sábado, 10 de setembro de 2011

NO QUARTEL DEMOLIDO

Com Ulysses e o capitão Lamarca


Para o companheiro que em Cruzeiro do Sul, no Acre, nos acompanhou silencioso



QUARTEL DA PE NO CENTRO HISTÓRICO DE PORTO ALEGRE





1.
Elton, 19 anos, estava preso há poucos dias. Do Chuí, na fronteira, para Santa Maria e depois para o quartel da Polícia do Exército, no centro histórico de Porto Alegre, nas proximidades da escola de engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


Situação delicada. Desde algum tempo, era uma prisão atrás da outra. A última foi no Quartel do Regimento de Obuses, no bairro de Benfica, em Juiz de Fora.


Elton chegou ao quartel em Porto Alegre à noite. O mesmo quartel de onde fugira o coronel Alfredo Daudt (*), em fuga tida como sensacional porque escapara pelo teto. Pelo teto? Ao entrar, uma construção histórica, hoje já demolida, olhei para o teto e o seu forro de madeira. Por ali, teria escapado o coronel, que conhecera em Montevidéu. Fácil? Provavelmente, sim. Com ajuda? Com toda a certeza.


2. Não posso dizer que nada dera certo na jornada de fuga do meu amigo Elton. Ele conseguira escapar de Belo Horizonte, onde era vigiado. Escapara para São Paulo e a fuga fora de ônibus. Até Porto Alegre, a jornada teve poucos momentos de tensão e tudo dera certo. Ia com minhas duas malas, uma cheia de livros, entre eles o Ulysses, de James Joyce.


Folheava o grosso volume entre uma parada e outra. O livro fora editado pela Civilização Brasileira, em tradução de Antônio Houais, que a partir de tantas palavras se tornou um dicionarista – acredito. De qualquer forma sempre se exaltou o mérito do tradutor.


Quando colocaram as suas malas diante dele – as duas apreendidas na rodoviária de Porto Alegre – o general provocou, pois permitiria que ele fosse para a cela com um único livro.


Escolheu o Ulysses.


- Vocês são uns loucos – e ele era louco na seu desejo de vingança contra Brizola e tudo o que pudesse ter relação, mesmo de conflito, com o líder exilado e, no exílio, condenado a viver em Atlântida, uma cidade distante da capital uruguaia.


A loucura que ele apontava em Elton correspondia à escolha do livro. Depois ironizou, “e vocês nos denunciam por torturá-los”.


Talvez, talvez, ele tivesse razão. Não foi assim – um destes talvez corresponderia a uma tendência masoquista de todo leitor, aqueles que deixam de viver para mergulhar em um mundo aberto pela imaginação das palavras. O general poderia, por aí, ter razão.


3.

A cela vazia era dividida em outras duas pequenas celas, estas não tinham nem água e nem privada. Eram as celas de castigo. Caso houvesse outros presos na cela maior, nenhuma comunicação física haveria entre os prisioneiros. A cela grande isolava as duas pequenas celas de dois metros por um metro cada. Celas dentro da cela maior.


Não tinha nenhum preso. Soube pelo general que não havia nenhuma acusação contra ele, Elton Domicano, e que, mesmo assim, fora decretada a prisão provisória por 30 dias, que poderiam ser prorrogada por mais 15 dias. Viria de São Paulo por um oficial para interrogá-lo. O oficial chegaria no dia seguinte.


O que eles queriam saber, eles já sabiam. Elton fugira de BH, depois de ser libertado da prisão em Juiz de Fora. Sabiam que ele tentara despistá-los em Minas, mas que teria, eles suspeitavam, uma missão no Uruguai para onde voltaria, com a desculpa de rever a noiva, também exilada com toda a sua família.


Suspeitavam que o professor Bayard Demarie Boiteaux , que fora secretário nacional do PSB e era apontado como líder do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), ou o engenheiro Moysés Kupermann, o teriam incumbido de levar uma mensagem que, eles sabiam, que se existisse, seria uma mensagem codificada e poderia estar em alguns daqueles volumes.


