Cabra da peste
Para Cláudia e Maristela, de Cascavel, no Paraná
Atravesso uma senhora maré
derrotado na justiça
(porca justiça)
sem ter onde dormir
(e a cama que me oferece,
humilha)
sem ter onde comer
(e a comida que me chega,
humilha)
sem ter os meus filhos
(alguns contra mim)
sem ter sono
(sobrevivo com poucos sonhos)
sem ter o que comer
(e o que como é olhado,
como se fosse furto)
sem ter uma cama
(bem perto dos que
vivem na rua)
estou sem saber nem mesmo
o porquê vivo
(sem razão de viver)
Percorro, todos os dias,
o mesmo caminho
(nem mesmo consigo
cansar)
Sigo, sigo, sigo
Vou seguindo
(nem sei se vou,
se volto)
Procuro meus papéis
(agora espalhados,
um tanto aqui,
outro tanto lá)
Por que cheguei a este ponto
(e somos milhares
de milhões)
Homens, mulheres e crianças
sem a comida
só sem o que comer
sem o que comer mesmo
(bem perto de perder a vida)
Na identificação desta foto, a quase certeza: são sobreviventes de uma enchente |