"A realidade mostrou que o regime(de 64) se desfez também por não conseguir dobrar mil outras formas de resistência: do operário, do funcionário público em geral, do homem do campo, da dona de casa, dos aposentados, dos estudantes do ensino médio, do carteiro..."
Atitude e sentimento
Elson Martins
Faz alguns
anos, escrevi um texto afirmando que os estados amazônicos do Acre e Amapá são
irmãos siameses. Na época, eu acompanhava com interesse e otimismo os governos
de Jorge Viana (PT-AC) e João Alberto Capiberibe (PSB-AP). Jorge e seus
companheiros tinham adotado o slogan “governo da floresta”, já que os acreanos,
em grande maioria, se consideram “povo da floresta”. E como os amapaenses são
mais das águas que da floresta, sugeri a estes a denominação de “povo das
águas”. A ideia não vingou.
De qualquer
modo, gosto de pensar que a sociedade da floresta, assim como a sociedade das
águas, é para ser sentida, mais do que conceituada, porque o sentimento ajuda
melhor a construir o desejável, a cada instante, com a amplitude da satisfação
coletiva. Não estou falando de filosofia, mas de uma maneira de agir que
envolva a qualidade de vida com a felicidade.
Num livro
que conheci nos anos da ditadura militar (1964-1985), edição em espanhol com o
título “Teoria de la guerra”, aprendi lições que me ajudaram atravessar aqueles
tempos de chumbo. A principal é que a atitude revolucionária de mudar as coisas
para melhor pode acontecer onde menos se espera. Isso contrastava com rituais
da esquerda da época, que, em muitas situações, imitava o inimigo na pobreza de
espírito.
Ou seja,
para enfrentar e mudar o regime totalitário não basta os marxistas, os agitados
líderes estudantis, os que militam na clandestinidade ou de outra forma se exponham
às baionetas. A realidade mostrou que o regime(de 64)se desfez também por não
conseguir dobrar mil outras formas de resistência: do operário, do funcionário
público em geral, do homem do campo, da dona de casa, dos aposentados, dos
estudantes do ensino médio, do carteiro...
Um
cumprimento informal ou uma troca de olhares, um gesto simples de quem quer
ajudar o próximo, a ação de quem se faz correto no atendimento ao público, a
educação, o respeito, a tolerância em casa ou no trabalho, tudo isso conta
muito para a revolução silenciosa possível.
A sociedade
da floresta, bem como das águas, depende fundamentalmente desse tipo de
participação e envolvimento das pessoas. Em cada campo de atividades podemos
exercitar uma nova prática diária de relacionamento humano, de como refletir
sobre o que pode ser feito individual ou coletivamente; e até deixando de fazer
o que se faz de errado para não impedir que a vida certa se renove pela ação de
quem já descobriu um caminho.
A população
amapaense, como se sabe, é atípica: pelo espaço geográfico e por sua história
de ocupação, pelas raízes culturais vindas da África e, mais recentemente,
pelos conceitos e praticas de sustentabilidade com as quais se oferece ao mundo
como exemplo, desde o PDSA (Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá).
A do Acre, também.
Existe
muitas caras, declarações, amuos, maldades, egos e
superegos, vaidades, mentiras, falsificações, prepotência, - um lixo enorme a
ser varrido da sociedade de um modo geral e incinerado. Para que possa emergir
em seu lugar a esperança e a participação plural de pessoas, partidos e
entidades, numa reconstrução inteligente e democrática e, porque não dizer,
amorosa.
03/07/2014