quinta-feira, 8 de setembro de 2022

SEMPRE SE ERGUER DEPOIS DA QUEDA


 



Proposta Original

 

 

 

 SEXTUS HORATIUS FLACCUS  (*)

 

 

 

 

Prédio ruindo

Nenhum grito

Ninguém

 

O prédio ruiu  

até superou sua altura   

com a poeira e o silêncio  

 

nenhum apelo  

a morte aceita   

morte sem dor   

 

nenhum gesto desesperado   

nenhum ato de heroísmo   

nenhum romance para a notícia   

 

ninguém ouviu o barulho?   

 

Até o ar conspirou   

e se fechou  

 

queda sem testemunhas   

queda sem sobreviventes  

queda sem escândalos    

 

o prédio nunca mostrou-se débil   

simplesmente ruiu

 

Os raios de cores brilhantes   

romperam-se por entre nós   

separando, confundindo, anulando

 

Raios azuis, amarelos, vermelhos

Raios de uma luz colorida

Raios de tinta essência

 

 

 

Traído pelo raciocínio falso   

quando a ideia era de jarro

 

Vê sumir o que envelheceu

Oculta a covardia no assalto

 

Aproxima-se da miragem

Nervoso perto da certeza

 

 

No papel, a palavra desenhada

Palavra sem sentido  

 

 

A porta aberta  

por onde sai   

a mulata sem compostura  

a voz da senhora   

o miado espichado

 

 

 

A mulata olha o céu   

e nada vê mais branco   

apanha o balde   

apanha a vassoura    

para lavar a cozinha    

da patroa

 

 

 

A senhora espreguiça   

e balbucia uma frustração   

que o chão e o teto entendem   

retira o lençol   

ergue-se a camisola da senhora

 

 

 

O gato bebe leite   

olha o prato  

e enjoado sai pela casa   

à procura de um rato    

à procura de sol    

vai para a porta   

o gato da senhora

 

A mulata sente uma dor    

no ventre      

peida no corredor    

foge apavorada

(não do peido)   

mas da senhora  

atropela o gato  

na porta aberta

 

 

Quando chegar o minuto   

exato de navegar   

exato de atravessar   

quando a hora for certa  

tudo, tudo, medido    

ao examinar a última ilusão

 

 

Quando  chegar o momento  

eu não hesitarei, não recuarei  

estejam como estiverem o mar  o céu

 

 

Ventos passantes   

escutai-me   

a estas horas  

eu amava   

a mais bela dona   

e hoje estou aqui

 

 

A estas horas, ela sorria         

para dizer

(com voz de loucura)            

que o amor era eterno,

 

 

Eita, ironia!

 

 

A estas horas

Perto do meu corpo    

o corpo quente   

da mulher que amei  

língua ligeira loucura

 

 

A estas horas  

eu dizia asneiras   

e ela sorria  

e eu brincava  

na vida, de viver

 

 

 

A estas horas  

eu era louco  

ela era louca  

porque amávamos?

 

De verdade

 

 

 

Horas passantes   

escutai-me   

agora que estou só  

apenas, eu continuo louco   

não acredito mais   

em nada do que é eterno

 

 

 

 

Então, abraçar

(não poder também foi bom)  

é que eu não sei se minhas mãos    

seriam bastantes e capazes    

de abarcar sua meiguice   

de surpreender sua esperteza   

não sei se entenderia sua insistente  

vontade de brincar

 

 

 

 

Você que conhece o perigo e tem medo de cair do muro

Quem lhe ensinou o perigo?

Se nunca caiu do muro?

 

 

Ali, naquele lugar   

encostado, sozinho,   

com muitos pensamentos    

e faminto   

 

 

 

Ali, mesmo ali  

estive num lugar risonho       

de dias passados   

não quis sonhar    

pensar no que virá    

 

 

Lembrar... isso é bom     

catar de memória  

os troços poucos que me trazem você    

as palavras chegam   

e até sonhos em sonhos esquecidos    

 

 

Lembrei dos silêncios   

das conversas esgotadas     

de nossas mãos  

do seu olhar  

dizendo onde Mel olha    

 

 

Assim no fim da tarde   

que não quer prosseguir    

percebo, os goles com que trago  

todos os seus dias    

todo o existido   

o odiado   

o amado   

e o pensado     

 

 

Depósito de vidas  

que sempre vivem

 

 

Enfim, a noite irrompe     

sacode suas mantas  

e permite que novamente    

cheguem os nossos dias

 

 

Afastando do campo     

onde deixei vinte e cinco anos   

onde deixei misturada com velhas lições     

a memória rasgada

 

 

Afastando do claro

(ou do escuro?)      

onde vejo as cores e as frutas    

de um pomar sempre pomar

 

 

Ao afastar do campo  

me desfaço

de laços e embaraços   

perco verbos e substantivos

 

 

afastado do lógico  e do ilógico  

 

do ser e da negação do ser   

 

da parte e do todo

 

 

 

Ao afastar de pés e mãos   

da imensa gruta de histeria  

onde nascem os discursos   

onde nascem/morrem palavras e homens

 

 

Ao afastar de tudo  

o que é falso   

de tudo o que é   

plástico e sério

afastando das vestes   

e das faixas   

dos idiotas e dos sábios  

dos princípios e dos argumentos

 

 

Encontro você

 

 

 

 

 

 

Este foi um poeta (1)

 

Ali, aos 25 anos,

arquivou estas palavras

quase versos

e largou outros tantos

esparsos, perdidos...

 

foi ser um homem

livre

 

foi  romper  estradas

 

limpar vidraças

 

escrever sobre os homens

 

sobre sons

 

e outras poesias

 

(não eram poemas?).

 

Ele seguiu

 

 

2000

 

 

 

 

(1)Um poeta que nunca quis ser poeta

 

 

 

(*) Antes teve o Quinto Horácio Flaco, em latim Quintus Horatius Flaccus, (Venúsia8 de dezembro de 65 a.C. — Roma27 de novembro de 8 a.C.) foi um poeta lírico e satírico romano, além de filósofo. É conhecido por ser um dos maiores poetas da Roma Antiga.