quinta-feira, 19 de agosto de 2021

MANUEL GASPAR

 


“Terra dos Brasileiros”

Humberto de Campos (*)

 

 

 

 

 

“O sr. Manuel Gaspar era um homem alto, magro, de pernas finas e um pouco tortas. Vestia casaca e calções curtos de veludo, que mais salientavam a tortura das pernas metidas em meias de seda cor de carne, sapatos de verniz de entrada baixa, com fivelas de ouro, cabeleira empoada, com rabicho”. 

Rodolfo Teófilo, em Cenas e Tipos, recorda seu bisavô.

 

Manuel Gaspar aguardava a missa na igreja do Rosário, em Fortaleza. Ele estava na capela mor, quando um soldado da guarda do governador Robim, disse-lhe, com arrogância:

 

- Aqui, só quem ouve missa é o sr. Governador e sua real família.

 

Em casa, ordenou inflexível:

 

- Senhora D. Joana, arrume as malas, que em terra em que “marinheiro” manda até dentro da igreja eu não moro!

 

Dias depois uma caravana enorme, carregando bagagens e crianças, abandonava Fortaleza.

 

Era o sr. Manuel Gaspar, que, com a mulher, os filhos e a fortuna, deixava, para sempre, as terras do Ceará.

 

Após uma semana de viagem, entrava o comboio, tilintando a campainha das alimárias, nas ruas tortuosas de Baturité; quatro dias mais tarde, em Quixadá; e assim, de etapa em etapa, chegou ele, sem destino, às fronteiras da Bahia.

 

- Para onde se dirige? Perguntavam-lhe.

 

- Para uma terra que seja dos brasileiros! – respondia

 

E continuava a viajar.

 

Pobre Manuel Gaspar!

 

Se as areias de um cemitério sertanejo não têm requisitado piedosamente os teus ossos, detendo a peregrinação infatigável do teu orgulho, ainda hoje, errarias, talvez, de fazenda em fazenda, de vila em vila, de cidade em cidade, sem que alguém te desse notícia, no Brasil, da terra que procuravas!...”

 

 

(*) Páginas 19,20,21.  In “Terra dos Brasileiros”, Humberto de Campos, in Mealheiro de Agripa, Livro do Mês AS, 1961