O capitão e o
governador
Rufino Fialho Filho
1. Um ano
depois e o Caso do Parque sem solução. Um homem assassinado no Parque Municipal
Américo Renée Giannetti. O assassino seria um argentino. O motivo do crime
teria sido ciúmes. Nada além disso, enquanto a imprensa cobrava, a polícia se
via perdida.
2. Na
polícia, o capitão Altino Machado, apontado como um delegado eficiente e que
não permitia papéis parados nem crimes sem solução e esta já era a sua
principal qualidade comprovada em todas as delegacias do interior sob a sua
chefia, na época em que os policiais militares acumulavam a função de delegados
de polícia.
3. A
diferença entre ele e os outros policiais civis e militares era a sua relação
com o governador do Estado, Benedito Valadares. Já estávamos na década de 40 do
século XX. No final dos anos 20 e início dos anos 30, marcado pela Revolução de
30, Benedito Valadares fora preso várias vezes por um único policial: o tenente
Altino Machado, agora capitão.
4. O país estava
dividido entre as forças federais e os Estados.
5.
"Quem mandava prendê-lo era o secretário de Estado do Interior e Justiça,
Zezinho Bonifácio, que procurava conter a índole baderneira do advogado e
dentista Benedito Valadares".
O tenente
Altino Machado era chamado porque era "forte, treinador de lutas marciais
e instrutor da polícia e jamais ultrapassava a sua função, não cometendo
nenhuma violência contra os presos políticos ou não".
"Ele não
admitia policial torturador".
Autor das
prisões do advogado e dentista Benedito Valadares, que se tornara governador o estado
de Minas Gerais, jamais fora promovido e sua promoção a capitão levou 12 anos.
6. O
governador queria esclarecer a tentativa de assassinato de que fora vítima em
sua própria casa, em Pará de Minas. Era mais um caso policial misterioso e sem
solução. Assim como o Caso do Parque há mais de um ano estava parado e nenhum
responsável identificado pelo envenenamento.
Só que a
tentativa de assassinato do governador não se tornara público e nenhum jornal
tivera acesso aos fatos. A censura era rigorosa e a ditadura de Vargas vivia seu
ponto mais alto.
7. O comando
da PM aconselhava o governador a entregar este "crime delicado", por
envolver familiares do chefe de Estado, ao capitão Altino.
8. "Se
este capitão é competente mesmo entregue, primeiro a ele, o Caso do Parque.
Depois que o criminoso, o
argentino, for preso, chamem o Altino
para conversar comigo".
Os coronéis
ponderaram. "Governador, o suspeito é argentino. Não está no Brasil. Não
está na Argentina. A informação é de que talvez esteja em Punta del Este, no
Uruguai'.
Benedito não
recuou.
- Antes da
minha conversa com o capitão que ele solucione, primeiro, o Caso do Parque.
Silêncio.
- E mais,
como este capitão teria mais competência para solucionar meu caso se já
estiveram em Pará de Minas os cinco melhores coronéis da nossa Polícia Militar,
com todas as condições materiais e de pessoal?
- Agora, se
o capitão prender o assassino do parque, ele investigará Pará de Minas
9. Todas as
informações até, então, apuradas sobre o Caso do Parque, foram passadas ao
capitão e, em seguida, obteve permissão para voar ao Uruguai em seu próprio
avião.
10.
"Tudo pronto, combustível liberado, avião checado, fui para o Aeroporto da
Pampulha. Das mais de 20 descrições do argentino consegui compor um perfil
físico aproximado e, não tinha nem 15dias de estudo do inquérito, no caminho do
aeroporto, passei por um homem que poderia ser o argentino. Pura intuição.
Voltei e o acompanhei até um bar. Eram grandes as possibilidades de ser a mesma
pessoa. Estabeleci uma conversa paralela que ele pudesse ouvir. Disse que
seguiria para a Argentina naquela tarde.
