quinta-feira, 7 de outubro de 2021

VIDA EMPRESTADA

  


 Trotski, de Leminski.




 


Velho. 74



Rufino Fialho Filho

 

Consciente da velhice, tempo como um tempo qualquer, lugar como um lugar qualquer. Enfim, espaço onde derrotas são derrotas, espaço para o Fernando Pessoa que nos lembra das porradas que levamos.


Espaço para as vitórias, mais ilusões do que propriamente glórias, esmaecidas, presas no catálogo Viver.


Velho a observar o caminhar cada vez mais lento em que as distâncias, às vezes maiores do que na realidade; verdadeiramente curtas e cansativas.


Despertar de um velho tarado na memória. Pela memória. Entendo, hoje, Bukovsky, o velho safado, salvo pelas memórias das suas putas alegres e sempre bêbadas, memórias de putarias da vida curtida.





Velho, sim. Velho tarado. Sim. Velho babão? Não e sim. Capaz de usufruir do que os olhos são capazes de enxergar no corpo lindo de uma mulher linda.


Destes olhares, rápidos, nas ruas e avenidas, a memória é fugaz (ainda bem) e tudo some rapidamente como o desfazer do que é sólido no ar (Marshal Berman tirado do Manifesto).


O fato é que continuo, continuamos (?) comunista - mas fugindo do carimbo babaca, por desnecessário.


Refletir, brincar com as palavras, é o que me resgata um homem maduro, 50 anos, um jovem também, com meus 25 anos, até mesmo um menino de 10 anos, encontrado no Mucuri, descalço pulando de sombra em sombra. É o tempo. É o espaço.


As palavras nos salvam, nos potencializam - somos mais do que somos. Temos que amar as palavras, com sua exatidão e suas traições. Palavras que podem nos abandonar em fantasias, falsas realidades imaginadas. Falsas memórias, tão comuns entre os velhos.


As palavras também nos impedem de cair no ridículo; este, sim, um lugar difícil de escapar, lugar sem memória, prisão da demência à espreita.


Todo poder às palavras como um dia gritamos nas ruas de Petrogrado, todo poder aos soviets.


Loucura? Não.


É que leio o Trotski de Leminski.


Velho lê muito (salva-se assim). Com o Leminski, leio também, tudo na madrugada. Eu não perco o sono, ganho as páginas.Como dizia, com o Leminski leio um bom mineiro, velho sogro, Marciano da Costa Godoy, e, depois de um bom tempo perdidos nas estantes, leio os dois livros que comprei na Livraria Leonardo Da Vince, num subsolo da avenida Rio Branco, imediações de seus horários dedicados às putas cariocas.


É o livro da Paula Dip sobre Caio Fernando de Abreu e a Antologia de Mário de Sá-Carneiro. Boas companhias nas madrugadas.








Como a memória falha não me lembrei - lembrei dos livros, da livraria e da avenida - de quem estava com a gente naquele dia.


Adriana Gontijo? Helga Barros? Célia Zaratini?


????


Memória seletiva. Memória sacana. Velha memória.


Foda é foda.


Apaixonado pelo poder da síntese, do pensar organizado, surpreendo-me, como nesta madrugada, abusando de tantas palavras, escrevendo loucamente como Caio Fernando, sem parar, sem o seu talento.


Há algum tempo sem o cheiro de mulher, sem um Perfume de Mulher, agora valorizando, pagando, a companhia feminina, companhias sempre efêmeras e rápidas, afinal elas têm que faturar.


Assim, as noites são mais longas e abrem espaço para boas companhias (como dizia e vivia Maquiavel) ao lado de um bom poeta e suas palavras belas, ao lado de releituras provocadoras de Trotski e Dostoievski.


Incrível este Trotski sempre a nos chegar ora pelas mãos de Padura, ora pelas mãos de Deutscher, agora pelo versejar em prosa de LeminskiTrotski como sacou Ruy Castro.