
A arte de se fazer amar
pela própria mulher
W.W. Bley
“Que coisa triste, meu bom compadre,
sentir inveja de um animal.”
(Arraial, Renato Teixeira)
“A arte é antes de tudo, um esforço para
dominar os outros.
Há, evidentemente, várias maneiras
de dominar ou procurar dominar
os outros; a arte é uma delas”.
(Fernando Pessoa)
I
Introdução
Quem faz a provocação é La Bruyère, em Os caracteres, ao perguntar se “não se poderia descobrir a arte de se fazer amar por sua própria mulher?” Já se passaram mais de 311 anos, três séculos, e como ninguém se atreveu a produzir tal arte, descobri-la e revelá-la, eu me dispus a encarar a tarefa. Depois de uma longa, demorada e ampla consulta entre historiadores, sociólogos, psicólogos e amigos, começamos a aventura. Não há como não ser uma aventura coletiva. Uma aventura não tanto da inteligência e muito menos da erudição, talvez daí o fato dos mais sábios terem deixado tema tão banal de lado. O arrepio é que não se pode considerar tão banal a própria vida (talvez parte mais substancial dela e que diz respeito à felicidade em sua quase totalidade). Valeria um esforço, uma tentativa, até mesmo pela anti-erudição e pela anti-inteligência: enfim, quantos não tentaram o impossível e hoje os homens atravessam os céus, circulando os continentes e oceanos. Os mares intergaláticos ainda serão navegados, com toda certeza.
Imaginava uma aventura e logo revelou-se que, ao contrário de ser uma aventura no deserto, seria uma aventura na multidão. Não seria também uma aventura na selva, nem no mundo do gelo ou em escaladas himalaicas. Nada disso, bem plano, terra a terra, sem mosquitos, perigos silenciosos ou riscos permanentes. Nada disso, mas seria uma aventura.
Porque ninguém se atreveu a produzir tal arte? Seria por que nenhum ser humano normal e equilibrado, em sã consciência, jamais perderia tempo com uma estupidez tamanha? Para que se fazer amar por uma mulher, depois de 20, 30 anos de vida em comum? O melhor não seria se fazer amar por uma outra mulher?
A arte de se fazer amar pela próxima mulher seria mais convidativo e teria mais apelo? A experiência acumulada jamais será fator desagregador e inibidor para um novo relacionamento.
Enfim, a arte de se fazer amar pela própria mulher seria, antes de mais nada, pura perda de tempo.
Ou melhor, não seria perda de tempo por ser esta arte inviável?
Ou será por que jamais homem algum em qualquer época, em qualquer idade, em qualquer lugar obteve um único resultado positivo?
Quem faz a provocação é La Bruyère, em Os caracteres, ao perguntar se “não se poderia descobrir a arte de se fazer amar por sua própria mulher?” Já se passaram mais de 311 anos, três séculos, e como ninguém se atreveu a produzir tal arte, descobri-la e revelá-la, eu me dispus a encarar a tarefa. Depois de uma longa, demorada e ampla consulta entre historiadores, sociólogos, psicólogos e amigos, começamos a aventura. Não há como não ser uma aventura coletiva. Uma aventura não tanto da inteligência e muito menos da erudição, talvez daí o fato dos mais sábios terem deixado tema tão banal de lado. O arrepio é que não se pode considerar tão banal a própria vida (talvez parte mais substancial dela e que diz respeito à felicidade em sua quase totalidade). Valeria um esforço, uma tentativa, até mesmo pela anti-erudição e pela anti-inteligência: enfim, quantos não tentaram o impossível e hoje os homens atravessam os céus, circulando os continentes e oceanos. Os mares intergaláticos ainda serão navegados, com toda certeza.
Imaginava uma aventura e logo revelou-se que, ao contrário de ser uma aventura no deserto, seria uma aventura na multidão. Não seria também uma aventura na selva, nem no mundo do gelo ou em escaladas himalaicas. Nada disso, bem plano, terra a terra, sem mosquitos, perigos silenciosos ou riscos permanentes. Nada disso, mas seria uma aventura.
Porque ninguém se atreveu a produzir tal arte? Seria por que nenhum ser humano normal e equilibrado, em sã consciência, jamais perderia tempo com uma estupidez tamanha? Para que se fazer amar por uma mulher, depois de 20, 30 anos de vida em comum? O melhor não seria se fazer amar por uma outra mulher?
A arte de se fazer amar pela próxima mulher seria mais convidativo e teria mais apelo? A experiência acumulada jamais será fator desagregador e inibidor para um novo relacionamento.
Enfim, a arte de se fazer amar pela própria mulher seria, antes de mais nada, pura perda de tempo.
Ou melhor, não seria perda de tempo por ser esta arte inviável?
Ou será por que jamais homem algum em qualquer época, em qualquer idade, em qualquer lugar obteve um único resultado positivo?
Efetivamente, não há registros.
Ninguém teria conseguido realizar este feito e amar a sua própria mulher? Quantos feitos mais engenhosos e mais complicados não foi capaz o ser humano, o homem, e com que coragem, destemor e com quantos sacrifícios e mortes? Atravessou o Bojador, conquistou o cume do Himalaia, alcançou os espaços siderais, pousou na Lua, chegou em Marte, bota os olhos em galáxias jamais imaginadas, mas não conseguiu dobrar a própria mulher, trepar em seus mais altos cumes, jamais chegou a lugar nenhum com a sua própria mulher.
Efetivamente, não há registros.
Ou melhor, não seria por que uma mulher amadurecida, experiente, jamais se deixaria, em tempo algum, ser conquistada por um homem cujos macetes, trejeitos, mentiras, verdades, hipocrisias, santidades, ela conhece de trás para a frente e da frente para trás?
