Lucius Sêneca
Esta é a história de uma menina de quatro anos que esteve vários meses nas mãos de mendigos andarilhos no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo, e que foi trocada por um rádio de pilha de duas faixas.
Esta é a história de uma menina de quatro anos que esteve vários meses nas mãos de mendigos andarilhos no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo, e que foi trocada por um rádio de pilha de duas faixas.
Meses depois, o negócio foi desfeito.
Esta é também a história da morte da pequena Maria Cecília Antunes, num eucaliptal, perto da cidade de Governador Valadares.
Tudo começa quando Nego Pelé, como é conhecido Sebastião Soares da Silva, 25 anos, Maxumira Viana Antunes, seu companheiro Geraldo Gaúcho, e os dois meninos, Maria Cecília Antunes e Renato Antunes, este com 5 anos, filhos de Maxumira e Geraldo, foram para um lugarejo chamado Campo Grande do Espírito Santo, onde o rio Doce ainda é belo, largo, farto e, dizem aqueles que levantam com a aurora, é um espelho no amanhecer.
Eles chegaram muito bêbados e em Campo Grande, encontraram muitos outros mendigos. Teriam, então, aprontado muita confusão e Maxumira, bêbada e nua, cercava as pessoas gritando e com apelos ao prazer, apontando os homens aos montes que nela ainda não haviam adormecidos.
Conta Nego Pelé – o assassino da menina – que uma mulher chamou a polícia: um cabo e um soldado. Com a aproximação dos homens fardados, muitos sumiram, mas Maxumira queria o cabo e com ele teve uma luta demorada. Diz Nego Pelé que ela quase bateu no cabo da polícia. Geraldo Gaúcho fugiu e nunca mais foi visto por ninguém. Dizem que ele atravessou o espelho do rio Doce. Depois que tudo serenou e a polícia desapareceu, Nego Pelé ficou com as duas crianças.
A estrada
O três – Nego Pelé e os meninos Renato e Maria Cecília – rondaram muitos dias pelas proximidades da cadeia, na expectativa de que Maxumira fosse libertada. Não aconteceu. Às vezes, eles escutavam os gritos de Maxumira, às vezes o choro e, na madrugada, sem estar bêbada, as gargalhadas gostosas de Maxumira feliz. Maria Cecília olhava para Renato e o irmão abaixava a cabeça. Um dia, os soldados deram uma surra em Nego Pelé. Seu ombro ficou sem pele.
Esta é também a história da morte da pequena Maria Cecília Antunes, num eucaliptal, perto da cidade de Governador Valadares.
Tudo começa quando Nego Pelé, como é conhecido Sebastião Soares da Silva, 25 anos, Maxumira Viana Antunes, seu companheiro Geraldo Gaúcho, e os dois meninos, Maria Cecília Antunes e Renato Antunes, este com 5 anos, filhos de Maxumira e Geraldo, foram para um lugarejo chamado Campo Grande do Espírito Santo, onde o rio Doce ainda é belo, largo, farto e, dizem aqueles que levantam com a aurora, é um espelho no amanhecer.
Eles chegaram muito bêbados e em Campo Grande, encontraram muitos outros mendigos. Teriam, então, aprontado muita confusão e Maxumira, bêbada e nua, cercava as pessoas gritando e com apelos ao prazer, apontando os homens aos montes que nela ainda não haviam adormecidos.
Conta Nego Pelé – o assassino da menina – que uma mulher chamou a polícia: um cabo e um soldado. Com a aproximação dos homens fardados, muitos sumiram, mas Maxumira queria o cabo e com ele teve uma luta demorada. Diz Nego Pelé que ela quase bateu no cabo da polícia. Geraldo Gaúcho fugiu e nunca mais foi visto por ninguém. Dizem que ele atravessou o espelho do rio Doce. Depois que tudo serenou e a polícia desapareceu, Nego Pelé ficou com as duas crianças.
A estrada
O três – Nego Pelé e os meninos Renato e Maria Cecília – rondaram muitos dias pelas proximidades da cadeia, na expectativa de que Maxumira fosse libertada. Não aconteceu. Às vezes, eles escutavam os gritos de Maxumira, às vezes o choro e, na madrugada, sem estar bêbada, as gargalhadas gostosas de Maxumira feliz. Maria Cecília olhava para Renato e o irmão abaixava a cabeça. Um dia, os soldados deram uma surra em Nego Pelé. Seu ombro ficou sem pele.
Assim, entre outras coisas, ele soube que Maxumira ficaria presa, devido à agressão ao cabo, e como ela era uma mulher ainda bonita não seria maltratada, mas que ele e as crianças deveriam sair do Espírito Santo, pois ali não era lugar de forasteiros. Os três foram para a estrada e viajaram muitos dias a pé. Subiam o rio, a paixão maior de Nego Pelé. O menino ficou na pequena Alpercatas, entregue a uma mulher chamada de Donana, que mora do lado do cemitério.
A viagem continuou com Nego Pelé e a menina indo em direção a Governador Valadares. Na estrada encontraram, entre os grupos de maloqueiros, João Batista Alves, o João Branco. Com ele foi feita a transação. Nego Pelé trocou a menina por um rádio de duas faixas e João seguiu para Goiás onde permaneceu dois meses. O rádio, Nego Pelé vendeu para um comerciante, o seu Benedito, dono de um boteco perto do ponto de apoio da empresa de ônibus Itapemirim, na BR-262. Naquelas imediações, numa mata de eucaliptos, os andarilhos e mendigos construíam suas malocas. Foi ali, naquelas matas de cheiro forte, em um dia do mês de agosto, que morreu Cecília, a menina de quatro anos, filha de Maxumira e Geraldo Gaúcho.
