segunda-feira, 15 de abril de 2013

NO SILÊNCIO DA SELVA







O perigo da fala





Para José Altino Machado



Dentro da selva, no mais emaranhado da selva, no mais profundo da selva, éramos trinta garimpeiros e duas cozinheiras.

As mulheres cozinheiras de garimpo eram mulheres básicas para a sobrevivência do grupo. Entre as suas funções deviam cozinhar, lavar, arrumar e transar com quem quisesse e equilibrar as relações entre todos, isto é, não haveria exclusividade e nem haveria privilégios. Nada de namoro. Nada de paixão.

No meio do mais dentro da selva e daquele gigantesco silêncio aqueles homens tinham pouco contato com a civilização, um aparelho de rádio comunicação e a comida lançada de helicóptero duas vezes por mês. Mais nada.

Para dentro da mata, dentro ainda do mais absoluto silêncio a cerca de três semanas subindo o caudaloso rio Juruba vivia um homem de não mais de 50 anos. Seco e forte. Aparentava, no rosto, ter mais de 80 anos. Vivia sozinho há mais de vinte anos, desde a morte do seu último companheiro, um irmão mais velho tragado pelas águas em dia de violência quando tudo era arrastado pela enchente, que naquele dia surgiu de uma só vez em um só dia.

Este homem era um homem calado, de muitas poucas palavras, com certeza esquecera a maior parte das palavras que aprendera ao longo daqueles 50 anos. Era um amigo dos garimpeiros. Ao longo de seis anos aparecera uma quatro ou seis vezes. Chegava silencioso. Seus passos eram vinham do movimento das águas do rio Juruba.

Deixava a canoa distante e se aproximava cauteloso. Ficava por perto. Aparecia e depois de dois, três dias, não mais, desaparecia mais silencioso do que o silencia da floresta e mais discreto do que os vôos dos insetos. Assim como chegava sumia, sem que muitas vezes ninguém percebesse. Falava pouco, muito pouco e cumprimentava a todos com um olhar. Picapau, o garimpeiro de Minas, que mais ficava com ele, dizia que ele tinha um olhar para o bom dia e um outro olhar para o boa noite.

Isto também no julgamento dos garimpeiros que concordavam com as observações de Picapau e que, com o tempo, acostumaram-se com aquele silêncio do Homem da Canoa dentro do silêncio da floresta. Aprenderam que com o tempo e com as lições do silêncio, todos ele passaram a cortar palavras inúteis, passaram a falar pouco, gestos substituem palavras, olhares substituiram palavras e o ritmo da vida do garimpo impôs no vocabulário o silêncio. Agora eram homens e gestos.

Aquele homem do meio do mais profundo da mata, daquele silêncio enorme, subia o rio conduzindo sua canoa pela proa, sem que o seu remar alterasse o romper das águas na folhas, seu remo era apenas como mais uma folha abraçada pelas águas.

Os garimpeiros imaginavam a vida daquele homem e sua solidão, assim quando o garimpo começou a ser reduzido, não mais que dez homens e as duas mulheres, eles decidiram arranjar uma das mulheres para o homem do silêncio. A mulher queria ficar naquele silêncio e ela era a única pessoa que mais tempo ficava com o homem, mais até mesmo do que o garimpeiro Picapau, lá de Minas.

Muitas vezes, os dois, o Homem da Canoa e a mulher, ficavam parados, de frente um para o outro, olhando apenas nos olhos ou através dos olhos. Assim, combinaram, da próxima vez que ele viesse, ela iria com ele. Tudo seria dito e combinado. Tudo foi dito. Tudo foi combinado. O garimpo poderia, mais tarde, ser reativado e ela voltaria a cozinhar, lavar, arrumar e transar.

Trinta e dois dias depois, a canoa parou, o homem silencioso levou a mulher.

Seis meses depois, ele voltou sozinho e contou o que aconteceu:

Na subida do rio, já navegavam há sete dias, ele na proa, ela na popa. Em todos estes sete dias, como sempre, raramente, ele olhava para trás. Com o tempo e com as horas, com o silencio e com o navegar, ele esqueceu de que havia uma mulher na sua canoa.

Ela falou.

Ele assustou. 

Rápido, virou e acertou-lhe um tiro em cheio no peito.


- Cadê ela?

Picapau perguntou e não esperava resposta.

- Virou espuma.











(História contada pelo garimpeiro José Altino Machado)





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