Veja, bom amigo, a questão gera controvérsias, dúvidas e muitas indagações. Outras, você mesmo deve ter feito. Algumas respostas cada um têm. Para se construir uma arte, entretanto torna-se necessária alguma ciência, que delimite o objeto de estudo, os experimentos e as análises. Assim, antes da arte, primeiramente, vamos construir a ciência da conquista da sua própria mulher.
II
Maquiavel e Frieiro
“...o casamento é o fojo (*) de apanhar onças
que a sociedade arma aos homens”.
Ou melhor, não seria por que uma mulher amadurecida, experiente, jamais se deixaria, em tempo algum, ser conquistada por um homem cujos macetes, trejeitos, mentiras, verdades, hipocrisias, santidades, ela conhece de trás para a frente e da frente para trás?
Veja, bom amigo, a questão gera controvérsias, dúvidas e muitas indagações. Outras, você mesmo deve ter feito. Algumas respostas cada um têm. Para se construir uma arte, entretanto torna-se necessária alguma ciência, que delimite o objeto de estudo, os experimentos e as análises. Assim, antes da arte, primeiramente, vamos construir a ciência da conquista da sua própria mulher.
II
Maquiavel e Frieiro
“...o casamento é o fojo (*) de apanhar onças
que a sociedade arma aos homens”.
Sinistrose conjugal, in O Elmo de Mambrino,
Eduardo Freiro, pg 203, Imprensa Oficial, 1971, BH
Três séculos depois, o desafio de Jean de La Bruyère continua. Entre os inúmeros relatos de experiências nesta arte, destacam-se os deixados por Nicolau Maquiavel, um século antes, que tão bem tratou da arte do príncipe que o tornou criador da ciência política.
Em “O Príncipe”, talvez a mais indicada para a composição da arte e da ciência de se fazer amar pela própria mulher, ele trata da conquista e manutenção do poder pelo príncipe, o como conquistar e como manter este poder.
Seu relato sobre a triste sina do arquidiabo Belfagor busca respostas para as crises do matrimônio com o arqui-diabo como investigador. O detetive Belfagor sai do seu conforto no Inferno e vem para a terra com uma missão: encontrar as razões para tantos desentendimentos no casamento e que levam o homem a preferir o inferno a viver com a sua mulher. Experiência que os registros do Inferno jamais deletaram. É infernal.
Importantes e recentes são as contribuições do escritor e pensador mineiro Eduardo Frieiro. A questão subsiste, mesmo depois do breve desvio da psicanálise e agora explode como uma exigência, uma necessidade de sobrevivência.
Ensaísta e resenhador, Frieiro registra em O Elmo do Mambrino, livro que reúne artigos publicados em jornais, a tragédia do escritor francês Marcel Jouhandeau: o casamento.
Diz Frieiro: “A felicidade de Jouhandeau como autor começou com a sua infelicidade conjugal”. Todos os livros, mais de 40 volumes, falam da sua vida conjugal. Em 1938, Marcel Jouhandeau ganha o “Prêmio Lasserre” pelo conjunto da obra, época em que publica Chroniques maritales.
“Esta obra é uma espécie de confissão pública de um marido exasperado que desnuda a intimidade do casamento, registrando diariamente, como num aparelho de rigorosa perfeição, as ações e reações conjugais de sua companheira – sua inimiga”.
“Godeau, personagem de Jouhandeau, nas Chroniques, era grande e forte, mas na sua fortaleza, até então inexpugnável, penetrou insidiosamente a mulher, e o propugnáculo irredutível para logo se transformou numa cidade aberta, ocupada pelo inimigo”.
“Não encontrei em Eliza nem socorro material, nem amizade, nem aliança, nem sombra de reconhecimento, nem ao menos piedade, mas encargos, cuidados, rivalidades, hostilidades, dureza de coração”. (Chroniques)
“Eu nunca tive, não tenho e certamente jamais terei mais imortal inimigo do que ela, a tal ponto que, se eu me sentisse doente, pediria antes de nada que me subtraíssem a sua guarda e cuidados.” (Chroniques)
Estes depoimentos, experiências, análises, aqui recolhidos permitem, hoje, propor a sistematização da arte de se fazer amar pela própria mulher.
(*) Fojo sm 1. Cova funda, cuja abertura se tapa ou disfarça com ramos a fim de que nela caiam animais ferozes. 2. Sorvedouro de águas, de lama etc. 3.Lugar muito fundo num rio. 4. Caverna, gruta, furna. 5. Brás N NE Armadilha para apanhar ratos ou caça miúda. (Aurélio)
III
Maquiavel e o seu Príncipe do Inferno
Maquiavel cumpria rigorosamente um ritual. Passava as tarde com seus amigos em um bar, na vila, bebendo, jogando e ouvindo histórias. À noite quando, em casa, preparava-se para o seu encontro com os clássicos. Vestia sua mais fina roupa. O ambiente era preservado. Não podia haver intrusos e nada poderia incomodá-lo. Era o seu respeito aos pensadores antigos. Mas foi das discussões com os seus companheiros de bar que surgiram as suas indagações sobre as relações do homem e da mulher, ouvindo histórias, observações e análises dos homens do seu tempo. Um dos resultados deste trabalho, colhido no século XVI, foi a pequena grande obra “Belfagor, o Arquidiabo, a fábula do diabo que casou”. Livro de cabeceira de Sigmund Freud, esta obra relata e resgata o verdadeiro sentido do amor entre um homem e uma mulher numa das cidades mais românticas da Europa, Florença (?).
