Dentro da selva, no mais
emaranhado da selva, no mais profundo da selva, éramos trinta garimpeiros e
duas cozinheiras.
As mulheres cozinheiras de
garimpo eram mulheres básicas para a sobrevivência do grupo. Entre as suas funções
deviam cozinhar, lavar, arrumar e transar com quem quisesse e equilibrar as
relações entre todos, isto é, não haveria exclusividade e nem privilégios. Nada
de namoro. Nada de paixão.
No meio do mais dentro da
selva e daquele gigantesco silêncio aqueles homens tinham pouco contato com a
civilização, um aparelho de rádio comunicação e a comida lançada de helicóptero
duas vezes por mês. Mais nada.
Para dentro da mata, dentro
ainda do mais absoluto silêncio a cerca de três semanas subindo o caudaloso rio
Juruba vivia um homem de não mais de 50 anos. Seco e forte. Aparentava, no
rosto, ter mais de 80 anos. Vivia sozinho há mais de vinte anos, desde a morte
do seu último companheiro, um irmão mais velho tragado pelas águas em dia de
violência quando tudo era arrastado pela enchente, que naquele dia surgiu de
uma só vez.
Este homem era um homem
calado, de poucas palavras. Com certeza esquecera a maior parte das palavras
que aprendera ao longo daqueles 50 anos. Era um amigo dos garimpeiros. Ao longo
de seis anos aparecera umas quatro ou seis vezes. Chegava silencioso. Seus
passos vinham com o movimento das águas do rio Juruba.
Deixava a canoa distante e se
aproximava cauteloso. Ficava por perto. Aparecia e depois de dois, três dias,
não mais, desaparecia mais silencioso do que o silêncio da floresta e mais
discreto do que os voos dos insetos.
Assim como chegava sumia, sem
que muitas vezes ninguém percebesse. Falava pouco, muito pouco e cumprimentava
a todos com um olhar. Picapau, o garimpeiro de Minas, que mais ficava com ele,
dizia que ele tinha um olhar para o bom dia e um outro olhar para o boa noite.
Isto também no julgamento dos
garimpeiros que concordavam com as observações de Picapau. Com o tempo,
acostumaram com aquele silêncio do Homem da Canoa dentro do silêncio da
floresta. Aprenderam que com o tempo e com as lições do silêncio, todos eles
passaram a cortar palavras inúteis, passaram a falar pouco, gestos substituem
palavras, olhares substituíam palavras e o ritmo da vida do garimpo impôs no
vocabulário o silêncio. Agora eram homens e gestos.
Aquele homem do meio do mais
profundo da mata, daquele silêncio enorme, subia o rio conduzindo sua canoa
pela proa, sem que o seu remar alterasse o romper das águas nas folhas, seu remo
era apenas como mais uma folha deslizando na água.
Os garimpeiros imaginavam a
vida daquele homem e sua solidão, assim quando o garimpo começou a ser
reduzido, não mais que dez homens e as duas mulheres, eles decidiram arranjar
uma das mulheres para o homem do silêncio. A mulher queria ficar naquele
silêncio e ela era a única pessoa que mais tempo ficava com o homem, mais até
mesmo do que o garimpeiro Picapau, lá de Minas.
Muitas vezes, os dois, o
Homem da Canoa e a mulher, ficavam parados, de frente um para o outro, olhando
apenas nos olhos ou através dos olhos.
Assim, combinaram. Da próxima
vez que ele viesse, ela iria com ele. Tudo fora dito e combinado. Tudo foi
dito. Tudo foi combinado. O garimpo poderia, mais tarde, ser reativado e ela
voltaria a cozinhar, lavar, arrumar e transar.
Trinta e dois dias depois, a
canoa parou e o homem silencioso levou a mulher.
Seis meses depois, ele voltou
sozinho e contou o que aconteceu:
Na subida do rio, já
navegavam há sete dias, ele na proa, ela na popa, lá atrás. Em todos estes sete
dias, como sempre, raramente, ele olhava para trás. Com o tempo e com as horas,
com o silêncio e com o navegar, ele esqueceu de que havia uma mulher na sua
canoa.
Ela falou.
Ele assustou. Rápido virou e
acertou-lhe um tiro em cheio no peito da mulher, cujo corpo caiu no rio e foi
devorado pelos peixes carnívoros.

