quarta-feira, 21 de outubro de 2009

QUAL ERA MESMO O FILME?




Uma tarde de sol, chuva, 

muita chuva, 

uma tarde de futebol 

e de muitas vitórias









Isabella viveu uma tarde especial.

Primeiro, arrancaram a mão direita do jogador de boliche,  A. Munsen, triturando-a na máquina de devolução da bola.

Depois de uma bebedeira de 17 anos, o campeão de Ohio voltou ao jogo para um novo desafio: disputar, como treinador, 1 milhão de dólares a competição de boliche da pequena e grande cidade de Reno, nos EUA.

O grupo formado em torno do maneta e ex-jogador, A. Munsen, tinha uma vadia e um religioso Amish, descoberto pelo Munsen, para ser treinado e preparado para a grande disputa.

- Este filme, tragédia e comédia, propõe uma metáfora criativa para questionar valores: o que é a felicidade? Quais são as metas, os objetivos, na vida de um homem? O significado da vida dos trapaceiros. O que é um jogo e o que significa trapacear e ganhar um jogo? A figura dos religiosos jogadores (primeiro, um padre, o que tritura a mão de Munsen, depois o religioso Amish, que praticava o esporte escondido).

Os três, Munsen, a vadia e o religioso cunham-se como perdedores, vítimas de vigaristas, que serão também grandes vencedores, também tornam-se grandes vigaristas, quando passam a trapacear para arrecadar o dinheiro que os financiaria para a disputa.

Esta discussão de valores quer se dar entre a superficialidade de uma produção cinematográfica comercial e a retratação de uma realidade.

Mas também pergunta: O que é importante na vida?

Na disputa, eles perdem. E eles também ganham. O religioso salva sua comunidade, o ex-jogador aceita o recomeço e reconquista sua vida e a mulher descobre o amor.

Isabella está apaixonada pelo filme. Fala, fala e fala.

Chega a chuva às 4 da tarde. Caem pequenas pedras de gelo, martelando telhados, vidros, janelas e o chão. Tem ritmo e som, ritmo que torna-se intenso e ritmo que pára de uma vez. São pancadas de chuvas de pedra.

- Vamos antes que a chuva fique mais forte.

Teríamos que sair para buscar Thiago às 4h50m. Cautelosos sairíamos 50 minutos antes. Partimos do bairro Santa Efigênia, na região Leste. 

Encaramos a chuva de pedra e corremos em direção à região Norte, passaríamos pela Pampulha, pelo Mineirão, onde às 18h30m começaria o jogo do Cruzeiro x Corinthians.

Jogo de decisão do campeonato nacional e ali, em volta, movimentavam-se mais de cem mil pessoas. Uma massa vestida de azul. 

Trânsito conturbado, mas fluindo tranquilamente até a Avenida Antônio Carlos, nas imediações do Mineirão.

Neste trecho, a chuva torna-se forte, o vento destrói faixas e caem palmas das palmeiras, tornando lento e cauteloso o fluxo dos carros, obrigados a desviar de novos obstáculos.

Depois da entrada do Mineirão, ainda na Avenida Antônio Carlos, o céu escurece. Um breu pra valer e muita água.

De frente para nós, do outro lado das avenidas, indo em direção ao centro, filas enormes de carros com faróis acesos.

Víamos apenas os faróis e ouvíamos o forte som do vento e da chuva.

Subimos o morro e no cruzamento da Avenida Antônio Carlos com a avenida Santa Cruz, quase impossível continuar. Alguns carros param na pista da direita. Vejo que o local é perigoso.

- Pai, vamos parar um pouco e esperar a chuva passar.

Isabella está preocupada.

A visibilidade é quase nenhuma. Chove dentro do carro, principalmente pela minha porta que fora arrombada.

Não penso em parar, senão no posto de gasolina, do outro lado da barragem.

Era realmente perigoso parar na pista da direita, onde concentravam-se os carros vindos das duas direções.

Desço o acesso entre a barragem e a pista do aeroporto, meu velho caminho de ida para o Instituto Santo Inácio.