Não podemos nos esquecer que por causa de uma Lucrécia, Maquiavel foi condenado à morte. O crime: sodomia. Desta condenação ele escapou, não da tortura, teve o corpo esticado até admitir que comeu o que comeu, como também não escapou nem do processo
IV
Eduardo Freiro, pg 203, Imprensa Oficial, 1971, BH
Três séculos depois, o desafio de Jean de La Bruyère continua. Entre os inúmeros relatos de experiências nesta arte, destacam-se os deixados por Nicolau Maquiavel, um século antes, que tão bem tratou da arte do príncipe que o tornou criador da ciência política.
Em “O Príncipe”, talvez a mais indicada para a composição da arte e da ciência de se fazer amar pela própria mulher, ele trata da conquista e manutenção do poder pelo príncipe, o como conquistar e como manter este poder.
Seu relato sobre a triste sina do arquidiabo Belfagor busca respostas para as crises do matrimônio com o arqui-diabo como investigador. O detetive Belfagor sai do seu conforto no Inferno e vem para a terra com uma missão: encontrar as razões para tantos desentendimentos no casamento e que levam o homem a preferir o inferno a viver com a sua mulher. Experiência que os registros do Inferno jamais deletaram. É infernal.
Importantes e recentes são as contribuições do escritor e pensador mineiro Eduardo Frieiro. A questão subsiste, mesmo depois do breve desvio da psicanálise e agora explode como uma exigência, uma necessidade de sobrevivência.
Ensaísta e resenhador, Frieiro registra em O Elmo do Mambrino, livro que reúne artigos publicados em jornais, a tragédia do escritor francês Marcel Jouhandeau: o casamento.
Diz Frieiro: “A felicidade de Jouhandeau como autor começou com a sua infelicidade conjugal”. Todos os livros, mais de 40 volumes, falam da sua vida conjugal. Em 1938, Marcel Jouhandeau ganha o “Prêmio Lasserre” pelo conjunto da obra, época em que publica Chroniques maritales.
“Esta obra é uma espécie de confissão pública de um marido exasperado que desnuda a intimidade do casamento, registrando diariamente, como num aparelho de rigorosa perfeição, as ações e reações conjugais de sua companheira – sua inimiga”.
“Godeau, personagem de Jouhandeau, nas Chroniques, era grande e forte, mas na sua fortaleza, até então inexpugnável, penetrou insidiosamente a mulher, e o propugnáculo irredutível para logo se transformou numa cidade aberta, ocupada pelo inimigo”.
“Não encontrei em Eliza nem socorro material, nem amizade, nem aliança, nem sombra de reconhecimento, nem ao menos piedade, mas encargos, cuidados, rivalidades, hostilidades, dureza de coração”. (Chroniques)
“Eu nunca tive, não tenho e certamente jamais terei mais imortal inimigo do que ela, a tal ponto que, se eu me sentisse doente, pediria antes de nada que me subtraíssem a sua guarda e cuidados.” (Chroniques)
Estes depoimentos, experiências, análises, aqui recolhidos permitem, hoje, propor a sistematização da arte de se fazer amar pela própria mulher.
(*) Fojo sm 1. Cova funda, cuja abertura se tapa ou disfarça com ramos a fim de que nela caiam animais ferozes. 2. Sorvedouro de águas, de lama etc. 3.Lugar muito fundo num rio. 4. Caverna, gruta, furna. 5. Brás N NE Armadilha para apanhar ratos ou caça miúda. (Aurélio)
III
Maquiavel e o seu Príncipe do Inferno
Maquiavel cumpria rigorosamente um ritual. Passava as tarde com seus amigos em um bar, na vila, bebendo, jogando e ouvindo histórias. À noite quando, em casa, preparava-se para o seu encontro com os clássicos. Vestia sua mais fina roupa. O ambiente era preservado. Não podia haver intrusos e nada poderia incomodá-lo. Era o seu respeito aos pensadores antigos. Mas foi das discussões com os seus companheiros de bar que surgiram as suas indagações sobre as relações do homem e da mulher, ouvindo histórias, observações e análises dos homens do seu tempo. Um dos resultados deste trabalho, colhido no século XVI, foi a pequena grande obra “Belfagor, o Arquidiabo, a fábula do diabo que casou”. Livro de cabeceira de Sigmund Freud, esta obra relata e resgata o verdadeiro sentido do amor entre um homem e uma mulher numa das cidades mais românticas da Europa, Florença (?).
Não podemos nos esquecer que por causa de uma Lucrécia, Maquiavel foi condenado à morte. O crime: sodomia. Desta condenação ele escapou, não da tortura, teve o corpo esticado até admitir que comeu o que comeu, como também não escapou nem do processo
IV
Como em “A Guerra dos Roses”, o filme
Segundo La Bruyére, existem casais que “passam meses inteiros numa mesma casa sem o menor perigo de se encontrarem”. Ainda hoje há registros de casais que, entrincheirados em suas casas, dividem espaços, áreas de ações militares, como se viver juntos fosse uma guerra permanente, um eterno conflito de ordem militar, onde se faz prisioneiros, se tortura, elimina-se, expropria-se, violenta-se, onde não se pode confiar na sombra.
São casais que desenvolvem uma guerra violenta em um espaço reduzido, a própria casa. Alguns reduzem este espaço de conflito ao próprio quarto. Outros, à própria cama. Na miniatura desta guerra estabelecem áreas para o conflito, em todos os níveis, com setores preservados para negociações. Há, por exemplo, o Quarto das Decisões Não Cumpridas, Dos Acordos Desfeitos, a Trincheira das Negociações na Cama. Na área de Tensão Extrema os riscos são totais e fatais, devido aos constantes bombardeios de tomates e lançamentos de todo tipo de objetos, desde travesseiros até objetos de metal e de vidro.
V
A arte de amar-se
“O amor é a unidade conjunta criada
pela alternância do envolvimento
passional e da indiferença criativa”.
