
Para os dois, Conrad, o chileno, e Juan Carlos, um outro chileno
- Não deixei rastro pelas terras onde andei nem nas mulheres que amei. Eu sou Conrad, o tripulante!
- Ele é Conrad, o louco – gritou o outro chileno, Juan Carlos.
- Eu...Conrad, o louco? Bem capaz, possível. Talvez louco para aqueles que não me conhecem e nem me conheceram, que jamais me conhecerom. Estes jamais me conhecerão. Você esteve, uma vez, comigo em Santiago, na Calle Libertad. Lembre, você me deu carona na sua camioneta.
- Eu não sei quem você é. Não discutamos isso, pois é bom que ninguém saiba e que nada disso chegue aos ouvidos da polícia. Estas paredes tem ouvidos.
- Gravadores, tambien!
Conrad volta-se para mim e explica que, em Atenas, ninguém se lembra de que Sócrates estivera parado ali, no mesmo lugar onde ele parara um cidadão ateniense e perguntara por Sócrates.
Diz que é chileno por amor ao socialismo e que é tripulante não por profissão, sequer por vocação, mas por amor ao colorido do mundo.
“Ouço as vozes dos gregos, ouço suas palavras e saiba que o idioma que mais se parece com o seu, o português, pela sonoridade, é o grego”.
- Eu gostaria de saber em que lugar do mundo meu amigo Conrad, o massagista, enlouqueceu?
Percebi que Conrad não gostara de nenhuma palavra da frase de Juan. Lugar do mundo? Massagista? Conrad logo se recuperou.
- Não sou louco, Juan. Sou fantástico. Caminhe, velho, pelos Andes e procure com aqueles índios caminhar sobre os mesmos abismos que andei, se meta naqueles séculos de brancura, o vôo da águia em busca da vida... a vertigem.
- Conrad, somos diferentes. Você decidiu pela fantasia. Eu sou um revolucionário.
- Você é um ladrão.
- Depende do lado em que você está.
- Eu admiro os ladrões, Juan.
- Eu não.
Conrad apanha sua coberta de jornais, costurados com palitos de fósforos e deita.
- Juan, T, vocês me conheceram no Chile, sabem quem eu sou. Ninguém duvida das minhas proezas. Eu amei as mais belas mulheres.
Deitado, silencioso, depois de um bom tempo, ainda o silêncio, ouve-se a voz sonolenta de Conrad, o chileno tripulante e revolucionário.
- Estive em Cantão... lá tem tão poucas latrinas.
Momentos depois, a cela ainda em silêncio, ouve-se sua voz, claramente, como se ele num passe de mágica houvesse se recuperado daquela sonolência:
- Em Cantão tem tão poucas latrinas. Ou os chineses portugueses não fazem merda ou, então, são muitos os que deixam de fazer.
Novo silêncio, é madrugada na Baía da Guanabara e os presos da Praça Marechal Âncora, ao lado da Praça 15 e da Estação das Barcas, ouvem o chileno.
- O mundo não devia ter fronteiras. Tenho saudade de muitos lugares, de lugares dos quais esqueci o nome e a história. Não esqueci, claro, a minha história nesses lugares. Esqueci nomes embora não tenha esquecido as pessoas. Daqui vou para o Paraguai. Terra pobre, uevon. Mulheres. No te trabes la língua. Understand?
- Escute, Conrad, esta tarde, esta noite, esta madrugada vai terminar. Você conhece os versos daquele poeta que chama a noite?
- A enfermeira antiquíssima?
- Este poeta é um líder.
- Todos os verdadeiros líderes são poetas. Todos os revolucionários são poetas e os verdadeiros poetas são revolucionários. T, sabe porque viajo? Porque um dia morreu em mim coisas antigas. Meus pés nunca chegaram a ter raízes e eu tive medo de ser igual a Danilo e de me deixar devorar por Mariana, por uma mulher.
Corand foi embora primeiro. Despediu sem dizer uma única palavra. Também ao se sair nunca se sabia o destino de ninguém. Se para a liberdade da rua? Se para outra prisão? Se para ser executado? Depois foi Juan Carlos. Naquela ocasião Conrad tinha vinte e nove anos.
*
Trinta anos depois, Juan Carlos, em vários lugares, mandava me buscar para devorar uma refeição. Em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, ele mostrou-me uma estante. Uma estante repleta de livros novos e velhos, livros amarelados. Havia uma fileira de álbuns. Era a história perseguida de Conrad. Sua verdadeira história.
- Ele foge como um lince. Aqui, nestas fotos um pouco de sua história, um pouco, um poquito, compañero..
Juan acreditava que, aquele seu amigo, mais do que espalhar-se pelo mundo, realizara o sonho de todos nós, vivera com os homens e as mulheres, com todos os cantos, praias e mares, em todos os países possíveis, visíveis e vivíveis.
