terça-feira, 22 de dezembro de 2015

DIAGRAMADAS

 




 




Carmano diagramou a vida 



 Wander Andrade



-         Pô, véio, cê viu, Carmano já era.

Carmano não podia morrer de outra forma. Plantou lá, na página 22, o bruta “obituário”.

Um único registro de morte nesta cidade em que só dá neguinho tombado, furado e chuchado, por balas e facas que caem aos montes todos os dias, além das centenas que seguem na horizontal por doenças, idade e hospital.

Carmano chamava, com todas as pompas, Cícero, um puta nome de imperador romano e um puta nome de imperador cheio de frases de efeito e ditos para a alma dos romanos e gregos também.

Continuando chamava-se ou ainda o chamam de Cícero Carmano... um momento... este é que ficou sendo o seu nome, pelo menos nos 20 anos de Estado de Minas e Diário da Tarde e outro tanto de circulação pelo mundo dos fazedores de notícias para jornais e outras práticas acessórias como campanhas políticas no grupo do Almir Salles.

Insistem. Por que o nome completo dele é Cícero Carmano Webber, com dois bs, como está no obituário ou com um b só como está nota fúnebre mandada colocar pela família?  

Porra, o Carmano tombou com uma hepatite C. Dizem. Uma hepatite tirou de circulação um homem ágil, figura alegre, magra e de cabelos longos, jogando sempre para trás o cabelo que lhe caia sobre os olhos. Ele deixou uma viúva e duas filhas, viúva Mazé, coisa do Carmano, uma filha Maíra, fruto de época, e a pequena Helena, uma menina sem um pai brincalhão aos 11 anos.

Carmano morreu.

Não, Carmano já era. Ele não se afastaria dessa turma sua desse jeito, morrendo.

Carmano não é disso.

Horaldo morreu porque com toda a sua vivacidade realizou na morte o improvável: caiu de um pé de banana.

Homens incrédulos e questionadores, olhares de revisores eruditos.

Converse com quem entende de árvores frutíferas. Não vai acreditar. Há uma impossibilidade concreta: ninguém trepa em bananeira. O cacho se tira com a árvore. Ou ele caiu de um muro ou de uma escada ao lado da bananeira. Haveria uma explicação.

Patrício lembra da briga feia que Horaldo teve com a mulher, “Ele, enorme; ela, pequena. Ele bateu tanto nela (?) que se arrebentou todo e, desmaiado, a ambulância, que o transportava de Lagoa Santa para Sete Lagoas, capotou. Caiu ribanceira abaixo, jogado fora da ambulância, levantou enlameado.

Inesperadamente, lúcido.

- Vamos voltar para casa, ainda tem muita cerveja e carne.

Pois é, Horaldo morreu porque caiu de um pé de banana, de uma ba na nei ra, bananeira mesmo.

Caiu, quebrou o pescoço. Tetraplégico vegetou sete dias e disse: chega.

Newton não acreditou quando eu lhe disse que o seu amigo havia morrido naquela madrugada.

Morreu e arrastou Carmano. Um homem mergulhado em tanta dor com a morte da mãe. A sua mãe morrera num acidente em que ele não cansava de explicar sua impossibilidade, o carro derrapou, chovia muito, e esbarrou em um barranco, o vidro da janela, em que ela encostara a cabeça para dormir, quebrou e atingiu a carótida. Por que? Um pequeno baque. Um vidro quebrado. Nada estragou no carro. Apenas o vidro partiu e a arrancou-lhe da vida.

Era a grande dor de Carmano, dor horrível e ele se aproximava, pois nossas mães eram amigas e companheiras de longas conversas, quando as duas falavam de nossas vidas imperfeitas, desfeitas e irresponsáveis.

Elas queriam que fôssemos santos, pois elas rezavam muito, queriam que fôssemos bons, para alcançar tanto amor que tinham e queríamos que fôssemos felizes, pois elas tanto nos amavam.

Na igreja do Colégio Santo Antônio, as duas rezavam as missas de suas imaginações em que éramos os mais perfeitos dos homens amando as mulheres mais imperfeitas do mundo e submetidos a um tempo sem glória.

Agora, Carmano se manda. Isso é molecagem.

Tudo bem, mas nossas boas mães estão lá onde dizem que vivem as mães eternas.

Não sei se lá há lugar para um bom diagramador de vidas. Se houver, preparem-se. Ele vai insistir em fazer uma página melhor do que a de hoje, com notícias mais verdadeiras e não com uma mentira dessas, “conhecido como Carmano, o jornalista morreu”.

Carmano não morreu.

PS:

Ouvi, chegando ao Cemitério do Bonfim:

-         Alguma coisa o Carmano aprontou, Isabela.

-         É mesmo, ele saiu de fininho.