Tao, extraído do livro
pela alternância do envolvimento
passional e da indiferença criativa”.
Tao, extraído do livro
A arte da separação, de Igor Caruso
A proposta da arte tem uma primeira parte que se dedica apenas ao essencial que é a arte de se fazer amar propriamente dita. Não se poderia olvidar o essencial. Ninguém conseguiria se fazer amar por quem quer que seja, ainda mais pela própria mulher, se não se amasse, se não tiver em relação a si mesmo um conhecimento de suas boas qualidades e de algumas de suas possibilidades. É o amor essencial. Não se trata aqui de um simples, “primeiro eu”, de um egoísmo doentio, de uma vocação à masturbação de um grande e ignominioso ego.
Elementar, se você nem mesmo se conhece pode não saber o que está perdendo. Investigue-se, procure os detalhes da sua vida, mas vá com cuidado para não queimar-se e nem se perder em detalhes, “como são lindos os meus olhos”. Não se apaixone pela sua identidade constante de nome, filiação, nascimento, localidade. O reducionismo não leva nada a não ser atender a interesses policialescos de uma estrutura em fase de eliminação.
Como, então, amar-se a si mesmo? Atravessada a fase do desafio do Templo de Delfos, conheça-se a si mesmo, o que você conheceu, ame. É feio, ame sua feiúra. É torto, ame sua deformidade. Nada impede o amor que uma pessoa pode e deve ter pelas suas características. E o belo? O desafio é o mesmo do feio. É belo, ame sua beleza. Tanto o belo quanto o feio são atraídos a também resumirem suas identidades nestes detalhes. É uma face do reducionismo na identidade, agora já atingindo o prazer estético.
Para amar a mulher ou para se separar de uma mulher, o homem deve considerar estas duas etapas e considerá-las apenas como preliminares do grande jogo de sua vida. A preliminar mais substantiva é a que considera o “amar-se a si mesmo” diferenciando-o do amor próprio em si, do amor próprio puro, que se resume em atitudes de defesa e de agressividade de pessoas cuja base de personalidade radica-se no orgulho.
Propomos a conquista da própria mulher. Agora, vamos ao avesso para que possamos, vendo do outro lado, identificar este ponto que é único tanto para manter como para desfazer um relacionamento: o amor a si mesmo.
Quando procurei o livro “A arte da separação”, de Igor Caruso, Cortez Editora/Diadorim, queria lê-lo ao contrário como a arte de não se separar. A leitura de uma obra com esta característica considera, aprioristicamente, resolvida a questão da decisão tomada.
Decidido a se separar, aí se parte para a fundamentação do “como” se separar, o que, por sua vez, leva à consideração dos caminhos disponíveis, das decisões complementares. Como se separar? Preparando-se. A base da preparação é o amar-se.
O autor de Arte da Separação considera a construção deste sentimento de amor por si mesmo como tão importante que passa no capítulo 4 denominado “Futuro próximo” uma série de informações para que se consiga este prodígio de amar-se a si mesmo e indica os caminhos para o “desenvolvimento criativo do próprio potencial” e também as veredas para se “viver plenamente”.
Diz ele que “existem alguns fundamentos existenciais dos quais ninguém pode abrir mão se quiser sentir-se razoavelmente satisfeito com a própria vida:
1. saber aceitar-se tal como é, sem ficar eternamente buscando um “ter que ser” diferente;
2. dar a prioridade devida aos próprios interesses e aos próprio desejos”.
... “Saber amar-se é, para muitas pessoas, uma arte muito difícil, implicitamente relacionada com a capacidade real de amar os outros; e saber alegrar-se significa também tornar-se capaz de ser fonte de alegria. Eis que o primeiro sinal verdadeiro de um crescimento positivo da pessoa chega quando ela organiza e vive criativamente o próprio presente, com a atenção voltada para seus verdadeiros e profundos desejos”.
Em seguida, ele indica algumas sugestões com indicações “que podem ajudar a desenvolver criativa e harmonicamente a própria personalidade:
1. Antes de mais nada, é essencial aprender a distinguir os sentimentos e as necessidades que nos animam daqueles que, apesar de identificados como nossos, na realidade nos são estranhos, impostos por papéis culturais e sociais preestabelecidos;
2. É importante saber correr os riscos que se apresentam, concedendo-se, sem muitas ansiedades, a permissão de errar. O medo de errar muitas vezes paralisa qualquer ação, mantendo a pessoa na imobilidade. Uma vida sem erros é uma vida sem crescimento pessoal;
3. É útil impor-se objetivos realistas, isto é, ao alcance das próprias possibilidades e capacidades, e fixar novas metas somente depois de ter alcançado as primeiras, evitando dessa maneira o acúmulo de coisas para fazer. É exatamente isso que muitas vezes inibe qualquer resultado;
4. Observar de vez em quando os próprios progressos e tomar consciência deles (por exemplo, diminuição dos comportamentos auto-destrutivos ou dos sentimentos de derrota) só pode fazer bem, encorajando a continuar a nova vida;
5. A situação na qual se vive deve ser considerada como consequência pura e simples das próprias opções de vida, e não uma realidade inevitável que nos atingiu de fora, independentemente da nossa vontade;
6. Ser afirmativo e determinado é a base essencial para tornar-se uma pessoa autônoma e responsável. Sem uma vontade exercitada no sentido de afirmar-se (em qualquer âmbito) não é possível mover-se de maneira autônoma;
7. .......
8. Ter medo do incerto, do inesperado e, em geral, do que não se conhece constitui uma reação natural nos momentos de transtorno da própria vida. É preciso entender, porém, que se trata de um temor da vida enquanto tal, e não de um medo fundado e determinado pela situação real”.
