quarta-feira, 21 de outubro de 2009

UMA HISTÓRIA DE JARDINS


(para Ana Luísa)

O menino não conheceu nenhum coelho que falasse, nenhum burrinho, nenhuma estrela. Ele não achou nada de mais quando conheceu uma mulher que falava com as plantas, eram conversas demoradas, viu que ela passava horas com as rosas, rosas de todas as cores, rosas muito bonitas. Comparava a beleza das rosas naquele jardim, construído em um espaço lateral da casa - sempre em canteiros provisórios.

Tudo era precário em volta, as paredes tinham seus rebocos caídos, suas pinturas já sem cor. Aquele jardim de todas as flores e de todas as cores era um jardim na lateral da casa.

O menino observava a mulher conversando com as plantas. Uma conversa normal entre pessoas adultas. Para aquela mulher aqueles eram os seus grandes momentos de alegria e era todo o seu grande mundo.

Mais tarde, onde não tinha mais espaço para jardins, as plantas surgiam (e as flores) em todos os tipos de vasos e o menino já quase rapaz viu tampas de pasta dental transformarem-se em vasos de flores portentosas, que mal se equilibravam.

Rapaz acompanhava, olhando distraído, a mulher que conversava cheia de felicidade com as plantas que lhe sobravam. Mais tarde, ele descobriria que havia uma memória das plantas que ficaram nas várias cidades e nas várias casas por onde ela passara. A história desta mulher seria uma história de seus jardins. Do apartamento na avenida Carandai à casa da rua Safira, no Prado, uma revolução. O espaço disponível na casa transformou-se em 22 jardins. Mais uma vez, a lateral da casa transformou-se em um jardim e com uma providência, imediata, por aquele portão ninguém passaria. Toda a lateral isolada para as suas plantas.

Nenhuma janela ficou de fora e até no segundo andar da casa, os vasos tomaram conta do pequeno terraço. Jardins para todos os lados e nenhuma ocupação para ninguém. As plantas eram dela e ela, apenas ela, cuidava das plantas. Apenas ela conversava com as plantas.

O orgulho daquele rapaz foi plantar uma mangueira bonita nas margens do rio Grande, na represa de Furnas. Ela sempre pedia informações sobre a mangueira, tinha certeza de que fora plantada no lugar certo, segundo suas instruções e que se transformaria numa grande e bela árvora dando frutos e sombra para quatro residências.

No apartamento da rua Cel. Fulgêncio, no São Lucas, ela plantou seu último jardim, uma floresta, com um belo pé de acerola e até pinheiros para serem transferidos para a casa de campo de sua filha, em Macacos; uma filha que ela arrancou para a vida com o mistério de suas plantas e de suas raízes.