O FOGO E A ÁGUA
Adriano
Augusto
Todos nós esperávamos que Pimenta voltasse a falar
da irmã Maria.
Primeiro, ele chegou e ficou calado.
Depois, diante do nosso silêncio, ele falou muita
coisa, coisa com coisa, contou piada.Era um péssimo ator.
Diante de um novo silêncio de todos, ele começou.
Tenho dúvidas, estas histórias são delicadas e eu
soube pelo Homem do Mucuri, com quem ela conversa muito e a quem ela teria
feito estas revelações.
Como ele é também um mentiroso nato, fiquei em
dúvida. Repetiu a mesma história algumas vezes. Aí, não tive dúvidas.
Como?
Sim, repetiu em dias alternados. Repetiu quase com
as mesmas sílabas e a mesma inquietação e ponderando.
Será que é verdade? Eu me perguntava e ele também.
Aprendi que o que não se esquece é a pura verdade.
O que se esquece é mentira ou não vale nada
Será que eu deveria contar esta história? Passar adiante?
Não, meu amigo, não tenho medo. Aprendemos a
gostar dela e não queria que uma história destas, mal contada, fosse
prejudicá-la. Se há um crime? Ela jamais cometeria um crime.
É uma história de amor.
A nossa irmã Maria apaixonou-se por um médico, um
padre médico psiquiatra. Era casado e que, depois do acidente em que morreram a
mulher e os filhos, tornou-se padre.
Era conhecido por suas obras e pesquisas, um
escritor respeitado e para a igreja foi uma grande aquisição. Como um jogador
de futebol, hoje. Como um craque. Entrou pro time do papa. Construiu
universidade, hospitais, dirigiu hospitais. Fez e coordenou pesquisas
científicas
Foi em um hospital, em Roma, que eles se
encontraram.
Ela como paciente e ele como o seu psiquiatra.
Foi amor a primeira vista e correspondido, segundo
ela. Um amava o outro e os dois decidiram ir fundo na aventura desse amor. Não
foram além das infinitas sessões/discussões em que discutiram o celibato, o
voto de castidade, o amor e o sexo.
Ela, mulher cheia de vigor e vida, estava sendo
destruída pelo vulcão de suas entranhas femininas.
Ela não romperia sua relação mais pura com a sua
fé. Afinal, era a noiva de Cristo. É por aí.
Ele jamais ultrapassaria a sua decisão de não
criar um problema para a sua igreja, embora soubesse como estas relações eram
resolvidas até pelos mais altos executivos da igreja. Ali, todos, a maioria
ignorava limites e votos.
Se tivesse que consumar o amor no sexo, eles
comunicariam aos seus superiores e deixariam a igreja para viverem juntos.
Ela contou para o Homem do Mucuri que as dores que
sentia, principalmente na coluna, a imobilizaram por mais de seis meses.
Dores e um sofrimento sem fim e que eles sabiam
ser fruto de uma revolta do corpo contra a abstinência sexual e as regras imorais
da daquela cultura religiosa que sabiam hipócrita.
Ela era toda tesão. Naquele momento nem as
orações, nem as penitências, nem o trabalho, nada, nada, conseguia contê-la.
É isso mesmo, fogo de morro acima, água de morro
abaixo e mulher quando quer dar, ninguém segura.
Ela sabia disso e insistia em manter seu principal compromisso com a igreja, embora não mais acreditasse naquelas formas (castidade) de controle das pessoas. Enlouquecia. Muitas ficaram loucas sem saber porque e sofreram horrores pala estupidez e ignorância dos “sábios” da igreja. Jovens, mulheres jovens, privadas do que é sublime: o amor.
Qual era o amor permitido? O amor falso por algo
que não existe. Hipocrisia. Hipocrisia? Ela sabia que tudo aquilo que vivera
era mentira. Ela podia ter amado, ter sido feliz com um homem, ter feito um
homem feliz.
O resto, imposto a ela e às suas amigas e
companheiras, era falso. Não era a verdade do ser humano e não renderia frutos
para todos senão à exploração e à enganação.
Ela se sentia enganada. Pior, comprometida pelo
engano com sua própria inteligência e destruindo a vida dela e de quem a
amasse.
O padre médico psiquiatra conduziu toda esta
passagem de uma mulher se descobrindo mulher e amando, amando ele, e ele a
amando, com extremo cuidado.
Como? Não. Não. Não. Ela disse que não tiveram
nada.
Abraçavam-se com carinho e com muito afeto. Com
uma certeza de que deveriam tomar uma atitude naquele momento importante da
vida deles, os dois com pouco mais de quarenta anos.
Ela disse por Homem do Mucuri que os dois, ela e o
padre, não tiveram relações sexuais. Se não for mentira do Homem do Mucuri, se
não for mentira dela.
Assim, minha gente, ela desmente aquela historinha e, agora,
sabemos que fogo de morro acima dá para apagar, água de morro abaixo dá para
segurar também.
Ela se segurou, se não mentiu. Eu acredito nela. É
aquela história, a outra,de que mulher que conhece pica em uma não fica. Ela
não conheceu uma. Cara, não a estou desrespeitando. Digo isso porque eu também
acredito que ela não mentiu para nosso amigo e o nosso amigo é muito esperto,
saberia tirar dela a verdade.
Como o Homem do Mucuri é muito mentiroso, o melhor
é a gente não acreditar nesta história do amor de dois religiosos tão sérios e
poderosos.
O padre médico é doutor dos papas e foi por isso
que ele foi o psiquiatra dela em tempo integral, dia e noite por mais de dois
anos.