VI
Cornologia dos conflitos
A proposta da arte tem uma primeira parte que se dedica apenas ao essencial que é a arte de se fazer amar propriamente dita. Não se poderia olvidar o essencial. Ninguém conseguiria se fazer amar por quem quer que seja, ainda mais pela própria mulher, se não se amasse, se não tiver em relação a si mesmo um conhecimento de suas boas qualidades e de algumas de suas possibilidades. É o amor essencial. Não se trata aqui de um simples, “primeiro eu”, de um egoísmo doentio, de uma vocação à masturbação de um grande e ignominioso ego.
Elementar, se você nem mesmo se conhece pode não saber o que está perdendo. Investigue-se, procure os detalhes da sua vida, mas vá com cuidado para não queimar-se e nem se perder em detalhes, “como são lindos os meus olhos”. Não se apaixone pela sua identidade constante de nome, filiação, nascimento, localidade. O reducionismo não leva nada a não ser atender a interesses policialescos de uma estrutura em fase de eliminação.
Como, então, amar-se a si mesmo? Atravessada a fase do desafio do Templo de Delfos, conheça-se a si mesmo, o que você conheceu, ame. É feio, ame sua feiúra. É torto, ame sua deformidade. Nada impede o amor que uma pessoa pode e deve ter pelas suas características. E o belo? O desafio é o mesmo do feio. É belo, ame sua beleza. Tanto o belo quanto o feio são atraídos a também resumirem suas identidades nestes detalhes. É uma face do reducionismo na identidade, agora já atingindo o prazer estético.
Para amar a mulher ou para se separar de uma mulher, o homem deve considerar estas duas etapas e considerá-las apenas como preliminares do grande jogo de sua vida. A preliminar mais substantiva é a que considera o “amar-se a si mesmo” diferenciando-o do amor próprio em si, do amor próprio puro, que se resume em atitudes de defesa e de agressividade de pessoas cuja base de personalidade radica-se no orgulho.
Propomos a conquista da própria mulher. Agora, vamos ao avesso para que possamos, vendo do outro lado, identificar este ponto que é único tanto para manter como para desfazer um relacionamento: o amor a si mesmo.
Quando procurei o livro “A arte da separação”, de Igor Caruso, Cortez Editora/Diadorim, queria lê-lo ao contrário como a arte de não se separar. A leitura de uma obra com esta característica considera, aprioristicamente, resolvida a questão da decisão tomada.
Decidido a se separar, aí se parte para a fundamentação do “como” se separar, o que, por sua vez, leva à consideração dos caminhos disponíveis, das decisões complementares. Como se separar? Preparando-se. A base da preparação é o amar-se.
O autor de Arte da Separação considera a construção deste sentimento de amor por si mesmo como tão importante que passa no capítulo 4 denominado “Futuro próximo” uma série de informações para que se consiga este prodígio de amar-se a si mesmo e indica os caminhos para o “desenvolvimento criativo do próprio potencial” e também as veredas para se “viver plenamente”.
Diz ele que “existem alguns fundamentos existenciais dos quais ninguém pode abrir mão se quiser sentir-se razoavelmente satisfeito com a própria vida:
1. saber aceitar-se tal como é, sem ficar eternamente buscando um “ter que ser” diferente;
2. dar a prioridade devida aos próprios interesses e aos próprio desejos”.
... “Saber amar-se é, para muitas pessoas, uma arte muito difícil, implicitamente relacionada com a capacidade real de amar os outros; e saber alegrar-se significa também tornar-se capaz de ser fonte de alegria. Eis que o primeiro sinal verdadeiro de um crescimento positivo da pessoa chega quando ela organiza e vive criativamente o próprio presente, com a atenção voltada para seus verdadeiros e profundos desejos”.
Em seguida, ele indica algumas sugestões com indicações “que podem ajudar a desenvolver criativa e harmonicamente a própria personalidade:
1. Antes de mais nada, é essencial aprender a distinguir os sentimentos e as necessidades que nos animam daqueles que, apesar de identificados como nossos, na realidade nos são estranhos, impostos por papéis culturais e sociais preestabelecidos;
2. É importante saber correr os riscos que se apresentam, concedendo-se, sem muitas ansiedades, a permissão de errar. O medo de errar muitas vezes paralisa qualquer ação, mantendo a pessoa na imobilidade. Uma vida sem erros é uma vida sem crescimento pessoal;
3. É útil impor-se objetivos realistas, isto é, ao alcance das próprias possibilidades e capacidades, e fixar novas metas somente depois de ter alcançado as primeiras, evitando dessa maneira o acúmulo de coisas para fazer. É exatamente isso que muitas vezes inibe qualquer resultado;
4. Observar de vez em quando os próprios progressos e tomar consciência deles (por exemplo, diminuição dos comportamentos auto-destrutivos ou dos sentimentos de derrota) só pode fazer bem, encorajando a continuar a nova vida;
5. A situação na qual se vive deve ser considerada como consequência pura e simples das próprias opções de vida, e não uma realidade inevitável que nos atingiu de fora, independentemente da nossa vontade;
6. Ser afirmativo e determinado é a base essencial para tornar-se uma pessoa autônoma e responsável. Sem uma vontade exercitada no sentido de afirmar-se (em qualquer âmbito) não é possível mover-se de maneira autônoma;
7. .......
8. Ter medo do incerto, do inesperado e, em geral, do que não se conhece constitui uma reação natural nos momentos de transtorno da própria vida. É preciso entender, porém, que se trata de um temor da vida enquanto tal, e não de um medo fundado e determinado pela situação real”.