Falei das escalas no Brasil e no Uruguai. Ele estava atento. Expliquei
detalhadamente os negócios que esperava fechar em Maldonado antes de Buenos
Aires. Ele não falava nada. Bebia apenas. Quando levantei para sair, ele me
acompanhou e falou. Falou em espanhol e perguntou se eu poderia levá-lo comigo. Eu disse que voaria sozinho e que uma companhia seria uma boa. Ele
disse que precisava ir com urgência a Punta del Este, em Maldonado, de onde
chegara há menos de um mês. Sim, sim. Seria bom, não gosto de pilotar sozinho.
Fomos ao hotel. Pegou a bagagem. Antes, passaria no comando da polícia para
pegar a liberação do voo. Ele poderia me esperar no hotel. Preferiu não perder
tempo e me acompanhar , tínhamos que levantar voo a tempo de chegar em São
Paulo onde faríamos a primeira escala e pernoitaríamos.
Também não
assustou e nem demonstrou nenhuma surpresa quando, diante do coronel
comandante, recebeu a voz de prisão.
O susto
maior foi do coronel. Maior ainda quando sem nenhuma dificuldade revelara a
motivação do crime, traído por seu amante homossexual.
O coronel
comandante não acreditava no desfecho sem que fosse necessária a viagem. Nem com
a solução rápida de um crime de 18 meses atrás.
-
Inacreditável, capitão.
O coronel
recuou a cadeira para falar alto a todos os outros oficiais que estavam na
sala:
"Agora,
o governador Benedito Valadares não poderá recuar. O desafio é recente e continha
um compromisso. Não há que mudar nada. Vamos ao Palácio da Liberdade".
11. O Almoço Maldito. Ali, tomou
conhecimento de que assumiria as investigações do crime de Pará de Minas. As
pastas traziam na capa o título "O Almoço Maldito". Mais de 10 pastas
contendo depoimentos, relatórios, perícias.
12. O Almoço
Maldito havia sido a tentativa de assassinato por envenenamento do governador
Benedito Valadares, em sua cidade, Pará de Minas, onde fora prefeito, durante o
almoço. Seu irmão, atual prefeito sobreviveu depois de vários internamentos em
hospitais de Belo Horizonte. Ninguém morreu, muitos tiveram intoxicação leve.
Só um hospitalizado em estado mais grave.
Não havia
suspeitos. A segurança do governador foi eficiente e conseguiu impedir uma
tragédia na família.
- Capitão
Altino Machado, o senhor terá todas as condições para o seu trabalho, terá tudo
o que os outros tiveram: recursos, condições materiais e o pessoal que precisar.
Amanhã, o Minas Gerais publicará sua designação para Pará de Minas. Já
reservamos a condução para que vá imediatamente.
O capitão
ponderou que não havia necessidade da publicação imediata, precisava estudar o
inquérito, ouvir os outros investigadores e os coronéis que estiveram em Pará
de Minas. Pediu um prazo de duas semanas e que não fosse publicado o ato da
designação antes.
O governador
concordou.
13. Do Palácio da Liberdade ao alfaiate. Mandou fazer um terno de linho. Agendou os contatos e as entrevistas com os coronéis. Antes, porém, seguiu, discretamente, vestido o seu terno de linho para Pitangui. Reserva no Grande Hotel, da dona Marta, uma das que prestaram depoimento. Ela é amante do irmão de Benedito e fora amante de Benedito, quando prefeito.
"É a preferência dela, o poder municipal".
O capitão
chegou a tempo do jantar no hotel onde se reunião os viajantes. Todos vão para
o hotel de Dona Marta. A qualquer tempo, no almoço e no jantar, comida quente e
farta. Com o salão do restaurante do hotel mais vazio, chamou dona Marta.
- Vamos
tomar um café?
Como tirar dela o que não teria sido revelado no depoimento sem demonstrar, imediatamente, seu interesse,sem dizer sua patente e nem seu trabalho ali.
Não era viajante.
Não era vendedor.
Ao ouvir um viajante perguntar se ele, que ia para Pará de Minas, corria risco de envenenar almoçando lá, ele,então,retomou a fala do viajante, querendo saber dela o que significava aquele "risco".
Ela recusou continuar aquele assunto.
