sábado, 31 de janeiro de 2015

ESQUECER






Uma rotina?


Pablo Augusto Perdigão, jornalista





O esquecimento é o mal do século. Um dia foi a angústia, a depressão, o sofrimento mental.

Ou seria o contrário? Esquecer é um benefício, um privilégio?

Como atinge ou beneficia todo mundo em todas as idades alguns esquecimentos têm-se tornado, retirando os acidentes, fatais.

Algo constatado ora como enfermidade nas idades mais avançadas ora como triviais entre os jovens.

Nos episódios das crianças esquecidas dentro de carros e mortas computam-se como tragédias e, com clareza, nenhum dos esquecidos teriam razão para matar. Não houve a intenção.

É a mãe, em BH, que indo para o trabalho esqueceu a filha dentro do carro. A criança morreu. O trauma e o choque se revelaram no desespero da surpresa.

No Rio, a motorista do escolar esqueceu a criança dentro do carro e foi ao cabeleireiro. Pouco tempo depois, a criança estava morta. Esquecimento fatal. No mesmo período, curto período de uma semana ou pouco mais, o terceiro caso fatal: o pai esquece o filho e esta terceira criança teve o mesmo desfecho fatal.

Três crianças mortas. É quando o esquecimento se aproxima pelas ocorrências letais ao descaso, ao crime.

A partir destes esquecimentos nenhuma explicação se aproxima de um entendimento dos fatos.

Primeiro, seria stress. O esquecimento ligar-se-ia a uma vida atribulada dos pais e da motorista, do tempo curto entre uma atividade e outra. Do muito que se tem que fazer durante o dia de trabalho, as obrigações.

A rotina rompida. Uma segunda hipótese. A rotina se impõe sobre a percepção e, como todos os dias, sigo de carro para o trabalho, esqueço que dentro do carro tem uma criança. Não percebo a mudança. A minha rotina não permite mudanças.

Como terceira possibilidade teríamos os valores morais e sociais. Qual a responsabilidade de um adulto por uma criança, pela vida de uma criança, qual a importância e o valor que tem uma criança, um pequeno ser no mundo? É um valor abstrato cuja existência percebe-se apenas em relação às necessidades do adulto?

Haverá um quarto detalhe. O celular. Quais as mudanças de comportamento são já detectadas? As pessoas começam a perder a realidade nas relações e ligam-se no aparelho e desligam-se do ambiente e do outro. A conversa concentra-se nos dedos, que chegam carregadas de informações e de compromissos encadeados e escravizantes.

O volume de informações, úteis e inúteis, ao deformarem o cérebro e a percepção da realidade, se alargam horizontes de conhecimento e de interação também reduzem o sujeito a “veículo” que recebe e repassa mensagens. As mensagens em alto volume congestionam o pensar. Não há mais o que pensar. Pensar é absorver e ser sugado, imobilizado. 

As novas – e são muitas – informações apagam as anteriores, que também são muitas. Ninguém se lembra sequer da última mensagem recebida e poucos, muito poucos, se lembram de que há uma criança morrendo esquecida na poltrona do carro, sem ar e queimada pelo calor e pelo sol. São poucos. 

Três casos registrados e documentados. Ainda bem que foram poucos, mas é o tumor a explodir rasgando famílias e expondo a fragilidade da memória deteriorada.

O fato em si também poderia entrar no rol dos assassinatos pura e simples pela (a) irresponsabilidade, (b) intenção de matar. Não se trata destes casos. Supõe-se.

Os esquecimentos são muitos e fatos já não raros como o do motorista que esquece a rua que deveria entrar ou da mulher que ao sair do banho, ainda molhada, não sabe se passou o shampoo. Assim também quantos não se perguntam se fecharam ou não a janela, se fechou o carro, se desligou o gás.

Esquecer é um fato. Aparentemente, seria uma doença.
Ou um privilégio que nos permite a inocência e, em muitos casos, a saúde.

Registros na internet

1.      A criança que morreu em BH




2.      O acidente do Rio




3.      O desespero de um pai esquecido em São Paulo