Nossos bons amigos
Hélio Costa, Itamar de Oliveira, Zaire Rezende, Ronan Tito e Paulo César |
A Sombra
Roberto M. M. Felice
1.
Ela sempre atenta às crianças, e eram muitas, uma escadinha.
Chegou a sete filhos. Sete degraus. A atitude dela definiu um comportamento que
adotei para sempre.
Num resumo, seria: não ser guloso; enfim, não fazer feio na
mesa.
Antes de ir a uma festa de crianças, ela preparava todos os
doces e guloseimas que seriam servidos também na festa. Já vestidos para a
festa, os meninos podiam comer à vontade. Na festa, o nosso comportamento era elogiado. "Mulher, seu meninos são
muito educados".
A lição aplicada.
Quando tinha um encontro programado, em que sairia pela
primeira vez com uma menina, ambicionada por todos, se não dava para transar
antes com uma profissional, no banho já masturbava.
Não avançaria o sinal e não
seria guloso e, tinha certeza, de que a segunda gozada, seria mais demorada e
mais gostosa.
Foi esta lição que acendeu o sinal de alerta.
Ao masturbar, naquele dia, a dor foi tão forte que não
insisti em gozar.
De cara: próstata.
Nenhuma dúvida.
Ela, a próstata, não
quer liberar a porra. E não teve porra nenhuma
Primeira hipótese, próstata aumentada, o que seria
diagnosticado como Hiperplasia Benigna da Próstata.
Urina normal com pouca retensão, a queda na libido seria a
preocupação maior.
2.
Ronan Tito já me advertira sobre os cuidados e as cautelas que
tínhamos que ter, depois dos 40 anos, com a próstata. Citava o caso do irmão
dele, Ismael, que não cuidava e chegou, em BH, já fedendo, sem controle da
urina. O urologista resolveu rápido e curado, Ismael voltou para o Triângulo.
Lá estava o remédio. O milagre: Combodart
Tempos depois, em julho, voltamos ao Combodart.
Pedi o nome do remédio e a posologia passada para o Ismael.
A certeza, sem exames, era que se tratava da hiperplasia. Ronan contestou,
marcaria o exame com o urologista dele e do irmão, o dr. Denilson.
Tinha comigo todos os exames anuais de PSA, além de
periodicamente fazer o controle com o dr. Marcelo Martins, no Hospital Felício
Rocho, que me acompanha há mais de 10 anos.
Não havia nenhuma necessidade da consulta. Diante da
segurança com a qual o Ronan decidiu marcar a consulta, "eu pago",
disse ele, pedi o contato do dr. Denilson. Eu marcaria. Quem, na verdade marcou
nossa consulta foi Pedro Tito, filho do Ronan.
Isto foi em julho.
Já a sombra de um diagnóstico barra pesada crescia em torno
dos meus passos. Era perseguido por aquela "sombra chata", como dizia
Isabella, ao mandar ela se afastar: "Sai sombra chata".
3.
A partir dai foram mais de 60 dias de tensão, de expectativa
e aflição diante da perspectiva de um simples exame da próstata. Antes, uma
rotina que me dava segurança ano após ano. E tinha a glândula sobre controle.
Foi no dia 28 de julho que havia pedido o nome do remédio.
No dia seguinte, recebo esta mensagem
do Pedro Tito:
"Bom dia. O papai
quer falar com você."
Na sequência, outra mensagem no dia seguinte.
Pedro Tito: Seu
horário com dr Denilson urologista dia 02/10 às 11,30h
De 28 de julho a 02 de outubro foram 66 dias difíceis em que
o diagnóstico pesaria muito forte e que me fez pensar quais seriam as minhas
alternativas/opções. Alternativas que teria a enfrentar e as opções disponíveis
Fomos no urologista, Ronan e eu. Pedro nos levou.
A próstata estava aumentada, dr. Denilson pediu exames de
ultrassom para calcular o tamanho da glândula, e já definiu o tratamento. Receitou
o Combodart e pediu também exames de sangue para certificar do estado dos hormônios
do sexo, enfim como eu estava, efetivamente funcionando.