A viagem continuou com Nego Pelé e a menina indo em direção a Governador Valadares. Na estrada encontraram, entre os grupos de maloqueiros, João Batista Alves, o João Branco. Com ele foi feita a transação. Nego Pelé trocou a menina por um rádio de duas faixas e João seguiu para Goiás onde permaneceu dois meses. O rádio, Nego Pelé vendeu para um comerciante, o seu Benedito, dono de um boteco perto do ponto de apoio da empresa de ônibus Itapemirim, na BR-262. Naquelas imediações, numa mata de eucaliptos, os andarilhos e mendigos construíam suas malocas. Foi ali, naquelas matas de cheiro forte, em um dia do mês de agosto, que morreu Cecília, a menina de quatro anos, filha de Maxumira e Geraldo Gaúcho.
Ela não sabia rir, “iria aprender” segundo seu Benedito.
Com a volta de João Branco de Goiás, ele procurou Nego Pelé para desfazer o negócio e receber o rádio de volta, mas não houve como desfazer: ele não aceitava a devolução da menina e nem tinha como devolver o rádio. Agora, só com a roupa do corpo, suja e podre, Nego Pelé resistia em aceitar a menina. João Branco deixou a menina dormindo ao lado de um braseiro e sumiu sem exigir nada pela mercadoria que tinha o defeito de comer. As brasas apagavam-se e a menina se encolhia em busca de calor.
O crime
Sobre este crime – a morte de Maria Cecília – existem algumas questões não esclarecidas e muitas contradições. Ela teria sido violentada por Nego Pelé e morrido um mês depois, com uma inchação na barriga. Preso em Goiás, João Branco confessou o crime. Assim, indiciado e processado João Branco sustenta sua confissão.
O crime
Sobre este crime – a morte de Maria Cecília – existem algumas questões não esclarecidas e muitas contradições. Ela teria sido violentada por Nego Pelé e morrido um mês depois, com uma inchação na barriga. Preso em Goiás, João Branco confessou o crime. Assim, indiciado e processado João Branco sustenta sua confissão.
Nego Pelé, preso na capital do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, também confessou o crime, depois que foi apontado à polícia como autor da morte de Maria Cecília por uma mendiga nova e desdentada a Quininha, Maria Joaquina da Cunha.
Alto, forte, vestindo calça de tergal limpa e com várias cicatrizes e feridas na cabeça, Nego Pelé olhava esperto para um crucifixo na parede, para os olhos das pessoas, para as mãos e, correndo atrás dos sonhos, quis escapar. “Confessei porque sou um homem doente e não agüento mais o pau”. O policial observa e ri. “Nego você não precisa confessar nada. Outro já está sendo processado. Não há porque fugir”.
De lá no teto, os olhos de Pelé param e caem.
“Fiz maldades, sim, fiz maldades com a menina. Quis apanhar minha mulher em Caratinga. Ela não quis me acompanhar na estrada e eu já não podia mais parar em lugar nenhum. Quis deixar a menina, mas ela tava com a mesma maldição minha: a estrada. A estrada é um lugar enorme, sem fim, sem feitio, sem dono. Sai de madrugada e a primeira parada já foi com a menina, esperta e cada vez mais forte do que eu ou eu cada vez mais fraco. Fui pensando só coisas de corpo quente, coisas da rua, só isto... e agora? Minha mulher tá aqui comigo, está lá para os lados da Central do Brasil o nome dela é Rosa Maria da Penha e tem um menino no colo. Filho dela”.
“Ela, a menina, não morreu no dia. Fiquei com medo quando a barriga dela começou a inchar. Dei Maria Cecília para uma mulher e no mês de setembro ela morreu”.
Quininha, Maria Joaquina, grávida, uma velha de 26 anos, teve dúvidas e medo. Eu vi que Nego Pelé preferiu a menina na hora do crime. Conheci Nego Pelé na estação rodoviária de Governador Valadares. A menina muito esperta já estava com ele. Carinhoso com ela, ele a espancava para que pedisse esmolas. Depois, encontrei com ele no meio dos eucaliptos. Um lugar bonito e de muita sombra. Vi com estes dois olhos a menina nua, Nego Pelé com um calção cinza claro, dois litros de pinga vazios, dizendo que ela iria aprender a rir como a mãe dela, a Maxumira. A menina chorava e acalentando-a deu-lhe um murro que tirou sangue da boca. Ele me olhou e eu fugi.
Quininha, Maria Joaquina, grávida, uma velha de 26 anos, teve dúvidas e medo. Eu vi que Nego Pelé preferiu a menina na hora do crime. Conheci Nego Pelé na estação rodoviária de Governador Valadares. A menina muito esperta já estava com ele. Carinhoso com ela, ele a espancava para que pedisse esmolas. Depois, encontrei com ele no meio dos eucaliptos. Um lugar bonito e de muita sombra. Vi com estes dois olhos a menina nua, Nego Pelé com um calção cinza claro, dois litros de pinga vazios, dizendo que ela iria aprender a rir como a mãe dela, a Maxumira. A menina chorava e acalentando-a deu-lhe um murro que tirou sangue da boca. Ele me olhou e eu fugi.
Ao deixar a sala de interrogatório, na delegacia, um policial perguntou como é que Nego Pelé fazia para andar grandes distâncias com a menina. “A maior parte do tempo, ela viajava comigo”.
- Como? Insistiu o detetive.
- Ela cansava e eu carregava a menina no cangote. E isto era quase todo o tempo.
Os detetives riem. Nego Pelé também ri.
- Ela cansava e eu carregava a menina no cangote. E isto era quase todo o tempo.
Os detetives riem. Nego Pelé também ri.