"É uma bobagem".
- Pelo menos
aqui, em Pitangui, temos uma comida quente, muito boa, sem veneno. Parece que não é a mesma
coisa em Pará de Minas.
Ele não
chegara num carro da polícia e nem o precedera a publicação no Minas Gerais.
Ganhara um bom tempo, podia ficar dois dias em Pitangui.
Iria a Pará
de Minas tratar de uma demanda da Construtora Alvarenga com a prefeitura.
- É lá e cá,
coisa rápida. Devo encontrar direto com o prefeito.
- Ele está
de licença médica - disse dona Marta.
- O que
houve?
- Parece que
um intoxicação violenta, já trata há mais de um ano. Dizem que retoma o cargo
esta semana.
14. A partir
daí, ela disse que falaria o que o povo sabe e comenta. Pediu reservas. Falou
que o prefeito foi envenenado ou sofrera uma intoxicação violenta. Não sabiam
ainda o que de fato acontecera. Ela já conversara com vários oficiais que
passaram por Pitangui. Para o povo houve o envenenamento, muita gente passou
mal. Diziam que o veneno fora colocado
por uma mulher. Outras cinco pessoas
estariam envolvidas.
- Quem era a
mulher?
Na
madrugada, ele conseguiu o nome da mulher, era a mulher do prefeito.
Apresentou-se ao delegado municipal de Pará de Minas, o sargento Moacir Perdigão, parente do governador, e com ele foi ouvir a mulher suspeita.
Na fazenda dela, a mulher
reagiu. Muito valente, protegida pelo pai e por dois capangas, ela desafiou o
delegado, o capitão e três policiais militares.
O capitão
conseguiu levar os dois, a mulher e o pai para a cidade. Todos os envolvidos
foram identificados.
O capitão mandou
uma comunicação para o Palácio da Liberdade. O "Almoço maldito" estava resolvido.
O governador
Benedito Valadares queria que todos estivessem presentes.
Quem colocou
o veneno no prato do governador foi o
seu afilhado, filho do prefeito que ao trocar os pratos, comeu a comida
envenenada.
O afilhado
de Benedito se lançou de joelhos diante dele e pediu desculpas.
O governador
afastou-se e mijou na cara do rapaz. Depois teve que ser contido pois agredia
com socos e pontapés os envolvidos.
Voltou-se
para o capitão:
- Leve-o e desapareça com ele. Mate. Esta praga não deve viver.
-
Governador, apurei o crime. O senhor sabia que eu apuraria. Esta outra
missão já não é mais comigo
- Capitão, esta é uma ordem. Mate este
desgraçado
-
Governador, não sou assassino. Comunico ao senhor que a prisão já foi autorizada pelo
juiz. E eu sou responsável pela integridade física do prisioneiro.
- Pode
deixá-lo aqui com o nosso delegado de Pará de Minas.
O governador
insistia e o capitão ponderou:
- Governador
a execução do prisioneiro cairá no seu colo. Não apenas como mandante também como
cúmplice de um homicídio
- Eu sou o
governador.
- E eu serei a testemunha de um crime. Não serei cúmplice. Isto é um crime anunciado. Voltarei
hoje para a capital e o prisioneiro seguirá comigo.
- Tudo o que
quero é evitar um escândalo envolvendo a minha família
- ...
- ... Até
hoje a imprensa não tomou conhecimento do que aconteceu aqui.
- É um caso
em segredo de justiça e quem terá autoridade sobre isto será o juiz, disse o
capitão Altino.
- Então,
leve o prisioneiro com o senhor para Figueira do Rio Doce.
O capitão
voltou para Belo Horizonte e naquele dia nasceu sua filha Julieta Machado.
Com o capitão Altino Machado, o afilhado
do governador foi para Figueira do Rio Doce, hoje Governador Valadares, onde
viveu até morrer aos 90 anos.
Ele nunca
foi condenado.
E não teve
julgamento.
Três anos depois, em
1945, com o fim da ditadura acabaram os governos de
Getúlio Vargas e
Benedito Valadares