No asfalto, a pista dá boa vazão à água. Mais na frente, antes da nova subida para voltar à Avenida Antônio Carlos, o carro apaga.


O volume de água no chão é grande e molhou alguma peça do sistema elétrico do carro.

Não entendo nada, nem de mecânica e nem de eletricidade.

Isabella está com medo. Explico para ela que vou sair para colocar o triângulo e ela não quer que eu saia. Está com medo e chora.

- Pai, não sai.


Um apelo com lágrimas e muito medo. Explico que devo sair para nossa segurança.

- Eu saio também.

Ela afirma e movimenta-se no banco decidida.

- Fique aí. É rápido. Dentro do carro você está segura.

- Pai, não sai.

Ela faz novo e sentido apelo, chorando.

Abri a porta e a chuva entrou forte com uma lambada de vento, molhando também Isabella.

Para que ela confiasse mais, tive que deixar a porta aberta.

- Pai, não sai.

É seu último apelo. Ela tremia de medo.

Ao abrir a porta, vi que na frente havia um outro Fiat, talvez da mesma idade do nosso, parado, e já com o triângulo colado.

Ensopado, tive dificuldade de colocar o triângulo em pé, ele tinha a base quebrada.

Os carros, devagar, desviavam.

Voltei, molhado, sentei no banco molhado e chutei:

“Vamos esperar secar o que molhou e ir tentando fazer o carro pegar.”

 Pelo barulho, achei que daria. Expliquei para  Isabella o que faríamos.

- Cadê o celular, pai?

Esquecera o celular e aquele trecho era distante de tudo. Estávamos isolados entre a barragem da lagoa da Pampulha e a pista do aeroporto.

A água não diminuía de volume.

Apostava que, como chuva de verão, passaria. O dia inteiro o sol estivera muito forte, sem nenhuma nuvem no céu.

Agora, aquele aguaceiro violento, barulhento e o tempo escuro.

Do lado da barragem, estava o acampamento de uma construtora que consertava um defeito na base da barragem.

(A barragem está afundando e a qualquer momento pode haver um rompimento, a primeira onda será de mais de 15 metro de altura, ainda na pista do aeroporto e arrasará tudo na descida do vale até o bairro Aarão Reis, me dissera tempos atrás, um engenheiro da Sudecap).

O carro pegou. Agora, o segundo tempo.

Antes do supermercado Via Brasil, na subida da avenida, o carro morreu de novo. Não andamos nem um quilômetro. Paramos bem debaixo de uma corrente de água que caia do viaduto da avenida Portugal.

Vinte metros atrás, outro carro pifado. Os carros desviavam, mas um Corcel quase bateu, freiando em cima da gente.

Tirei Isabella do carro e ela ficou protegida debaixo do viaduto, onde vários motoqueiros esperavam a chuva passar.

Uma manobra e dei maior proteção ao carro.

Ficamos abraçados, os dois, olhando a chuva e o trânsito. Esperaríamos e tentaríamos mais uma vez.

A chuva diminuiu e, depois de várias tentativas, o carro ligou novamente. O trânsito estava engarrafado, na nossa frente uma fila de mais de dez ônibus.

Na frente, teríamos que tomar uma decisão. Ir até o quarteirão que deu origem ao engarrafamento ou procurar um desvio. No quarteirão, ficamos sabendo que uma árvore caiu tomando toda a pista. Não havia alternativa. Era voltar de ré e procurar o desvio. Ré. Ré? Este era um dos dramas do carro.

Às vezes não funcionava. Perfeita, a ré funcionou. Nem mascar, mascou. Desviamos e deu para ver a enorme copa verde ocupando toda a faixa de asfalto das pistas da Avenida Antônio Carlos no sentido centro-bairro.

Vencemos esta etapa e éramos heróicos-vencedores esta tarde.

Apanhamos Thiago, deixamos ele na casa da rua Dante e fomos ver o jogo pela televisão na casa do meu pai. 



Domingo, 13 de dezembro de 1998, das 16h às l8h
Isabella tinha nove anos.