Na cadeia, havia um pássaro preto
Ele caminhava em meu corpo
Rufino
Fialho Filho
Muitos
domingos passamos juntos
No
laboratório, só nós dois
O silêncio e
os livros,
A alquimia
misteriosa
O pássaro
preto sanzava e eu lia
Lia, lia,
palavras, palavras
Só palavras
Ao lado, o
pássaro preto pulava, silencioso,
Das
prateleiras e dos vidros para o meu ombro
Subia na
minha cabeça
E me
acariciava
Meu pássaro
preto respeitava aquele doido silêncio
Quantas
vezes, parado no meu ombro, observava
Como o corvo
de Poe, Pessoa e Machado
Assustava-me
a sensação de que ele não era analfabeto
Ficava ali,
olhando a página e aquelas manchas pretas
Manchas e
diálogos
Universalmente
silenciosos e intensos
seculares
Era
carinhoso
Limpava o
meu ouvido
Solenemente,
delicadamente
Silenciosamente
Ali, ao meu
lado
No meu ombro
O pássaro
preto
Era a minha
única chance de liberdade
E eu era ele
(Toda
carícia no ouvido de Ana Luísa
traz de
volta o meu pássaro preto)
22.01.2001