quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

PALAVRA PERIGOSA







RISCO TOTAL







Adalberto Figo




Você pode ser visto escrevendo

(Cuidado!)

Para que escrever?

(Cuidado!)

Você pode ser visto escrevendo

(Cuidado!)

Leia antes o que está aí             

Vale a auto-censura

antes da auto-entrega                    

(Cuidado!)

Você pode se denunciar

No velho crime da opinião

Crime da palavra

Crime da ideia

Povo precoce

ainda não aprendeu a viver no Estado

Loucos!

Arriscam-se, na aventura da tinta, do papel

(Esqueceram o assassinato de Espinosa

Homem que pensava mas que burro,

Burro, burro, pôs no papel o que pensava

(Cuidado!)

Escrever para que

se nada disso se divulga?

se ninguém saberá do voo?
                    
Escrever para quem


se a palavra não vai?

se até a palavra cai?



Num ponto descoberto


(Cuidado!)


Censure-se sempre censure

o que escreveu ontem


pode ser infração hoje... e olhe lá


Infração, não.

Crime

Crime de lesa majestade

Crime contra o Estado

Pena: morte cruel

Faça a uma revisão

Caso insista em escrever

Ou contrate um revisor

Melhor, um censor

(Estou disponível 24h)

Mesmo assim

(Cuidado!)




Nem no tumulto

de prisões, censuras e editais,

os vocábulos supridos, proibidos,

aprisionados,

serão mais fecundos

sempre serão mais fecundos

que os editais, os cortes e as proibições

e todas as prisões

e do que todos os assassinatos


(Espinosa está aí)

Ah! As palavras, os vocábulos!

Eles saem mais adiante

no cio profundo

na maternidade exultante

de criar

de fazer

do sem amarras