Assim Como o
Migo
Rufino Fialho Filho
Levei para
Darcy, o Novo Diário de Eduardo
Frieiro (*). Darcy trepava e tomava banho. Duas horas no banheiro. Uma manhã
inteira.
“Ela gosta de tomar banho sentada. Por isso, o
banquinho... também funciona como uma cama...”
Ele estava
com uma mulher maravilhosa.
Outra não
era a sua vida.
Ele folheou
o livro de Frieiro e comentou que o banho da mulher era tão demorado que no
banheiro deixavam duas cadeiras e o banquinho, ali debaixo do chuveiro passavam
duas, três, quatro horas.
Grande
fodedor! Imaginei o que era esta sua vida maravilhosa e inimitável. Talvez,
imaginava, resultado de sua temporada de mais de 10 anos com os nossos índios nas selvas do Araguaia.
Como ele
sabia administrar tão bem e tão competentemente seu tempo.
Ali,
exercíamos funções de governo, ele secretário de Estado, eu um seu companheiro
na área de comunicação.
Quatro horas
de trepada e aquele incrível volume de trabalho e de gestões dentro do Estado.
Além das
polêmicas, é claro.
Darcy
conheceu Frieiro, já conhecia há um bom tempo. O Novo Diário, editado em 1986,
pela Itatiaia, ele recebia agora.
Conta
histórias do historiador Iglesias, ri da academia em que o Iglesias se prendeu.
Lembra que
Frieiro fez do texto e da ousadia uma marca do gênio.
Começa a ler
o Novo Diário. Por que Novo? E o velho, onde está o outro? Por que se referir
ao outro? Darcy começa a questionar.
Ele lê as
primeiras páginas.
Frieiro
queimou seus diários pelo amor de uma mulher? Ele não podia ter feito isto
ainda mais que o velho diário chamava-se “Diário
de um Homem Secreto”.
Canalha! O
amor seria mais bonito se a mulher conhecesse, quem sabe, aquele homem secreto,
aquele homem que se descobriria somente para ela, para ele e ela. Talvez não
fosse tão secreto assim.
O que,
diabos, Frieiro, fizera? Por que fizera aquilo? Era um homem racional. Iria
casar, decidira casar.
Entraria em
sua vida uma mulher e um cachorro. Ele sabia que ela jamais teria condições de
conviver com um homem que ela conhecesse bem? Uma mulher jamais seria capaz de
conhecer um homem? Um homem jamais deveria revelar-se a uma mulher?
E Noêmia,
que lera e conhecia o Diário de um Homem Secreto, se referia àquela obra como a
"obra-prima" do marido. Ela também tentara convencê-lo a não
"suicidar", a não queimar o diário. E Frieiro queimou seu “Diário de
um Homem Secreto” com muita segurança.
Convicto de
que o que fazia era o certo.
Ao
deixar-nos o Novo Diário, ele revelaria o que perdemos. Aí teríamos que ficar
putos com ele. Ele não poderia, não teria o direito de subtrair-nos tudo aquilo
que o seu talento construiu, anos e anos seguidos, em um dos períodos mais
férteis de sua vida. Filha da puta!
A nossa
conversa sobre Frieiro não terminou aí. Darcy presenteou-me com uma fita do
filme em que ele trabalhou como consultor e roteirista. Um registro e denúncia de um
massacre de índios. (**)
Berta acompanhou Darcy |
À noite, em
uma recepção, Darcy arrasta-me em um canto e começa a me contar a história de
um colosso, o colosso, o colosso e diz que, depois de ler Frieiro,
decidira dar por encerrada a sua história de e em Minas. Aqui ele termina o romance
Migo, “migo de comigo, de amigo, migo de inimigo”.
Agora, era
trepar, ser secretário, trepar, polemizar, trepar, ler Frieiro, trepar, trepar
e acabar de escrever um novo romance.
Estamos em
1987, em 1984 há um registro de Darcy lendo trechos do Migo para o jornalista
Paulo Narciso (***).
Disciplinado,
no outro dia, ele me estende os primeiros capítulos reecritos do romance, Migo.
É uma aventura na alma do mineiro e traz um relato apaixonado da morte de
Felipe dos Santos, esquartejado, seu corpo amarrado em quatro cavalos.
Ele apanha
suas anotações. Lê e faz pausas observando, rapidamente, o resultado da sua
leitura.
“Felipe dos
Santos teve a morte mais violenta de todos os nossos heróis, ele foi
esquartejado vivo e nós vamos sentir todas as suas dores lacerantes, seu sangue
explodindo sobre todos os animais que o rasgavam, ele foi rasgado, a morte mais
dolorida, mais violenta, o primeiro jato de sangue explodiu na cara de qual dos
tocadores de cavalo? O da direita? O da esquerda? O que tocava o cavalo da
perna esquerda? Da direita? Filipe dos Santos morreu a morte horrível e esta
morte é a morte que mais contundente fere a alma dos mineiros. Felipe dos
Santos é o nosso herói mais odiado pelos nossos inimigos, por todos os nossos
opressores”.
Darcy vê uma
mulher aproximar-se e, diz, o tempo é curto.
“Il mondo è
poco”.
Como? Para
ele não.
(*) Novo
Diário, Eduardo Frieiro, Editora Itatiaia, 1986
(***) Paulo
Narciso: “No Rio, ele me punha a ler
capítulos do Migo, que ele escrevia, isto foi em 84. Eu lia e ele escutava e
assim varamos a noite e a madrugada. Ele queria perceber o que as pessoas
entendia e o que as pessoas sentiam com aquela história.
“Muitas vezes
saíamos juntos, eu e ele, só nós dois. Saíamos por aí. Em Montes Claros, eu o
acompanhava para as conferências e íamos falando, conversando e os temas eram
variados. Quando chegávamos no local, ele falava aquilo tudo como se fossem
fatos, fazia sua conferência a partir daquela conversa. Eu me apanhava
assustado e ele, bom provocador, justificava-se, queria era mesmo, simplesmente
provocar a todos, inclusive eu, ali, atônito.