VI
Cornologia dos conflitos
ou a cronologia dos conflitos
A) - O primeiro conflito surge, exatamente, no momento do conhecimento. Quem sou eu? Quem sou eu para você? Como você irá me conhecer? Como eu irei me abrir para você? Revelarei de mim as partes positivas e negativas? Revelarei o anjo que sou? E o bandido? Revelarei também? Quem é você?
Este é um momento onde se construirá a infraestrutura do conhecimento de duas vidas.
Respondidas, mal respondidas, respondidas pela metade, estas questões estarão sempre de volta. Quantas vezes você não ouviu alguém dizer: Você não era assim. Você não gostava de futebol quando eu te conheci. Você é outro, nem parece aquele homem que eu conheci na praia. Você me enganou. Você não é aquela pessoa que eu conheci. Você não é quem eu imaginei.
Sobre a conquista
A condição da conquista muitas vezes impõe um jogo de mentiras, em que de alguma forma há um comprometimento mútuo. É o “me engana que eu gosto”.
Com a rapidez em que se dão as relações, hoje, fica difícil a exigência de um maior conhecimento além do visual, onde sempre o mais belo e/ou o mais rico se destacam, tornam-se as únicas informações a considerar tanto pelo homem quanto pela mulher. Muitas vezes é a bela presença, a bela conversa, o belo relacionar-se que predominam na conquista, que nada têm com o conviver, com o dia a dia, com o construir uma vida comum.
A hipótese do viver junto, a vida em comum, se revela relegada a um plano secundário ao se considerar as obrigações que irão limitar e nortear o relacionamento. Ainda não estamos considerando a hipótese do casamento como a instituição do viver junto. Uma forma artificial de vida, mas com características de coerção e de submissão lastreadas na base da sociedade estatal.
A Teoria do Engano, formulada no século II dC, pelo filósofo árabe Saber El-al Ali Naas, da Catalunha, afirma que o jogo do engano é sempre duplo. Para que haja engano há a necessidade de se ter pelo menos duas pessoas. Um pode ter utilizado de mais recursos e até da mentira. Na teoria, o equilíbrio é permanente e nas relações institucionais formadas pelo homem e pela mulher prevalecem (1) a certeza de que o destino jamais está escrito e (2) a certeza de que a solidão é possível a dois.
A Teoria do Engano pressupõe duas situações
a) o engano pode enganar o próprio engano, isto é, quando o jogo é plenamente consciente, tanto A quanto B sabem que estão sendo enganados e aprofundam, ampliam e redimensionam o engano,
b) um único está sendo enganado, sabe que está sendo enganado, aceita o engano e favorece/facilita todas as situações criadas pelo enganador.
B) - O segundo conflito entre um homem e uma mulher surge nas primeiras horas da vida em comum.
O pássaro pintado ou a teoria da destruição da personalidade
Quem fará o que?
Divididas as tarefas, alguém será lesado e mudo iniciará a revanche. Nesta fase são inúmeras e imperdíveis as oportunidades de brigas e de atritos violentos. Aparece a obsessão do controle e é o início do mais cruel episódio do relacionamento. Trata-se da “destruição da personalidade”. É cruel porque não se trata de uma simples guerra conjugal, uma guerra entre sexos, mas da destruição sistemática do indivíduo enquanto sujeito e porque envolve o aprimoramento do esquema de auto-conhecimento, do conhecimento do outro, da moldagem (escultural) da outra personalidade e, enfim, da sua destruição.
Teoria do Autor de Teatro. Chega-se, muitas vezes, a um nível de sofisticação em que A cria sobre B uma personalidade C, com aspectos particulares, com atitudes, com palavras que jamais B teria ou diria, mas aspectos, atitudes, palavras que B acaba se convencendo de que são suas, de que é ele a figura caricata criada a partir de atitudes e palavras.
B se torna C e como C é destruído.
Como se trata de uma montagem sofisticada de uma peça de teatro, que jamais será representada em outro palco, esta construção de uma personalidade denomina-se Teoria do Autor de Teatro em que se supõe a possibilidade de, no dia a dia, de duas pessoas, uma criar como um autor uma peça de teatro, cujos textos são ensaiados no sentido de se criar para a personalidade B uma personagem C, que B acaba assimilando-se como ator, sem saber, muitas vezes, que está sendo criado, dirigido e programado pelo autor A.
- B vive lendo (B nunca lê).
- B vive na tv (B raramente vê tv)
- B é permissivo, extremamente permissivo (ele nem mesmo sabe o que é ser permissivo)
- B não estabelece limites (B sequer questionou-se sobre limites)
- B é fronteiriço - aí ele se esbalda, gosta do termo, embora não concorde muito com o sentido dado, aceita o termo imaginando-se um homem que ultrapasse fronteiras.
Assim, B é tornado C, um outro que não é ele e é sumariamente pulverizado, pois ele é, exatamente, o personagem a ser destruído.
C) - O terceiro conflito constitue-se na formação familiar, propriamente dita, quando surge a figura do filho. O novo indivíduo que entra em cena traz uma marca complexa para o grupo: sua individualidade.
É filho, mas é indivíduo.
É criança, mas é indivíduo.
É um ser a ser protegido, mas é indivíduo.
Esta presença nem sempre é considerada, além da trepada. Não é fruto de amor. É fruto da porra. O respeito ao indivíduo é negado, antes mesmo de sua concepção, sempre durante a gestação, permanentemente durante a formação da individualidade e sua edificação. Sempre e permanentemente, esta negação do outro (o filho) é feita em nome do amor. Um amor sempre egoísta, sempre destruidor, sempre castrador, sempre “protetor”.