- Não deixei rastro pelas terras onde andei nem nas mulheres que amei. Eu sou Conrad, o tripulante!
- Ele é Conrad, o louco – gritou o outro chileno, Juan Carlos.
- Eu...Conrad, o louco? Bem capaz, possível. Talvez louco para aqueles que não me conhecem e nem me conheceram, que jamais me conhecerom. Estes jamais me conhecerão. Você esteve, uma vez, comigo em Santiago, na Calle Libertad. Lembre, você me deu carona na sua camioneta.
- Eu não sei quem você é. Não discutamos isso, pois é bom que ninguém saiba e que nada disso chegue aos ouvidos da polícia. Estas paredes tem ouvidos.
- Gravadores, tambien!
Conrad volta-se para mim e explica que, em Atenas, ninguém se lembra de que Sócrates estivera parado ali, no mesmo lugar onde ele parara um cidadão ateniense e perguntara por Sócrates.
Diz que é chileno por amor ao socialismo e que é tripulante não por profissão, sequer por vocação, mas por amor ao colorido do mundo.
“Ouço as vozes dos gregos, ouço suas palavras e saiba que o idioma que mais se parece com o seu, o português, pela sonoridade, é o grego”.
- Eu gostaria de saber em que lugar do mundo meu amigo Conrad, o massagista, enlouqueceu?
Percebi que Conrad não gostara de nenhuma palavra da frase de Juan. Lugar do mundo? Massagista? Conrad logo se recuperou.
- Não sou louco, Juan. Sou fantástico. Caminhe, velho, pelos Andes e procure com aqueles índios caminhar sobre os mesmos abismos que andei, se meta naqueles séculos de brancura, o vôo da águia em busca da vida... a vertigem.
- Conrad, somos diferentes. Você decidiu pela fantasia. Eu sou um revolucionário.
- Você é um ladrão.
- Depende do lado em que você está.
- Eu admiro os ladrões, Juan.
- Eu não.
Conrad apanha sua coberta de jornais, costurados com palitos de fósforos e deita.
- Juan, T, vocês me conheceram no Chile, sabem quem eu sou. Ninguém duvida das minhas proezas. Eu amei as mais belas mulheres.
Deitado, silencioso, depois de um bom tempo, ainda o silêncio, ouve-se a voz sonolenta de Conrad, o chileno tripulante e revolucionário.
- Estive em Cantão... lá tem tão poucas latrinas.
Momentos depois, a cela ainda em silêncio, ouve-se sua voz, claramente, como se ele num passe de mágica houvesse se recuperado daquela sonolência:
- Em Cantão tem tão poucas latrinas. Ou os chineses portugueses não fazem merda ou, então, são muitos os que deixam de fazer.
Novo silêncio, é madrugada na Baía da Guanabara e os presos da Praça Marechal Âncora, ao lado da Praça 15 e da Estação das Barcas, ouvem o chileno.
- O mundo não devia ter fronteiras. Tenho saudade de muitos lugares, de lugares dos quais esqueci o nome e a história. Não esqueci, claro, a minha história nesses lugares. Esqueci nomes embora não tenha esquecido as pessoas. Daqui vou para o Paraguai. Terra pobre, uevon. Mulheres. No te trabes la língua. Understand?
- Escute, Conrad, esta tarde, esta noite, esta madrugada vai terminar. Você conhece os versos daquele poeta que chama a noite?
- A enfermeira antiquíssima?
- Este poeta é um líder.
- Todos os verdadeiros líderes são poetas. Todos os revolucionários são poetas e os verdadeiros poetas são revolucionários. T, sabe porque viajo? Porque um dia morreu em mim coisas antigas. Meus pés nunca chegaram a ter raízes e eu tive medo de ser igual a Danilo e de me deixar devorar por Mariana, por uma mulher.
Corand foi embora primeiro. Despediu sem dizer uma única palavra. Também ao se sair nunca se sabia o destino de ninguém. Se para a liberdade da rua? Se para outra prisão? Se para ser executado? Depois foi Juan Carlos. Naquela ocasião Conrad tinha vinte e nove anos.
*
Trinta anos depois, Juan Carlos, em vários lugares, mandava me buscar para devorar uma refeição. Em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, ele mostrou-me uma estante. Uma estante repleta de livros novos e velhos, livros amarelados. Havia uma fileira de álbuns. Era a história perseguida de Conrad. Sua verdadeira história.
- Ele foge como um lince. Aqui, nestas fotos um pouco de sua história, um pouco, um poquito, compañero..
Juan acreditava que, aquele seu amigo, mais do que espalhar-se pelo mundo, realizara o sonho de todos nós, vivera com os homens e as mulheres, com todos os cantos, praias e mares, em todos os países possíveis, visíveis e vivíveis.