“Terra dos Brasileiros”
Humberto de Campos (*)
“O sr. Manuel Gaspar era um homem alto, magro, de pernas finas e um pouco tortas. Vestia casaca e calções curtos de veludo, que mais salientavam a tortura das pernas metidas em meias de seda cor de carne, sapatos de verniz de entrada baixa, com fivelas de ouro, cabeleira empoada, com rabicho”.
Rodolfo Teófilo, em Cenas e Tipos, recorda seu bisavô.
Manuel
Gaspar aguardava a missa na igreja do Rosário, em Fortaleza. Ele estava na
capela mor, quando um soldado da guarda do governador Robim, disse-lhe, com
arrogância:
- Aqui,
só quem ouve missa é o sr. Governador e sua real família.
Em
casa, ordenou inflexível:
- Senhora
D. Joana, arrume as malas, que em terra em que “marinheiro” manda até dentro da
igreja eu não moro!
Dias
depois uma caravana enorme, carregando bagagens e crianças, abandonava
Fortaleza.
Era
o sr. Manuel Gaspar, que, com a mulher, os filhos e a fortuna, deixava, para
sempre, as terras do Ceará.
Após
uma semana de viagem, entrava o comboio, tilintando a campainha das alimárias,
nas ruas tortuosas de Baturité; quatro dias mais tarde, em Quixadá; e assim, de
etapa em etapa, chegou ele, sem destino, às fronteiras da Bahia.
- Para
onde se dirige? Perguntavam-lhe.
- Para
uma terra que seja dos brasileiros! – respondia
E
continuava a viajar.
Pobre
Manuel Gaspar!
Se
as areias de um cemitério sertanejo não têm requisitado piedosamente os teus
ossos, detendo a peregrinação infatigável do teu orgulho, ainda hoje, errarias,
talvez, de fazenda em fazenda, de vila em vila, de cidade em cidade, sem que
alguém te desse notícia, no Brasil, da terra que procuravas!...”
(*)
Páginas 19,20,21. In “Terra dos
Brasileiros”, Humberto de Campos, in Mealheiro de Agripa, Livro do Mês AS, 1961