Explicou que o remédio não alteraria a libido e a redução do
líquido do sêmen seria temporário.
Minha cabeça já estava à cata da bula, quero saber tudo -
não deveria, mais na frente, eu conto.
4.
Naquele final de semana, acampei no Laboratório Hermes
Pardini, fiz os exames de sangue e os dois ultrassons no domingo, dia 06/10, às
7h da manhã.
07,
segunda-feira, no primeiro horário do consultório do doutor Denilson não
conseguia ser atendido para marcar o retorno. A chamada caia numa longa fala
sobre o consultório, as especialidades e a localização
Dia 08 de outubro.
Com o número correto consegui falar no consultório. Andréia, a secretária não
tinha como agendar o retorno. Agenda lotada até dezembro. Propus deixar os
resultado dos exames no consultório. Ele avaliaria e decidiria o atendimento,
se fosse urgente, ou me encaixaria numa desistência.
Li os laudos:
"Peso prostático estimado em 38 gramas"
"Parênquima apresentando textura sólida, heterogênea,
com corpos amiláceos de permeio".
"Aumento das zonas de transição".
O peso normal seria de 25 gramas. Ali, tinha,
aproximadamente, 13 gramas a mais.
Depois:
A parênquima tudo bem, deu para sacar.
E os corpos amiláceos? O que o wikipedia diz:
Corpos
amiláceos,
conhecidos também como corpora amylacea ou cálculos
prostáticos são massas pequenas e hialinas encontradas na próstata. Eles se originam de
células degeneradas ou secreções espessas e aumentam em ocorrência conforme a
idade. Apesar de seu significado biológico não ser conhecido, eles podem
ser utilizados para identificação do órgão ao microscópio.
Na
próstata, sua aparência é comum em glândulas benignas (sem neoplasias), mas sua presença não exclui a possibilidade
de haver um câncer.[
A
partir daí a sombra cresceu e o pavor chegou " sua presença não exclui a
possibilidade de haver um câncer. "
Pavor mesmo.
Ainda tinha o
"Aumento das zonas de transição".
Não devia ter lido o que não entendo e que nem mesmo a
internet pode ajudar. É a linguagem da ciência médica.
5.
Não entendi e fiquei
apavorado - deixei os exames no consultório - com o retorno marcado para 10/12/2019.
Não havia outra data.
A preocupação era ter uma interpretação correta do resultado
dos exames - o médico poderia definir a necessidade de antecipar a consulta ou
me liberar para aguardar até dezembro
Ainda do dia 08 à noite, uma mensagem no whatsApp marcava o
retorno para o dia seguinte às 11h de
09/10,quarta-feira.
A sombra tomou conta de tudo.
Por que a antecipação de dezembro para amanhã?
A certeza e/ou incerteza era de que o médico decidira
antecipar uma vez feita a análise dos
exames porque tomara conhecimento e devia agir com urgência.
Já entrava em cena a biopsia. Palavra selvagem, dura, sem
alma.
Lembrei de Raquel, entrando no carro, eu a esperava na porta
do consultório na rua Manaus.
É câncer.
Ela nunca fará uma ideia do que significou aquelas palavras,
o peso e o impacto destas palavras: o verbo e o substantivo.
Ali, na rua Manaus começaria um trajetória de luta da minha
filha e do Gustavo, que mais do que um exemplo, seria para mim, um símbolo do
amor e da capacidade de vencer obstáculos - a cirurgia, a quimioterapia, a
radioterapia e todos os dias, vencidos dia a dia, após cada ida ao Hospital
Felício Rocho.
Aos 73 anos, não teria nem a resistência, nem a mesma força
de vontade da Raquel, de Rita, do Beto, do Nilberto, do Tiãozito.
Meu tempo seria curto, muito mais curto
Talvez tenha dormido meia hora à noite. Se dormir mais,
dormi salteado, acordando de tempo em tempo.
6.
Até o horário, 11h, do dia 9, quarta-feira, a tensão e a
insegurança me acompanharam. Ele, doutor Denilson, teria detectado o câncer na
próstata ou sinais de uma evolução com o crescimento de 25 para 38 gramas? O
que significaria este crescimento? Do consultório para a biopsia?