“Mandarei o livro de Joyce para você depois dele ter sido examinado pelos nossos peritos”.


Recebi o livro dias depois e o general tinha, mais uma vez, a certeza de que eu seria “torturado”. (Seria a conclusão dos peritos?)

Ele riu. Um homem pequeno e enfezado, mas com humor.


“Pode rasgá-lo depois. Será a sua vingança”.



(*) Duas notas sobre este militar

Descanse em paz, Coronel Daudt


Morreu Alfredo Daudt, o capitão da Legalidade

O líder do PDT, deputado Miro Teixeira(RJ) registrou nesta quarta-feira(14),no plenário da Câmara, o falecimento do Coronel-Brigadeiro da Aeronáutica, Alfredo Daudt. O coronel faleceu hoje(14), aos 85 anos, em Porto Alegre. Como capitão, impediu o bombardeamento de Porto Alegre, durante a rebelião cívico-militar, a Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola, para assegurar a posse do Vice-Presidente constitucional João Goulart, em 1961. O Capitão Daudt soube da ordem partida do gabinete do Ministério da Guerra (Exército), assinada pelo então chefe de gabinete general Orlando Geisel ( o Ministro era o marechal Odylo Denys) e organizou um movimento com seus companheiros oficiais e sargentos para esvaziar os pneus dos aviões da Base Aérea de Canoas (próximo a Porto Alegre), de onde partiria a escotilha para promover o que poderia redundar numa carnificina. Na época,o país estava sobressaltado devido ao veto militar à posse de João Goulart, Vice-Presidente da República eleito pelo voto popular, em decorrência da renúncia inesperada do Presidente Jânio Quadros, sete meses depois de assumir o cargo. Leonel Brizola, que era governador do Rio Grande do Sul, liderou a rebelião que contou com a participação de todos os setores da sociedade, incluindo o comandante do III Exército. Alfredo Ribeiro Daudt foi o grande herói da Legalidade, mas pagou um preço alto pela ousadia. Quando ocorreu o golpe militar de 1964, o capitão foi preso e torturado e depois obrigado a exilar-se no Uruguai, onde também se exilara Brizola. Com a anistia, ele foi reintegrado na Aeronáutica, no posto de Coronel-Brigadeiro, mas sua indenização não foi paga até hoje. Ele era casado com Doris Daudt, cuja filha Nereida Daudt casou com José Vicente, filho de Leonel Brizola, de cujo matrimônio nasceu o atual deputado federal Brizola Neto (PDT-RJ).









Pompeo presta homenagem ao Coronel Alfredo Daudt

15/03/2007 ” O deputado Pompeo de Mattos registrou hoje em sessão plenária o pesar pelo falecimentodo do Coronel-Brigadeiro da Aeronáutica, Alfredo Daudt, que entrou para história do Rio Grande do Sul por impedir o bombardeio de Porto Alegre, durante a Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola.

Pompeo ressaltou em seu discurso a essencial intervenção do Coronel Daudt para assegurar a posse do Vice-Presidente constitucional João Goulart, em 1961. “O, na época, Capitão Daudt soube da ordem partida do gabinete do Ministério da Guerra (Exército), assinada pelo então chefe de gabinete general Orlando Geisel (o Ministro era o marechal Odylo Denys) e organizou um movimento com seus companheiros oficiais e sargentos para esvaziar os pneus dos aviões da Base Aérea de Canoas (próximo a Porto Alegre), de onde partiria a escotilha para promover o que poderia redundar numa carnificina.”

“Com o golpe militar de 1964, a ousadia do Corone Daudt acabou custando caro, foi obrigado a exilar-se no Uruguai juntamente com Leonel Brizola, e mais tarde com a anistia, foi reintegrado na Aeronáutica, no posto de Coronel-Brigadeiro”, relatou Pompeo.

Mais informações sobre Daudt

http://sul21.com.br/jornal/2011/08/movimento-dos-sargentos-da-fab-foi-reforcado-pela-figura-de-um-capitao/