domingo, 11 de setembro de 2022

VOZ DAS SELVAS

 




 

"A realidade mostrou que o regime(de 64) se desfez também por não conseguir dobrar mil outras formas de resistência: do operário, do funcionário público em geral, do homem do campo, da dona de casa, dos aposentados, dos estudantes do ensino médio, do carteiro..."


 

 

Atitude e sentimento


Elson Martins

 

Faz alguns anos, escrevi um texto afirmando que os estados amazônicos do Acre e Amapá são irmãos siameses. Na época, eu acompanhava com interesse e otimismo os governos de Jorge Viana (PT-AC) e João Alberto Capiberibe (PSB-AP). Jorge e seus companheiros tinham adotado o slogan “governo da floresta”, já que os acreanos, em grande maioria, se consideram “povo da floresta”. E como os amapaenses são mais das águas que da floresta, sugeri a estes a denominação de “povo das águas”. A ideia não vingou.

 

De qualquer modo, gosto de pensar que a sociedade da floresta, assim como a sociedade das águas, é para ser sentida, mais do que conceituada, porque o sentimento ajuda melhor a construir o desejável, a cada instante, com a amplitude da satisfação coletiva. Não estou falando de filosofia, mas de uma maneira de agir que envolva a qualidade de vida com a felicidade.

 

Num livro que conheci nos anos da ditadura militar (1964-1985), edição em espanhol com o título “Teoria de la guerra”, aprendi lições que me ajudaram atravessar aqueles tempos de chumbo. A principal é que a atitude revolucionária de mudar as coisas para melhor pode acontecer onde menos se espera. Isso contrastava com rituais da esquerda da época, que, em muitas situações, imitava o inimigo na pobreza de espírito.

 

Ou seja, para enfrentar e mudar o regime totalitário não basta os marxistas, os agitados líderes estudantis, os que militam na clandestinidade ou de outra forma se exponham às baionetas. A realidade mostrou que o regime(de 64)se desfez também por não conseguir dobrar mil outras formas de resistência: do operário, do funcionário público em geral, do homem do campo, da dona de casa, dos aposentados, dos estudantes do ensino médio, do carteiro...

 

Um cumprimento informal ou uma troca de olhares, um gesto simples de quem quer ajudar o próximo, a ação de quem se faz correto no atendimento ao público, a educação, o respeito, a tolerância em casa ou no trabalho, tudo isso conta muito para a revolução silenciosa possível.

 

A sociedade da floresta, bem como das águas, depende fundamentalmente desse tipo de participação e envolvimento das pessoas. Em cada campo de atividades podemos exercitar uma nova prática diária de relacionamento humano, de como refletir sobre o que pode ser feito individual ou coletivamente; e até deixando de fazer o que se faz de errado para não impedir que a vida certa se renove pela ação de quem já descobriu um caminho.

 

A população amapaense, como se sabe, é atípica: pelo espaço geográfico e por sua história de ocupação, pelas raízes culturais vindas da África e, mais recentemente, pelos conceitos e praticas de sustentabilidade com as quais se oferece ao mundo como exemplo, desde o PDSA (Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá). A do Acre, também.

 

Existe muitas caras, declarações, amuos, maldades, egos e superegos, vaidades, mentiras, falsificações, prepotência, - um lixo enorme a ser varrido da sociedade de um modo geral e incinerado. Para que possa emergir em seu lugar a esperança e a participação plural de pessoas, partidos e entidades, numa reconstrução inteligente e democrática e, porque não dizer, amorosa.

 

 

 

03/07/2014