Como me organizaria caso fosse fazer o tratamento - pensava em não me submeter a um tratamento
que só traria transtorno para quem se dispusesse a me acompanhar e sabia que
não teria ninguém, qualquer pessoa que viesse me acompanhar estaria com seus
compromissos comprometidos.
Enfim, a realidade, ninguém teria tempo e nem poderia perder
tempo comigo. Pensava em quem fez o tratamento e em como foi o dia a dia e as
semanas e os meses. Valeria a pena?
Assim, passei a noite.
Ao acordar, o medo, que engatinhou-se ao meu lado a noite
toda, desapareceu.
A sombra, antes muito chata, sumiu.
Mudei minha cabeça.
Caso o diagnóstico fosse o câncer, tudo bem, teria uma
conversa com o médico em que pediria informações sobre o tempo que teria se não
fizesse o tratamento e sobre o próprio tratamento.
Ao me apresentar no consultório, a secretária Andréia, hoje
foi o dia das Andréias, devolveu os
exames.
Naquele dia, estive com mais duas Andréias.
O médico não viu os exames.
Respirei aliviado.
Saiu da minha cabeça aquela ideia louca de que havia uma
urgência na antecipação da consulta de dezembro para o dia seguinte à entrega
dos exames.
Segundo Andréia, ele preferia olhá-los na minha frente.
Eficiência e organização do trabalho. Assim não teria que repetir a análise
duas vezes. O retorno fora antecipado depois de sete desistências.
Uma informação positiva se sucedendo a outra.
Acabou o temor de chegar e ser informado do câncer.
Ainda não era câncer.
Minhas chances aumentaram e confirmaram o diagnóstico de
Hiperplagia Benigna da Próstata - próstata aumentada.
Começaria, imediatamente o tratamento com Combodart e o
resultado só seria avaliado em maio de 2020.
Na consulta, ele quis saber se já começara a tomar o
Combodart. Por outro lado, eu queria saber se tinha a opção de genérico e falei
da minha pesquisa de preço. Imediato, mandou Andréia me entregar quatro caixas
de amostra grátis e que era para começar, imediatamente, o tratamento.
Teria até maio.
A resistência ao medicamento caia a cada momento. Por que
não tentar?
Só que havia pontos positivos:
Combodart® trata e
previne a progressão da Hiperplasia Prostática Benigna (HPB), através do alívio
dos sintomas, reduzindo o tamanho (volume) da próstata, melhorando o fluxo
urinário e reduzindo o risco de retenção urinária aguda (RUA) e a necessidade
de cirurgia relacionada à HPB.
E um ponto negativo:
Câncer de próstata e tumores de alto grau
Em um estudo de quatro anos em mais de 8.000 homens com
idade entre 50 e 75 anos, com biópsia
anterior negativa de câncer de próstata e PSA basal entre 2,5 ng/mL e 10,0
ng/mL (estudo REDUCE), 1.517 homens tiveram diagnóstico de câncer de
próstata. Houve maior incidência de cânceres de próstata (pontuação de Gleason
8-10) no grupo dutasterida (Avodart® ) (n=29, 0,9%) em comparação com o grupo
placebo (n=19, 0,6%). Não houve aumento da incidência de câncer de próstata com
pontuação de Gleason 5-6 ou 7-10. Não se estabeleceu relação causal entre
dutasterida e câncer de próstata de grau elevado. A significância clínica do desequilíbrio
numérico é desconhecida. Os homens que usam dutasterida devem ser avaliados
regularmente quanto ao risco de câncer de próstata, inclusive com exame do PSA
.
7.
Até maio.
Um rio a atravessar, sem medo, mesmo sabendo ser um rio
caudaloso, com fortes correntezas. Se neste rio tem cobras, sucuris, jacarés,
piranhas, é neste rio que estou. O risco não é a presença de animais ferozes
nem na cachoeira lá na frente.
Agora, é atravessar o rio. Não tem saída a não ser chegar à
outra margem com data marcada.
Não tem jeito. Você já está no rio.