Família é conflito, um conflito essencial. Na aparência um eficiente recurso institucional de controle social desde o monoteísmo-monogamismo-fim-da-“sociedade matriarcal”. Não houve fim da sociedade matriarcal, nem predomínio da sociedade patriarcal. Houve, sim, uma manobra secular de propagação de controles, onde a mulher, submetida a um aparente papel submisso, se torna pivô da grande crise de caráter da humanidade. O amor não é amor, a família não é família, a sociedade não é sociedade. Pior do que uma invasão de seres extra-terrenos que destroem cérebros e personalidades, a constituição da “sociedade” é feita contra não apenas a própria sociedade, mas na destruição permamente, diária, do homem e da mulher.
D) - O quarto conflito - que abrigará todo um capítulo propugnador da necessidade da arte de se fazer amar pela própria mulher - trata da relação sexual do casal, do homem, da mulher e é base fundamental para estas análises as observações coletadas por W. Reich.
E) - O quinto conflito ou episódio é o relato do conflito nas separações. Muitas vezes, a separação começa no primeiro dia de conhecimento, mas homem e mulher têm uma tendência para a idiotia e, a grande maioria, resolve “ir tentando”. Esta tentativa de sobrevivência dos dois pode durar décadas e ao fim de cem anos de vida em comum, chega-se à conclusão de que não valeu a pena tentar sobreviver: a vida inutilizou-se.
Outras vezes, a separação explode no momento mais belo e amoroso da vida. Nestes momentos, a separação explode mesmo, embora nem sempre os apaixonados percebam o tamanho da explosão e nem os seus efeitos danosos. Alguns coçamos ouvidos incomodados, mas se recusam a ouvir.
Outras, no total esgarçamento das relações, de repente as pessoas se encontram tão distantes que nem mesmo há a necessidade de se separar. São dois trapos, dois pedaços dispersos de gente, que se perdem e se embaralham como afirma o compositor: “meu paletó enlaça o seu vestido” (Chico Buarque).
“ Haverá mulher que aniquile ou enterre o marido a ponto de não se fazer mais menção alguma sobre ele: vive ainda, não vive mais? Duvida-se. Na própria família só serve para dar exemplo de tímido silêncio e de perfeita submissão. Não lhe são devidos nem dotes nem respeito; mas, fora isto, e o fato de não dar à luz, ele é a esposa e ela, o marido. Passam meses inteiros numa mesma casa sem o menor risco de se encontrarem: na verdade, são apenas vizinhos. Ele paga o açougueiro e o cozinheiro e foi sempre nos aposentos dela que se ceou. Às vezes nada têm de comum, nem a cama, nem a mesa, nem mesmo o nome: vivem à romana ou à grega; cada qual tem o seu; e só com o tempo, e após estar-se iniciado no diz-que-diz-que da cidade, é que se chega a saber que o Sr. B... é publicamente, há vinte anos, o marido da sra. L...”
A) - O primeiro conflito surge, exatamente, no momento do conhecimento. Quem sou eu? Quem sou eu para você? Como você irá me conhecer? Como eu irei me abrir para você? Revelarei de mim as partes positivas e negativas? Revelarei o anjo que sou? E o bandido? Revelarei também? Quem é você?
Este é um momento onde se construirá a infraestrutura do conhecimento de duas vidas.
Respondidas, mal respondidas, respondidas pela metade, estas questões estarão sempre de volta. Quantas vezes você não ouviu alguém dizer: Você não era assim. Você não gostava de futebol quando eu te conheci. Você é outro, nem parece aquele homem que eu conheci na praia. Você me enganou. Você não é aquela pessoa que eu conheci. Você não é quem eu imaginei.
Sobre a conquista
A condição da conquista muitas vezes impõe um jogo de mentiras, em que de alguma forma há um comprometimento mútuo. É o “me engana que eu gosto”.
Com a rapidez em que se dão as relações, hoje, fica difícil a exigência de um maior conhecimento além do visual, onde sempre o mais belo e/ou o mais rico se destacam, tornam-se as únicas informações a considerar tanto pelo homem quanto pela mulher. Muitas vezes é a bela presença, a bela conversa, o belo relacionar-se que predominam na conquista, que nada têm com o conviver, com o dia a dia, com o construir uma vida comum.
A hipótese do viver junto, a vida em comum, se revela relegada a um plano secundário ao se considerar as obrigações que irão limitar e nortear o relacionamento. Ainda não estamos considerando a hipótese do casamento como a instituição do viver junto. Uma forma artificial de vida, mas com características de coerção e de submissão lastreadas na base da sociedade estatal.
A Teoria do Engano, formulada no século II dC, pelo filósofo árabe Saber El-al Ali Naas, da Catalunha, afirma que o jogo do engano é sempre duplo. Para que haja engano há a necessidade de se ter pelo menos duas pessoas. Um pode ter utilizado de mais recursos e até da mentira. Na teoria, o equilíbrio é permanente e nas relações institucionais formadas pelo homem e pela mulher prevalecem (1) a certeza de que o destino jamais está escrito e (2) a certeza de que a solidão é possível a dois.
A Teoria do Engano pressupõe duas situações
a) o engano pode enganar o próprio engano, isto é, quando o jogo é plenamente consciente, tanto A quanto B sabem que estão sendo enganados e aprofundam, ampliam e redimensionam o engano,
b) um único está sendo enganado, sabe que está sendo enganado, aceita o engano e favorece/facilita todas as situações criadas pelo enganador.
B) - O segundo conflito entre um homem e uma mulher surge nas primeiras horas da vida em comum.
O pássaro pintado ou a teoria da destruição da personalidade
Quem fará o que?
