quinta-feira, 19 de novembro de 2015

HISTÓRIAS DO MUCURI






Maduro, o abiu reduz o suco viscoso que cola os lábios


Inventário do quintal 



Olegário Mendes



Um pé de abiu

Dois de goiaba

goiabas-sempre-bichadas

Goiabeira florida

Pura alegria

Comia verde

Disputa com as lagartas.





Um pé de pinha. Dois?

Outro de urucum.

Dois pés de laranja.

Nunca davam boas laranjas.

O pé de abiu

Abius imensos, amarelos

Maduros ou não,

Viscosos, seu leite prega os lábios

E cola os lábios dos meninos

Nos lábios da meninas

Pura anarquia





Durvalina fará

Diz que fará

Com o látex do abiu

Cola e remédio



No fundo do quintal,

as árvores maiores são as ameixeiras.

O rego divide o quintal

Estreito afluente de outros afluentes

Correndo pro Mucuri e pro mar

(diziam, diziam e cantavam)

Estreito rego

Pouco mais de vinte centímetros

Transportando barcos de papel na vizinhança

Na serraria, canalizado.

Cuidado com enchente,

Que transforma o reguinho em braço de mar



Os vizinhos.

De um lado, Seu Friaça,

homem de secos e molhados,

atacado e varejo.

Construiu um depósito

no fundo do seu quintal

Acabou com o pomar, 

o bananal sifu

Imaginava a coragem do seu Friaça:

Destruir um quintal.

Louco.

Nunca mais banana

Nunca mais banana nanica

Nunca mais xoxotas

Ao mesmo tempo,

um prédio, imponente,

acelerava a imaginação

de todos pelas caixas de refrigerantes,

onde poucos tinham geladeira



Do outro lado do quintal,

tudo para a imaginação

e, na mangueira era 5 x 1

Lá, a casa das putas.



Escondido, observava as mulheres.

Qualquer hora era hora

 de trepar no abacateiro

Ver e ouvir, mãos firmes 

no galho e no pau




Logo depois,

seriam as inesquecíveis:

Minhas eternas putas.

Os nomes feios não eram mais feios

Vinham com alegria

Uma alegria sempre alegre

sempre cheirosa

Nas estradas, nossa Minas revelaria

tantas alegrias em tantos pousos alegres

As cidades, muitas, carregariam 

sincera identidade




I


O sexo no porão.

Bocetinhas de poucos pelos e cheirosas, 

doces, pequenas.

O tijolo debaixo das bundas 

a levantar as xoxotinhas sem pelos.

A surpresa de quem resistiu 

às minhas investidas.

Para depois clamar

pedir, implorar, avançar,

trucidar



II


Na cama das duas meninas,

Irmãs e primas,

No silêncio da noite,

Detinha, a mais velha,

cara fechada:

“Hora de dormir”

Debaixo do cobertor,

Nova ordem:

“Só podia ver; pegar, não”

“Só podia encostar; enfiar, não”

A obediência é ouro, é prata, é tudo



Do lado de Detinha, a irmã dormia.

Dormia?

Olhos, nariz e ouvidos acordados

Os músculos das coxas tremiam

era a força para manter 

as pernas fechadas

Não podiam, ninguém podia, correr risco.

Se a coisa dura escorrega?




Detinha dormia, a irmã beslica,


É a minha vez.


Tão menina e, esperta, não vacilava.


Nunca abriu as pernas


Nunca afastou as coxas.


Detinha já deixava escorregar e escorregar,


Desde que só molhasse nossas barrigas


na hora dos corações acelerados




III


No primeiro andar, perto do porão,

o banheiro, mal iluminado,

água parada, 

as meninas da limpeza e da cozinha

tomam banho de porta aberta

‘É o banheiro delas”

Ninguém entra, diziam

Engano.

Dava para ver

aquelas negras e morenas cheirosas,

muitas, muito gostosas

delas tudo era do melhor,

o cheiro de suor, cheiro de trabalho,

de cozinha, na roupa e na pele.

Mulheres temperadas

Assim, o alho e a cebola 

nunca mais saíram da minha vida

Nem o cheiro doce da pele escura

A escuridão do porão, obriga,

quem não pode ser visto,

a ficar imóvel,

tudo, até o pulmão.

Horas e horas à espera

da hora de Maria tomar banho de bacia.

O corpo adulto de Maria enlouquecia.

Não era mais um menino,

era ver escondido.

E contentar apenas com ver

As narinas iam comigo ao porão.

Pelas narinas, 

Maria muitas vezes me deixou desmaiado.



As guerras, os esconderijos, 

aos lugares perigosos do porão.

Na zona, a mulher gorda, imensa,

era a única que aceitava meninos crianças.

Fodia com o travesseiro

(de novo o tijolo)

debaixo das nádegas.

Aprendi isto.

Voltei ao porão

Debaixo da minha amiguinha, 

um tijolo forrado. 





– Eu não sabia beijar, fingia que sabia

Paciente, ela ensinou os truques da boca.

Para que beijar se estávamos fodendo?

Ela não concordou e apenas me beijou.

Não precisava ter insistido.



Havia partes do quintal que eu temia.

O rego, junto ao muro da oficina.

Tudo porque minha amiga 

ganhou um cágado,

Ciúmes e à primeira ordem de sumir 

com o cágado

eu o matei com o machado

joguei no rego.

Disseram-me que a imagem de Jesus e Maria,

lá da sala nunca me perdoaria o que fiz.



Chorei muito. 

Fiquei com medo da sala e das imagens.

Tentei inclusive encontrar o cágado no rego.

Evitava a sala.

Não mais olhar Jesus e Maria

Aquele lugar do quintal

Agora misterioso e sinistro

A sala das imagens?

 Não me aproximava dali, tinha medo.

Aos poucos desafiava o medo.

Primeiro, desmontar Jesus e Maria

Tirar do retrato,

depois limpar o rego

Não encontrei os restos do cágado

compreendi que ele havia sido levado

pelas águas lodosas e sujas.



Minha amiga e meu porão.

E meu quintal.

Ela também tinha ciúmes de mim.

Beijávamos e quando alguém a ofendia,

era briga que a deixava assustada

“Assim, vão descobrir”

E ela sempre se oferecia a mim

Um dia,

ela decidiu

Nunca mais. Nunca mais.

Never more. Never more.

Ela tornara-se mocinha.

Foi ela quem primeiro conseguiu namorar.

Com ódio, arranjei dez namoradinhas,

em quem podia enfiar o pau.

Dureza. Nada a ofendia.

Achava engraçado

Cúmulo dos cúmulos, 

gostava das namoradas.

Apresentava-me suas amigas

Amiga, ela preparava o campo,

as pernas, as coxas e as bocetas

Embaralhei tudo e fiz confusão.

Ninguém nunca soube de nossos encontros.



O quintal era também 

o quintal das teias de aranhas,

Armadilhas  a nos deter 

pelos rostos e pelos braços;

As grandes aranhas e todos os pavores.

Quem iria matá-las?

Ninguém tinha coragem

Nem as aranhas que fugiam

atabalhoadamente, como todos nós