Não era dia dos namorados
D´apres
Wander Piroli (*)
Cena se abre
na recepção, agora acolhimento, do ambulatório
Emergência
lotada.
A Mulher,
camisa do time, cara macerada, magra, bermuda, olha para a mulher de bota
ortopédica e muletas que se dirige à recepção.
A Mulher olha com pena.
- Quer
sentar?
- Obrigado.
A Mulher olha preocupada.
- Quebrou o
pé?
- Trincou.
- Senta
aqui.
A Mulher se levanta para dar o lugar. A dona das muletas e de bota agradece.
Vaga um lugar ao lado da mulher de Cara Macerada.
Entra outra mulher de cara macerada, esta muito bêbada, tonta, espancada.
Dois
policiais a acompanham.
- Quem bateu nela?
(Ela faz
cara de preocupada, solidária e será assim em todas as suas abordagens
solícita).
- O marido –
responde a policial fardada.
- Meu marido
também bateu em mim. O que eu faço?
Os policiais dizem que a Mulher Macerada deve procurar a delegacia.
A Mulher
Macerada diz que seu marido chegou de madrugada, bêbado, pediu pinga. Ela deu.
Pediu comida. Ela deu. Depois, antes de dormir, bateu nela.
Na segunda sala do pronto atendimento, aparece um Homem Mancando e com a perna direita inchada. A Macerada o acompanha. É prestativa e está incomodada. Curiosa, quer ajudar as pessoas e se oferece. Quer água? Eu busco. Já foi atendida? Quer ajuda?
Ela se afasta do Homem Que Manca. Ele também está de bermuda.
Olha para
mim e sorri.
- Levei umas
tantas pauladas na perna. Duas pauladas muito fortes e a perna inchou muito.
Dói o inchaço.
Ele sorri e olha para a perna.
- Não sei se
quebrou. Dá para pisar. Dá para andar.
A mulher de Cara Macerada dá a mão e o conduz para uma cadeira.
- Ele
precisa sentar. Eu sento no chão.
Ela é toda atenção com ele. Se ele fecha a cara, fecha a cara para ela.
- Uma criança está ficando roxa, ela grita pelo médico.
É o escândalo.
Ela grita e todos se agitam para salvar a criança, levada para a sala de urgência.
Outra criança, dois anos e nove meses, está desmaiada nos braços da mãe, sob o olhar apreensivo do pai que carrega todas as tralhas, bolsas, mamadeira.
- O que ela
tem?
- Começou quinta-feira,
quando chegou da escola, vômito e diarréia. Doutor Brant receitou Fenergan,
injetável. Acabaram o vômito e a diarréia, mas o corpo dela ficou cheio de
manchas e ela agora está assim. Na madrugada desta segunda-feira, ficamos
apavorados. Ela é uma menina ativa, como todas nesta idade.
- Antes era gastroenterite agora é rotavírus – diz a mulher da Muleta e da Bota.
A Mulher de Cara Macerada recepciona a Mulher Que Também Apanhou do Marido. Parada no corredor, desorientada, sem voz e sem vida. Um ser anestesiado, a Mulher Que Apanhou é conduzida pela Macerada à porta do Raio X.
Em vários momentos, a Macerada está de mãos dadas como Homem Que Levou duas Pauladas Nas Pernas.
Quando o
Homem que Apanhou sai do corredor para ir ao banheiro, ela olha para a Mulher
Zuada e que Apanhou do Marido.
- Marido não
presta. Homem não presta e homem que bate em mulher devia ser preso. Meu marido
bateu em mim esta noite, bateu muito e meu corpo dói inteiro. Dói tudo.
Os dois
estão sentados, um ao lado do outro, de mãos dadas.
Ele entra na
sala de Raio X.
Ela cede seu
lugar para um menino febril. A Mulher Macerada senta no chão
- Ele pediu
uma pinga. Eu dei. E ele chegou bêbado. Ele pediu comida e eu dei. Depois, ele
me encheu de porrada.
O Homem que
Levou Duas Pauladas fortes na perna direita leva o raio x para o ortopedista.
Entra na sala.
A Mulher
Macerada acompanha a Mulher que Apanhou até a sala de Raio X.
Parada no
corredor, ela anuncia que dali iria à delegacia denunciar o marido.
- Ele me bateu muito. Apanhei no corpo todo, Levei porrada direto. E muitas pauladas. Ele quebrou o pau na gente. Muitas pauladas.
- Muitas pauladas - disse o Homem que Levou Duas Pauladas
- Ele me bateu muito. Apanhei no corpo todo, Levei porrada direto. E muitas pauladas. Ele quebrou o pau na gente. Muitas pauladas.
- Muitas pauladas - disse o Homem que Levou Duas Pauladas
(*) Wander
Piroli, in A Máquina de Fazer Amor, Dia dos Namorados