Portas abertas
"Mamãe... mamãe".
Ouvi ela me
chamar uma vez, duas vezes.
Ela voltou
magrinha para casa, estava sendo mal cuidada. A mãe delas trabalha em um motel
e larga o serviço às 7h. Ela não cuida da filha.
Quantos
anos?
Ela tem dois
anos. Eu cuido dela como se ela fosse minha filha. Ela gosta de tomar banho.
Quando a gente entra no banheiro, ela já vai tirando a roupa. Não gosto de ver
criança mal cuidada. Ela é minha neta, filha do meu filho.
Nem a mãe,
nem o pai, nenhum dos dois cuida dos filhos. Eles têm um outro filho de um ano.
Eu cuido deles, dos dois, cuido porque gosto e não concordo com o abandono
destas crianças.
Ela tem medo
até mesmo de não poder me chamar de mãe. Quando a mãe dela quis proibir, “eu
sou a sua mãe, ela é a sua vó”.
Ela olhou
para mim e perguntou se poderia me chamar de mãe também. Claro que pode. Depois
ela me disse que não queria voltar para a casa da mãe dela e nem da outra avó.
Ela voltou
magrinha de lá, quase um esqueleto e triste, muito triste. Eles não percebem os
filhos, não percebem que têm duas crianças dentro de casa e que elas devem ser
alimentadas, cuidadas, que carinho é como o alimento, a alegria, a atenção.
Eu trabalho
no hospital e minha nora no motel a dois quarteirões da casa dela, mas ela não
tem com quem deixar as crianças, por isso elas ficam na minha casa. Eu gosto
dos meninos.
............................
Perdi o
ônibus das 6 e 20. Peguei o primeiro que passou.
As duas mulheres, no banco de trás, entraram quando o ônibus,na quarta parada, encheu.
As duas mulheres, no banco de trás, entraram quando o ônibus,na quarta parada, encheu.
Chovia e as
janelas fechadas, luzes acesas, muitos trabalhadores, homens e mulheres, a
maioria trabalhadores em hospitais e clínicas da avenida Contorno.
As duas
conversavam. Não dava para imaginar como elas seriam, eram duas avós e trocavam
informações sobre os netos, criticavam o abandono das crianças pelos pais e o
temor com o destino destas crianças hoje.
O motorista
dirigia com as portas da frente abertas. Uma boa providência para que entrasse
ar no ônibus agora lotado com mais de 80 pessoas sentadas e em pé, quase todos
com sombrinhas e guarda-chuvas.
Quase sete
horas, tempo nublado e fresco.
Ontem, o
calor foi de mais de 40 graus à tarde, a madrugada teve um forte temporal e
agora caia uma chuva fina e o tempo estava escuro, com nuvens carregadas.
O ônibus,
veloz, de ponto em ponto, trafegava entre poucos carros naquele sábado, “sábado
não tem o ônibus do retorno” disse a moça do ônibus, cara fechada, grosseira
para o senhor que queria saber em qual ônibus estava.
Ela sabia
que sábado não tinha ônibus de retorno e ele não sabia, só queria saber era se
pegara o ônibus certo.
A avó
carinhosa e cuidadosa, a avó que não falava do seu filho, o pai das crianças,
também não criticava a nora, disse apenas que ela saia do motel às 7h e muitas
vezes só chegava em casa depois do meio dia, “ninguém sabe o que ela faz neste
horário”.
É um tempo
misterioso, “ela some”.
Ainda chovia quando elas, as duas avós, desceram.