Resgate de um quase
poeta em alta vida
Rufino Fialho Filho
Rufino Fialho Filho
Houve um momento em que descobri um sentido para a sobrevivência, uma razão para viver.
Se fosse poeta ou se imitasse um poeta, se pensasse em versos, através de versos, mesmo de palavras ligadas, sem nexo aparente, para preservar memórias, mesmo sem ser poeta e sem ter ritmo, nem melodia, sem régua,sem compasso, poderia apostar na sobrevivência à tortura, à solidão e aos desafios a que qualquer prisioneiro de consciência está sujeito.
Sem ser poeta, a poesia me salvou. Sem avaliar seu outro possível valor entreguei-as por correspondência ao mestre da minha vida, meu pai.
Meio século depois, em sua casa, encontrei aquele punhado de palavras, quase como códigos. Algumas indecifráveis. Não era um poeta. Claro. As palavras ficaram ali. Guardadas por quem me amou, me fez viver e salvou a minha vida. Era a garantia de que valia a pena continuar.
Sabia que foi a tábua poesia que me resgatou do oceano.
Ficaram lá.
A tábua voltou para o mar. Poderia resgatar outro náufrago.
Assim, estas madrugadas encontraram mais uma razão (a tábua) para ser minha companheira de novo na solidão e no isolamento pela sobrevivência.
Mais uma vez. Agora, chegando aos 80 anos quando a poesia nos captura, mais uma vez, com simpatia e bondade.
Nos faz, pela imitação, mais uma vez, mais uma vez, a acreditar que aquela tábua está, bem aqui, na nossa frente.