terça-feira, 24 de setembro de 2019

IL MONDO È POCO

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Assim Como o Migo

Rufino Fialho Filho



Levei para Darcy, o Novo Diário de Eduardo Frieiro (*). Darcy trepava e tomava banho. Duas horas no banheiro. Uma manhã inteira.

 “Ela gosta de tomar banho sentada. Por isso, o banquinho... também funciona como uma cama...”

Ele estava com uma mulher maravilhosa.

Outra não era a sua vida.

Ele folheou o livro de Frieiro e comentou que o banho da mulher era tão demorado que no banheiro deixavam duas cadeiras e o banquinho, ali debaixo do chuveiro passavam duas, três, quatro horas.

Grande fodedor! Imaginei o que era esta sua vida maravilhosa e inimitável. Talvez, imaginava, resultado de sua temporada de mais de 10 anos com os nossos índios nas selvas do Araguaia.

Como ele sabia administrar tão bem e tão competentemente seu tempo.

Ali, exercíamos funções de governo, ele secretário de Estado, eu um seu companheiro na área de comunicação.

Quatro horas de trepada e aquele incrível volume de trabalho e de gestões dentro do Estado.

Além das polêmicas, é claro.

Darcy conheceu Frieiro, já conhecia há um bom tempo. O Novo Diário, editado em 1986, pela Itatiaia, ele recebia agora.

Conta histórias do historiador Iglesias, ri da academia em que o Iglesias se prendeu.

Lembra que Frieiro fez do texto e da ousadia uma marca do gênio.

Começa a ler o Novo Diário. Por que Novo? E o velho, onde está o outro? Por que se referir ao outro?  Darcy começa a questionar.

Ele lê as primeiras páginas.

Frieiro queimou seus diários pelo amor de uma mulher? Ele não podia ter feito isto ainda mais que o velho diário chamava-se “Diário de um Homem Secreto”.

Canalha! O amor seria mais bonito se a mulher conhecesse, quem sabe, aquele homem secreto, aquele homem que se descobriria somente para ela, para ele e ela. Talvez não fosse tão secreto assim.

O que, diabos, Frieiro, fizera? Por que fizera aquilo? Era um homem racional. Iria casar, decidira casar.

Entraria em sua vida uma mulher e um cachorro. Ele sabia que ela jamais teria condições de conviver com um homem que ela conhecesse bem? Uma mulher jamais seria capaz de conhecer um homem? Um homem jamais deveria revelar-se a uma mulher?

E Noêmia, que lera e conhecia o Diário de um Homem Secreto, se referia àquela obra como a "obra-prima" do marido. Ela também tentara convencê-lo a não "suicidar", a não queimar o diário. E Frieiro queimou seu “Diário de um Homem Secreto” com muita segurança.

Convicto de que o que fazia era o certo.

Ao deixar-nos o Novo Diário, ele revelaria o que perdemos. Aí teríamos que ficar putos com ele. Ele não poderia, não teria o direito de subtrair-nos tudo aquilo que o seu talento construiu, anos e anos seguidos, em um dos períodos mais férteis de sua vida. Filha da puta!

A nossa conversa sobre Frieiro não terminou aí. Darcy presenteou-me com uma fita do filme em que ele trabalhou como consultor e roteirista. Um registro e denúncia de um massacre de índios. (**)


Resultado de imagem para darcy ribeiro E OSÍNDIOS
Berta acompanhou Darcy 


À noite, em uma recepção, Darcy arrasta-me em um canto e começa a me contar a história de um colosso, o colosso, o colosso e diz que, depois de ler Frieiro, decidira dar por encerrada a sua história de e em Minas. Aqui ele termina o romance Migo, “migo de comigo, de amigo, migo de inimigo”.

Agora, era trepar, ser secretário, trepar, polemizar, trepar, ler Frieiro, trepar, trepar e acabar de escrever um novo romance.

Estamos em 1987, em 1984 há um registro de Darcy lendo trechos do Migo para o jornalista Paulo Narciso (***).

Disciplinado, no outro dia, ele me estende os primeiros capítulos reecritos do romance, Migo. É uma aventura na alma do mineiro e traz um relato apaixonado da morte de Felipe dos Santos, esquartejado, seu corpo amarrado em quatro cavalos.

Ele apanha suas anotações. Lê e faz pausas observando, rapidamente, o resultado da sua leitura.

“Felipe dos Santos teve a morte mais violenta de todos os nossos heróis, ele foi esquartejado vivo e nós vamos sentir todas as suas dores lacerantes, seu sangue explodindo sobre todos os animais que o rasgavam, ele foi rasgado, a morte mais dolorida, mais violenta, o primeiro jato de sangue explodiu na cara de qual dos tocadores de cavalo? O da direita? O da esquerda? O que tocava o cavalo da perna esquerda? Da direita? Filipe dos Santos morreu a morte horrível e esta morte é a morte que mais contundente fere a alma dos mineiros. Felipe dos Santos é o nosso herói mais odiado pelos nossos inimigos, por todos os nossos opressores”.
Darcy vê uma mulher aproximar-se e, diz, o tempo é curto.

“Il mondo è poco”.

Como? Para ele não.







(*) Novo Diário, Eduardo Frieiro, Editora Itatiaia, 1986



(***) Paulo Narciso:  “No Rio, ele me punha a ler capítulos do Migo, que ele escrevia, isto foi em 84. Eu lia e ele escutava e assim varamos a noite e a madrugada. Ele queria perceber o que as pessoas entendia e o que as pessoas sentiam com aquela história.

“Muitas vezes saíamos juntos, eu e ele, só nós dois. Saíamos por aí. Em Montes Claros, eu o acompanhava para as conferências e íamos falando, conversando e os temas eram variados. Quando chegávamos no local, ele falava aquilo tudo como se fossem fatos, fazia sua conferência a partir daquela conversa. Eu me apanhava assustado e ele, bom provocador, justificava-se, queria era mesmo, simplesmente provocar a todos, inclusive eu, ali, atônito.