sexta-feira, 8 de outubro de 2021

A IMITAÇÃO DE CRISTO

 







 

O FOGO E A ÁGUA

 

Adriano Augusto

 

 

Todos nós esperávamos que Pimenta voltasse a falar da irmã Maria.


Primeiro, ele chegou e ficou calado.


Depois, diante do nosso silêncio, ele falou muita coisa, coisa com coisa, contou piada.Era um péssimo ator.


Diante de um novo silêncio de todos, ele começou.


Tenho dúvidas, estas histórias são delicadas e eu soube pelo Homem do Mucuri, com quem ela conversa muito e a quem ela teria feito estas revelações.


Como ele é também um mentiroso nato, fiquei em dúvida. Repetiu a mesma história algumas vezes. Aí, não tive dúvidas.


Como?


Sim, repetiu em dias alternados. Repetiu quase com as mesmas sílabas e a mesma inquietação e ponderando.


Será que é verdade? Eu me perguntava e ele também.


Aprendi que o que não se esquece é a pura verdade. O que se esquece é mentira ou não vale nada


Será que eu deveria contar esta história?  Passar adiante?


Não, meu amigo, não tenho medo. Aprendemos a gostar dela e não queria que uma história destas, mal contada, fosse prejudicá-la. Se há um crime? Ela jamais cometeria um crime.


É uma história de amor.


A nossa irmã Maria apaixonou-se por um médico, um padre médico psiquiatra. Era casado e que, depois do acidente em que morreram a mulher e os filhos, tornou-se padre.


Era conhecido por suas obras e pesquisas, um escritor respeitado e para a igreja foi uma grande aquisição. Como um jogador de futebol, hoje. Como um craque. Entrou pro time do papa. Construiu universidade, hospitais, dirigiu hospitais. Fez e coordenou pesquisas científicas


Foi em um hospital, em Roma, que eles se encontraram.


Ela como paciente e ele como o seu psiquiatra.


Foi amor a primeira vista e correspondido, segundo ela. Um amava o outro e os dois decidiram ir fundo na aventura desse amor. Não foram além das infinitas sessões/discussões em que discutiram o celibato, o voto de castidade, o amor e o sexo.


Ela, mulher cheia de vigor e vida, estava sendo destruída pelo vulcão de suas entranhas femininas.


Ela não romperia sua relação mais pura com a sua fé. Afinal, era a noiva de Cristo. É por aí.


Ele jamais ultrapassaria a sua decisão de não criar um problema para a sua igreja, embora soubesse como estas relações eram resolvidas até pelos mais altos executivos da igreja. Ali, todos, a maioria ignorava limites e votos.


Se tivesse que consumar o amor no sexo, eles comunicariam aos seus superiores e deixariam a igreja para viverem juntos.


Ela contou para o Homem do Mucuri que as dores que sentia, principalmente na coluna, a imobilizaram por mais de seis meses.


Dores e um sofrimento sem fim e que eles sabiam ser fruto de uma revolta do corpo contra a abstinência sexual e as regras imorais da daquela cultura religiosa que sabiam hipócrita.


Ela era toda tesão. Naquele momento nem as orações, nem as penitências, nem o trabalho, nada, nada, conseguia contê-la.


É isso mesmo, fogo de morro acima, água de morro abaixo e mulher quando quer dar, ninguém segura.


Ela sabia disso e insistia em manter seu principal compromisso com a igreja, embora não mais acreditasse naquelas formas (castidade) de controle das pessoas. Enlouquecia. Muitas ficaram loucas sem saber porque e sofreram horrores pala estupidez e ignorância dos “sábios” da igreja. Jovens, mulheres jovens, privadas do que é sublime: o amor.


Qual era o amor permitido? O amor falso por algo que não existe. Hipocrisia. Hipocrisia? Ela sabia que tudo aquilo que vivera era mentira. Ela podia ter amado, ter sido feliz com um homem, ter feito um homem feliz.


O resto, imposto a ela e às suas amigas e companheiras, era falso. Não era a verdade do ser humano e não renderia frutos para todos senão à exploração e à enganação.


Ela se sentia enganada. Pior, comprometida pelo engano com sua própria inteligência e destruindo a vida dela e de quem a amasse.


O padre médico psiquiatra conduziu toda esta passagem de uma mulher se descobrindo mulher e amando, amando ele, e ele a amando, com extremo cuidado.


Como? Não. Não. Não. Ela disse que não tiveram nada.


Abraçavam-se com carinho e com muito afeto. Com uma certeza de que deveriam tomar uma atitude naquele momento importante da vida deles, os dois com pouco mais de quarenta anos.


Ela disse por Homem do Mucuri que os dois, ela e o padre, não tiveram relações sexuais. Se não for mentira do Homem do Mucuri, se não for mentira dela.


Assim, minha gente,  ela desmente aquela historinha e, agora, sabemos que fogo de morro acima dá para apagar, água de morro abaixo dá para segurar também.


Ela se segurou, se não mentiu. Eu acredito nela. É aquela história, a outra,de que mulher que conhece pica em uma não fica. Ela não conheceu uma. Cara, não a estou desrespeitando. Digo isso porque eu também acredito que ela não mentiu para nosso amigo e o nosso amigo é muito esperto, saberia tirar dela a verdade.


Como o Homem do Mucuri é muito mentiroso, o melhor é a gente não acreditar nesta história do amor de dois religiosos tão sérios e poderosos.


O padre médico é doutor dos papas e foi por isso que ele foi o psiquiatra dela em tempo integral, dia e noite por mais de dois anos.