Todos os filas do
mundo
WWBley
I
Eu levei os filas Presente e Futuro, pai e
filho; Zilda, a fila Pass. Com o papel de divulgação do novo canil nas mãos,
levávamos a turma para o Hotel Dos Cães. O papel, desenhado à mão e escrito
com letra fina, afirmava que a nossa região, agora, dispunha de um hotel “primeira
classe” para nossos animais. Reproduzido em copiadora, o papel era recortado em
três partes.
Afinal, era um canil perto de casa, ali na
esquina. Para atender a campainha, apareceu a Cons, Constantina, uma linda
mulher de cabelos negros.
Ela fala sobre as vantagens do seu canil e
eu pensava nelas e nela; ela fala sobre sua experiência com cachorros e eu
pensava nela e em mim; ela fala sobre a estrutura do canil, nos cuidados que
teria com os cachorros e no dia a dia dos animais sobre os seus cuidados e eu
já me via latindo, correndo para os seus braços.
Deixamos lá o Presente, o Futuro e a Pass. Só podiam ficar os cachorros. Só os cachorros?
Avisei que voltaríamos em 15 dias, já pensando
em voltar antes ou até mesmo ainda hoje, antes da viagem, “Veja, esqueci da
coleira... Mais uma coleira não fará falta, temos muitas”.
Ela fugia dos meus
olhares e eu a surpreendia examinando-me escondida. Não havia rubor na pele
branca da face, nem havia qualquer timidez em seu olhar. Ela devia ter muita
experiência com todos os animais.
Naquele meio de filas, dobermans e outras
feras, todos nós seríamos sempre dóceis sob o seu cuidado, sob o seu carinho, debaixo da
sua presença bela, belas pernas, belas coxas, belos lábios, belas mãos.
De repente, o celular
- Esqueceram de trazer os certificados de
vacinação.
Bom, levei os certificados correndo.
Não era ela na porta do canil, meu canil,
minha vida. Era Dora, Doralice, a irmã. Muito mais bonita e com um sorriso
aberto, cheio de dentes. Imaginei, e se todos fossem caninos também. Ela sorriu
ao ouvir meus pensamentos. São normais e não são implantes? Ria como se fosse
eu O Comediante. Ou o vizinho palhaço?
Cons não apareceu para receber os papéis das
vacinas. No último andar da casa, uma cortina estava afastada. Tive certeza de
que a rede estava no mar. Se não viesse peixe, viria a sereia.
Sorri para a cortina e me despedi da
cortina, que se fechou rápida ao flagrante.
II
O Hotel dos Cães fica ao lado do aglomerado
Província Cisplatina, formado por moradores que construíram parte da cidade de
Constantinopla, capital da Barra Grande. Aquele homem imenso, que chegara há
pouco da África Setentrional, deslocava-se com dificuldades e passos lentos, “é
o meu calcanhar de Aquiles”.
É o Seu Filisteu Holmes, construtor e “pedreiro
também”. Nos últimos meses, encalacrara com a ideia de descobrir, primeiro, o
desaparecimento de Miguelzinho, seu melhor e mais ajuizado pedreiro, auxiliar “dos
bons”.
Agora, a morte do pai das meninas donas do Hotel dos Cães era a sua preocupação também. Duas mortes. Fazendeiro,
Asdrubal Bastos, morreu num acidente de carro, na estrada de acesso à fazenda, onde ia sempre com o Miguelzinho, seu Faz Tudo.
Carro destruído e incendiado, a Medicina Legal recuperara pouco dos restos
mortais incinerados do Asdrubal. E Miguelzinho sumido.
Seu Filisteu Holmes volta e meia dizia para
Jandira, a mulher, que iria fazer um orçamento. Ela sabia onde ele ia todas as
vezes que demorava mais de 4 horas.
Era na Medicina Legal, ele pedia para ver o
corpo incinerado. Voltara no IML. Intrigado com o tamanho do corpo incinerado.
Não é o Asdrubal, ele é muito grande. É o Miguelzinho, ele
era muito pequeno.
Holmes, seu Filisteu, relata aos amigos do
bar ZãoZão, em frente à sua casa:
“Na lata, saquei que o corpo era do meu
Miguelzinho. Voltei lá porque, a cada vez que ia lá, ouvia dos médicos, dos
funcionários, dos policiais, frases soltas que me davam uma pista do que podia
ter acontecido."
“Miguelzinho morreu no lugar do fazendeiro.
Dias depois, o corpo identificado pelos familiares foi sepultado. Assim,
através de Miguelzinho, acabaria a história e a vida do grande mega genial
fazendeiro Asdrubal Bastos, dono do império da Jaca Dura.”
- E agora, Seu Filisteu, o nosso Holmes, vai
atrás do sobrevivente?
Pagou sua parte e arrastou seu grande corpo
atravessando a rua da Prata.
Assim, Seu Filisteu, tornou-se Seu Fifi
Holmes, o nosso herói, o investigador sistemático, metódico e persistente.
Responsável pela elucidação deste crime e sempre acompanhado pelo seu
inseparável companheiro de trabalho como motorista de caminhão de mudanças,
carros de férias e profissional de qualquer volante, que necessitasse de gente competente e zeloso da máquina e da vida, o Zóio Zóião, que, depois de tudo
isto, se tornaria famoso e o vereador mais votado da Província.