Divididas as tarefas, alguém será lesado e mudo iniciará a revanche. Nesta fase são inúmeras e imperdíveis as oportunidades de brigas e de atritos violentos. Aparece a obsessão do controle e é o início do mais cruel episódio do relacionamento. Trata-se da “destruição da personalidade”. É cruel porque não se trata de uma simples guerra conjugal, uma guerra entre sexos, mas da destruição sistemática do indivíduo enquanto sujeito e porque envolve o aprimoramento do esquema de auto-conhecimento, do conhecimento do outro, da moldagem (escultural) da outra personalidade e, enfim, da sua destruição.
Teoria do Autor de Teatro. Chega-se, muitas vezes, a um nível de sofisticação em que A cria sobre B uma personalidade C, com aspectos particulares, com atitudes, com palavras que jamais B teria ou diria, mas aspectos, atitudes, palavras que B acaba se convencendo de que são suas, de que é ele a figura caricata criada a partir de atitudes e palavras.
B se torna C e como C é destruído.
Como se trata de uma montagem sofisticada de uma peça de teatro, que jamais será representada em outro palco, esta construção de uma personalidade denomina-se Teoria do Autor de Teatro em que se supõe a possibilidade de, no dia a dia, de duas pessoas, uma criar como um autor uma peça de teatro, cujos textos são ensaiados no sentido de se criar para a personalidade B uma personagem C, que B acaba assimilando-se como ator, sem saber, muitas vezes, que está sendo criado, dirigido e programado pelo autor A.
- B vive lendo (B nunca lê).
- B vive na tv (B raramente vê tv)
- B é permissivo, extremamente permissivo (ele nem mesmo sabe o que é ser permissivo)
- B não estabelece limites (B sequer questionou-se sobre limites)
- B é fronteiriço - aí ele se esbalda, gosta do termo, embora não concorde muito com o sentido dado, aceita o termo imaginando-se um homem que ultrapasse fronteiras.
Assim, B é tornado C, um outro que não é ele e é sumariamente pulverizado, pois ele é, exatamente, o personagem a ser destruído.
C) - O terceiro conflito constitue-se na formação familiar, propriamente dita, quando surge a figura do filho. O novo indivíduo que entra em cena traz uma marca complexa para o grupo: sua individualidade.
É filho, mas é indivíduo.
É criança, mas é indivíduo.
É um ser a ser protegido, mas é indivíduo.
Esta presença nem sempre é considerada, além da trepada. Não é fruto de amor. É fruto da porra. O respeito ao indivíduo é negado, antes mesmo de sua concepção, sempre durante a gestação, permanentemente durante a formação da individualidade e sua edificação. Sempre e permanentemente, esta negação do outro (o filho) é feita em nome do amor. Um amor sempre egoísta, sempre destruidor, sempre castrador, sempre “protetor”.
Família é conflito, um conflito essencial. Na aparência um eficiente recurso institucional de controle social desde o monoteísmo-monogamismo-fim-da-“sociedade matriarcal”. Não houve fim da sociedade matriarcal, nem predomínio da sociedade patriarcal. Houve, sim, uma manobra secular de propagação de controles, onde a mulher, submetida a um aparente papel submisso, se torna pivô da grande crise de caráter da humanidade. O amor não é amor, a família não é família, a sociedade não é sociedade. Pior do que uma invasão de seres extra-terrenos que destroem cérebros e personalidades, a constituição da “sociedade” é feita contra não apenas a própria sociedade, mas na destruição permamente, diária, do homem e da mulher.
D) - O quarto conflito - que abrigará todo um capítulo propugnador da necessidade da arte de se fazer amar pela própria mulher - trata da relação sexual do casal, do homem, da mulher e é base fundamental para estas análises as observações coletadas por W. Reich.
E) - O quinto conflito ou episódio é o relato do conflito nas separações. Muitas vezes, a separação começa no primeiro dia de conhecimento, mas homem e mulher têm uma tendência para a idiotia e, a grande maioria, resolve “ir tentando”. Esta tentativa de sobrevivência dos dois pode durar décadas e ao fim de cem anos de vida em comum, chega-se à conclusão de que não valeu a pena tentar sobreviver: a vida inutilizou-se.
Outras vezes, a separação explode no momento mais belo e amoroso da vida. Nestes momentos, a separação explode mesmo, embora nem sempre os apaixonados percebam o tamanho da explosão e nem os seus efeitos danosos. Alguns coçamos ouvidos incomodados, mas se recusam a ouvir.
Outras, no total esgarçamento das relações, de repente as pessoas se encontram tão distantes que nem mesmo há a necessidade de se separar. São dois trapos, dois pedaços dispersos de gente, que se perdem e se embaralham como afirma o compositor: “meu paletó enlaça o seu vestido” (Chico Buarque).
“ Haverá mulher que aniquile ou enterre o marido a ponto de não se fazer mais menção alguma sobre ele: vive ainda, não vive mais? Duvida-se. Na própria família só serve para dar exemplo de tímido silêncio e de perfeita submissão. Não lhe são devidos nem dotes nem respeito; mas, fora isto, e o fato de não dar à luz, ele é a esposa e ela, o marido. Passam meses inteiros numa mesma casa sem o menor risco de se encontrarem: na verdade, são apenas vizinhos. Ele paga o açougueiro e o cozinheiro e foi sempre nos aposentos dela que se ceou. Às vezes nada têm de comum, nem a cama, nem a mesa, nem mesmo o nome: vivem à romana ou à grega; cada qual tem o seu; e só com o tempo, e após estar-se iniciado no diz-que-diz-que da cidade, é que se chega a saber que o Sr. B... é publicamente, há vinte anos, o marido da sra. L...”
Os Caracteres, 76 - La Bruyère
“Há poucas mulheres bastante perfeitas para impedir que o marido se arrependa, ao menos uma vez por dia, de ter uma esposa, ou de considerar feliz quem não a tenha”
Os Caracteres, 78 - La Bruyère