O imenso vale
Com os olhos, Paco aponta para o Homem do Topo do Mundo.
Eles saíram para o vento frio. Uns loucos. De um lugar aquecido para encarar uma temperatura baixa jogada mais para baixo pelo vento.
Ali, eram os três brasileiros. Brasileiros? Suspeitos. Talvez até mais do que os cubanos que ficaram no rancho de Estelita, agora a mais de 400 km.
E lá embaixo, ao olhar daquelas alturas, era de um silêncio insuportável.
Ali, era tempo curto de passagem, era só tomar fôlego. “Para de bufar tanto”. Paco cortou o riso e olhou chamando a atenção para o Homem do Topo do Mundo.
Caminhavam em direção à fronteira do Brasil com a Bolívia e, naquele momento, só tinham um destino, entrar o mais rápido possível em solo brasileiro.
Paco, Paco Pará ou Pará tinha os mapas e conhecia aquelas passagens.
O dedo indicador da mão esquerda de Paco ficara na poeira da estrada de Santa Cruz de La Sierra.
Bertoldo, Tampa de Marmita, sentou do lado de Amorim. Eles observam o Homem do Topo do Mundo e Pará.
Um está diante do outro; de onde estão, eles percebem que Paraná gesticula, gesticula e, de quando em vez, movimenta os lábios. Se era uma conversa, os dois ainda exploravam como falar, de que forma falar.
Esta cena se repetiria naqueles longos dias e longas noites. Muitas vezes, os dois apareciam do nada, do branco da neve. Uma vez, foi possível perceber um sorriso, um sorriso largado naquela cara imensa do Homem do Topo.
Lá mais embaixo, no trecho da Água ficará a mulher que por quase uma semana alimentara os três com grossas sopas de raízes e peixe.
O primeiro prato fora de uma ave que eles entregaram para ela. Depois de preparada, eles viram que ela arrumara três cantos para eles descansarem. Um ficava sempre de guarda. O primeiro, Pará conseguiu que ela permanecesse parada diante dele, acordada. Ela e ele. Um e a outra. Ela apontava e dizia o nome. Silêncio. Paraná repetia. Ela ria, ria.
No turno do Tampa de Marmita, ele encontrou Pará abraçado com a mulher sem dentes e de pele grossa. Paraná fazia carinhos nos cabelos duros, engomados da mulher.
- Caralho! Ficou louco! Ela é uma velha, cara!
Pará a recostou com carinho.
- Agora, o turno é seu. Boa noite. Até agora nenhum barulho diferente e só as palavras do vento.
- Vento?
- O vento fala muitas vezes mais do que as pessoas. Boa noite, amigo Cabeça Molhada como uma Tampa de Marmita. Esfrie a cuca, cara!
Ainda naquela noite, uma noite que parecia não acabar mais, os três estiveram com a mulher. Uma passagem rápida para se alimentar tornara três dias. Eles deviam continuar. Para eles, o tempo era curto já haviam sido identificados pelos Rangers bolivianos, armados com modernas armas de precisão.
De repente, naquele terceiro dia, eles decidiram ficar mais uma noite. A mulher era só alegria. Eles também, estavam comendo como não comiam há mais de seis meses, quando fizeram o grande jantar de despedida em Ramirez, Montevidéu. E aquela mulher surpreendia os três a cada encontro. Agora, era toda hora, dia e noite; Amorim observava que, com dignidade e beleza, ela tratava os três de maneira diferente. Diferente, ela beijava Pará, assim como eram longos os beijos em Tampa. Sobre estes movimentos, eles falavam pouco. Os quatro gostavam de tudo aquilo. Quando ela se afastava de um e desaparecia do lado de fora da pequena casa, o barulho era apenas de passos que se afastavam e de passos que voltavam. Ao abrir a porta, ela trazia para dentro da casa um perfume que permaneceria na pele de todos.
Quando, eles decidiram continuar a subida, ela os acompanhou carregando a comida necessária para o que seria aquela longa caminhada. Quando a comida acabou, cansada, ela ainda via a sua casa distante.
No momento em que entrariam em uma fenda e não se veriam mais, ela despediu deles e levantou todos os panos de todas as suas saias até a cabeça. E ali ficaram aqueles panos todos um tempão.