra avó.

Ela voltou magrinha de lá, quase um esqueleto e triste, muito triste. Eles não percebem os filhos, não percebem que têm duas crianças dentro de casa e que elas devem ser alimentadas, cuidadas, que carinho é como o alimento, a alegria, a atenção.

Eu trabalho no hospital e minha nora no motel a dois quarteirões da casa dela, mas ela não tem com quem deixar as crianças, por isso elas ficam na minha casa. Eu gosto dos meninos.

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Perdi o ônibus das 6 e 20. Peguei o primeiro que passou. 

As duas mulheres, no banco de trás, entraram quando o ônibus,na quarta parada, encheu.

Chovia e as janelas fechadas, luzes acesas, muitos trabalhadores, homens e mulheres, a maioria trabalhadores em hospitais e clínicas da avenida Contorno.

As duas conversavam. Não dava para imaginar como elas seriam, eram duas avós e trocavam informações sobre os netos, criticavam o abandono das crianças pelos pais e o temor com o destino destas crianças hoje.

O motorista dirigia com as portas da frente abertas. Uma boa providência para que entrasse ar no ônibus agora lotado com mais de 80 pessoas sentadas e em pé, quase todos com sombrinhas e guarda-chuvas.

Quase sete horas, tempo nublado e fresco.

Ontem, o calor foi de mais de 40 graus à tarde, a madrugada teve um forte temporal e agora caia uma chuva fina e o tempo estava escuro, com nuvens carregadas.

O ônibus, veloz, de ponto em ponto, trafegava entre poucos carros naquele sábado, “sábado não tem o ônibus do retorno” disse a moça do ônibus, cara fechada, grosseira para o senhor que queria saber em qual ônibus estava.

Ela sabia que sábado não tinha ônibus de retorno e ele não sabia, só queria saber era se pegara o ônibus certo.

A avó carinhosa e cuidadosa, a avó que não falava do seu filho, o pai das crianças, também não criticava a nora, disse apenas que ela saia do motel às 7h e muitas vezes só chegava em casa depois do meio dia, “ninguém sabe o que ela faz neste horário”.

É um tempo misterioso, “ela some”.

Ainda chovia quando elas, as duas avós, desceram.