quarta-feira, 28 de outubro de 2009

MANI


O outro selvagem

Mani sentava-se no chão seguindo seu ritual. Ajoelhava-se e suas coxas cresciam, Não era possível dizer se Mani ia adorar ou deixar o sol aconchegar-se no mesmo tapete desenhado por seus dedos ágeis na terra e o céu. O calcanhar encostava-se nas nádegas.

Eu deitado na rede e Mani, ali, bem próxima, sentada e ajoelhada, olhava-me. Vigilante no meu descanso e pronta em descobrir e adivinhar os desejos de um ser estranho, quaisquer desejos, manifestados pelo olhar, pelas mãos, pelo sorriso do ser estranho e sem palavras iguais.

E ela adivinhava sempre. Mani cuidava de tudo, apanhava a roupa, arrumava a cabana. Apressava-se quando eu era obrigado a pedir exercitando-me nas palavras novas de um povo quase silencioso. Dormia depois de mim e acordava antes. Corria aos meus braços, deitava-se como uma pluma, mergulhava nas águas para se lavar, desenhava em toda parte muitas flores e frutos. Seus quadros tinham a vida da folha, da areia e do barro nas margens.

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Mani é hoje um nome que em meu pensamento eu dou a todas as coisas que gosto.

*
A atitude de Mani seria uma atitude de servidão? Não. Eu fazia o impossível para não abusar. Pode acreditar. Para ela, aquele era o melhor relacionamento entre o homem e a mulher. A mulher devia cuidar do homem. Não era obrigação. Era parte integral, essência mesma do prazer e do ser mulher.

Eu e Mani vivemos três meses na selva, na fronteira da Colômbia com o Peru. Mani era da nação dos Putumayos.

*
Despedimos, eu anunciara aquela viagem. Não pedi que preparassem os sucos da volta.

Nunca voltei. Nem pensei em voltar. Eu era viciado em caminhadas nas ruas da minha cidade, em bares e em violão; para mim a mata, o futuro na mata, o acordar na mata era tortura pura.

Fugi da mata e também eu, eu, eu este louco, eu fugi de Mani. Não podia trazê-la comigo ou mesmo sequer impor-lhe esta civilização.

Os tempos passaram em mais de vinte, duzentas, duas mil enchentes. Muita farinha, muita farinha saíra do casebre amarelo. Muitos assuãs correram pelos regos mortais armadilhas. Depois de todos estes tempos passados, desembarquei, nas margens onde prometera não mais voltar.

Coletaria dados para uma pesquisa sobre a estrada da mata.

Mani agora é um nome que deram a uma menina, filha de Mani. Ela não sabia quem eu era. Não havia um amigo que me reconhecesse. Mani contou-me a vida de sua mãe e sobre o pai contou histórias fabulosas. Era ele um homem grande, forte, belo. Mani morreu de tristeza depois de ter sido por muito tempo a mulher ofertada pela tribo aos viajantes. A menina disse-me que Mani, a sua mãe, morrera de tristeza. E esta menina se orgulhava do pai porque ele dera um grande amor da vida da sua mãe. Perguntei se ela não tinha raiva do pai que fugira, que partira sem levar os sucos da volta.

Não, ela não tinha nenhuma raiva. O destino do pai não era permanecer. Seu pai era belo por isso mesmo. Soubera amar enquanto estivera com Mani e depois soubera ir quando foi preciso.

Eu quis contar-lhe a minha história.

Respeitei a língua silenciosa daquela minha gente.

E eu não falei nada. Não podia mais mentir.