MUNDO ENCANTADO
Clóvis Albergaria
Houve uma época em que menino
não entrava em conversa de adulto.
(Mudou: adulto não tem espaço em conversa de
criança).
Antes, a seriedade no ar e
etiquetas na mesa, na sala de visitas, no clube.
Na cozinha, também. Foi lá
que o menino ouviu:
- Ela não veio porque está
com gordura emprestada.
O menino ouviu e não entendeu.
“Gordura emprestada”.
Miséria de vida.
O que significaria alguém,
uma mulher, trazer consigo um tanto de gordura que tomara emprestado de outra
pessoa.
As mulheres, em seus
afazeres, todas adultas, conversavam.
Não havia espaço naquela
conversa para que o menino esclarecesse o significado da “gordura emprestada”.
Bobagem perguntar. Se elas
ouvissem, podiam responder ou considerariam uma pergunta idiota e iam rir.
O negócio, decidiu, era atenção
redobrada, ouvido aberto, bem aberto, na expectativa de que uma pista surgisse.
Ela, a ela da conversa, a ela
que ausentara, que não viera hoje, esta ela era Maria Nilce.
Ponto de partida e pronto
esclarecimento.
Ele tinha diante de si a
imagem da Menina Maria Nilce.
Assim, a velha avó sempre a
chamou, Menina Marianilce com o a dobrando Mariaalnice.
Fácil, fácil, agora ele
entendia aquela expressão.
A menina da velha avó estava
grávida. A gravidez trouxe a gordura
emprestada para Maria Alnice.
A gordura não era dela e nem ficaria com ela.
A gordura era de outra
pessoa.
Era da criança e iria embora,
seria devolvida, depois do parto.
(Das histórias do Seu Wilson,
em fins de março, na Chácara).