Proposta Original
SEXTUS HORATIUS FLACCUS (*)
Prédio
ruindo
Nenhum
grito
Ninguém
O
prédio ruiu
até
superou sua altura
com
a poeira e o silêncio
nenhum
apelo
a
morte aceita
morte
sem dor
nenhum
gesto desesperado
nenhum
ato de heroísmo
nenhum
romance para a notícia
ninguém
ouviu o barulho?
Até
o ar conspirou
e
se fechou
queda
sem testemunhas
queda
sem sobreviventes
queda
sem escândalos
o
prédio nunca mostrou-se débil
simplesmente
ruiu
Os
raios de cores brilhantes
romperam-se
por entre nós
separando,
confundindo, anulando
Raios
azuis, amarelos, vermelhos
Raios
de uma luz colorida
Raios
de tinta essência
Traído
pelo raciocínio falso
quando
a ideia era de jarro
Vê
sumir o que envelheceu
Oculta
a covardia no assalto
Aproxima-se
da miragem
Nervoso
perto da certeza
No
papel, a palavra desenhada
Palavra
sem sentido
A
porta aberta
por
onde sai
a
mulata sem compostura
a
voz da senhora
o
miado espichado
A mulata
olha o céu
e
nada vê mais branco
apanha
o balde
apanha
a vassoura
para
lavar a cozinha
da
patroa
A
senhora espreguiça
e
balbucia uma frustração
que
o chão e o teto entendem
retira
o lençol
ergue-se
a camisola da senhora
O
gato bebe leite
olha
o prato
e
enjoado sai pela casa
à
procura de um rato
à
procura de sol
vai
para a porta
o
gato da senhora
A
mulata sente uma dor
no
ventre
peida
no corredor
foge
apavorada
(não
do peido)
mas
da senhora
atropela
o gato
na
porta aberta
Quando
chegar o minuto
exato
de navegar
exato
de atravessar
quando
a hora for certa
tudo,
tudo, medido
ao examinar
a última ilusão
Quando chegar o momento
eu
não hesitarei, não recuarei
estejam
como estiverem o mar o céu
Ventos
passantes
escutai-me
a
estas horas
eu
amava
a
mais bela dona
e
hoje estou aqui
A
estas horas, ela sorria
para
dizer
(com
voz de loucura)
que
o amor era eterno,
Eita,
ironia!
A
estas horas
Perto
do meu corpo
o
corpo quente
da
mulher que amei
língua
ligeira loucura
A
estas horas
eu
dizia asneiras
e
ela sorria
e
eu brincava
na
vida, de viver
A
estas horas
eu
era louco
ela
era louca
porque
amávamos?
De
verdade
Horas
passantes
escutai-me
agora
que estou só
apenas,
eu continuo louco
não
acredito mais
em
nada do que é eterno
Então,
abraçar
(não
poder também foi bom)
é
que eu não sei se minhas mãos
seriam
bastantes e capazes
de
abarcar sua meiguice
de
surpreender sua esperteza
não
sei se entenderia sua insistente
vontade
de brincar
Você
que conhece o perigo e tem medo de cair do muro
Quem
lhe ensinou o perigo?
Se
nunca caiu do muro?
Ali,
naquele lugar
encostado,
sozinho,
com
muitos pensamentos
e
faminto
Ali,
mesmo ali
estive
num lugar risonho
de
dias passados
não
quis sonhar
pensar
no que virá
Lembrar...
isso é bom
catar
de memória
os
troços poucos que me trazem você
as palavras
chegam
e
até sonhos em sonhos esquecidos
Lembrei
dos silêncios
das
conversas esgotadas
de
nossas mãos
do
seu olhar
dizendo
onde Mel olha
Assim
no fim da tarde
que
não quer prosseguir
percebo,
os goles com que trago
todos
os seus dias
todo
o existido
o
odiado
o
amado
e o
pensado
Depósito
de vidas
que
sempre vivem
Enfim,
a noite irrompe
sacode
suas mantas
e
permite que novamente
cheguem
os nossos dias
Afastando
do campo
onde
deixei vinte e cinco anos
onde
deixei misturada com velhas lições
a
memória rasgada
Afastando
do claro
(ou
do escuro?)
onde
vejo as cores e as frutas
de
um pomar sempre pomar
Ao afastar
do campo
me
desfaço
de
laços e embaraços
perco
verbos e substantivos
afastado
do lógico e do ilógico
do
ser e da negação do ser
da
parte e do todo
Ao afastar
de pés e mãos
da
imensa gruta de histeria
onde
nascem os discursos
onde
nascem/morrem palavras e homens
Ao afastar
de tudo
o
que é falso
de
tudo o que é
plástico
e sério
afastando
das vestes
e
das faixas
dos
idiotas e dos sábios
dos
princípios e dos argumentos
Encontro
você
Este foi um poeta (1)
Ali, aos 25 anos,
arquivou estas palavras
quase versos
e largou outros tantos
esparsos, perdidos...
foi ser um homem
livre
foi
romper estradas
limpar vidraças
escrever sobre os homens
sobre sons
e outras poesias
(não eram poemas?).
Ele seguiu
2000
(1)Um
poeta que nunca quis ser poeta
(*) Antes teve o Quinto Horácio Flaco, em latim Quintus Horatius Flaccus, (Venúsia, 8 de dezembro de 65 a.C. — Roma, 27 de novembro de 8 a.C.) foi um poeta lírico e satírico romano, além de filósofo. É conhecido por ser um dos maiores poetas da Roma Antiga.