Uma rotina?
Pablo Augusto Perdigão, jornalista
O esquecimento é o mal do
século. Um dia foi a angústia, a depressão, o sofrimento mental.
Ou seria o contrário? Esquecer
é um benefício, um privilégio?
Como atinge ou beneficia todo
mundo em todas as idades alguns esquecimentos têm-se tornado, retirando os acidentes,
fatais.
Algo constatado ora como
enfermidade nas idades mais avançadas ora como triviais entre os jovens.
Nos episódios das crianças
esquecidas dentro de carros e mortas computam-se como tragédias e, com clareza,
nenhum dos esquecidos teriam razão para matar. Não houve a intenção.
É a mãe, em BH, que indo para
o trabalho esqueceu a filha dentro do carro. A criança morreu. O trauma e o
choque se revelaram no desespero da surpresa.
No Rio, a motorista do
escolar esqueceu a criança dentro do carro e foi ao cabeleireiro. Pouco tempo
depois, a criança estava morta. Esquecimento fatal. No mesmo período, curto
período de uma semana ou pouco mais, o terceiro caso fatal: o pai esquece o
filho e esta terceira criança teve o mesmo desfecho fatal.
Três crianças mortas. É
quando o esquecimento se aproxima pelas ocorrências letais ao descaso, ao
crime.
A partir destes esquecimentos
nenhuma explicação se aproxima de um entendimento dos fatos.
Primeiro, seria stress. O
esquecimento ligar-se-ia a uma vida atribulada dos pais e da motorista, do
tempo curto entre uma atividade e outra. Do muito que se tem que fazer durante
o dia de trabalho, as obrigações.
A rotina rompida. Uma segunda
hipótese. A rotina se impõe sobre a percepção e, como todos os dias, sigo de
carro para o trabalho, esqueço que dentro do carro tem uma criança. Não percebo
a mudança. A minha rotina não permite mudanças.
Como terceira possibilidade
teríamos os valores morais e sociais. Qual a responsabilidade de um adulto por
uma criança, pela vida de uma criança, qual a importância e o valor que tem uma
criança, um pequeno ser no mundo? É um valor abstrato cuja existência
percebe-se apenas em relação às necessidades do adulto?
Haverá um quarto detalhe. O
celular. Quais as mudanças de comportamento são já detectadas? As pessoas
começam a perder a realidade nas relações e ligam-se no aparelho e desligam-se
do ambiente e do outro. A conversa concentra-se nos dedos, que chegam
carregadas de informações e de compromissos encadeados e escravizantes.
O volume de informações,
úteis e inúteis, ao deformarem o cérebro e a percepção da realidade, se alargam
horizontes de conhecimento e de interação também reduzem o sujeito a “veículo”
que recebe e repassa mensagens. As mensagens em alto volume congestionam o
pensar. Não há mais o que pensar. Pensar é absorver e ser sugado, imobilizado.
As novas – e são muitas – informações apagam as anteriores, que também são muitas. Ninguém se lembra sequer da última mensagem recebida e poucos, muito poucos, se lembram de que há uma criança morrendo esquecida na poltrona do carro, sem ar e queimada pelo calor e pelo sol. São poucos.
Três casos registrados e documentados. Ainda bem que foram poucos, mas é o tumor a explodir rasgando famílias e expondo a fragilidade da memória deteriorada.
As novas – e são muitas – informações apagam as anteriores, que também são muitas. Ninguém se lembra sequer da última mensagem recebida e poucos, muito poucos, se lembram de que há uma criança morrendo esquecida na poltrona do carro, sem ar e queimada pelo calor e pelo sol. São poucos.
Três casos registrados e documentados. Ainda bem que foram poucos, mas é o tumor a explodir rasgando famílias e expondo a fragilidade da memória deteriorada.
O fato em si também poderia
entrar no rol dos assassinatos pura e simples pela (a) irresponsabilidade, (b)
intenção de matar. Não se trata destes casos. Supõe-se.
Os esquecimentos são muitos e
fatos já não raros como o do motorista que esquece a rua que deveria entrar ou
da mulher que ao sair do banho, ainda molhada, não sabe se passou o shampoo.
Assim também quantos não se perguntam se fecharam ou não a janela, se fechou o
carro, se desligou o gás.
Esquecer é um fato.
Aparentemente, seria uma doença.
Ou um privilégio que nos
permite a inocência e, em muitos casos, a saúde.
Registros na internet
1. A criança que morreu em BH
2. O acidente do Rio
3. O desespero de um pai esquecido em São Paulo