domingo, 8 de maio de 2016

NA COZINHA






MUNDO ENCANTADO


Clóvis Albergaria






Houve uma época em que menino não entrava em conversa de adulto. 

(Mudou: adulto não tem espaço em conversa de criança).

Antes, a seriedade no ar e etiquetas na mesa, na sala de visitas, no clube.

Na cozinha, também. Foi lá que o menino ouviu:

- Ela não veio porque está com gordura emprestada.

O menino ouviu e não entendeu.

“Gordura emprestada”.

Miséria de vida.

O que significaria alguém, uma mulher, trazer consigo um tanto de gordura que tomara emprestado de outra pessoa.

As mulheres, em seus afazeres, todas adultas, conversavam.

Não havia espaço naquela conversa para que o menino esclarecesse o significado da “gordura emprestada”.

Bobagem perguntar. Se elas ouvissem, podiam responder ou considerariam uma pergunta idiota e iam rir.

O negócio, decidiu, era atenção redobrada, ouvido aberto, bem aberto, na expectativa de que uma pista surgisse.

Ela, a ela da conversa, a ela que ausentara, que não viera hoje, esta ela era Maria Nilce.

Ponto de partida e pronto esclarecimento.

Ele tinha diante de si a imagem da Menina Maria Nilce.

Assim, a velha avó sempre a chamou, Menina Marianilce com o a dobrando Mariaalnice.

Fácil, fácil, agora ele entendia aquela expressão.

A menina da velha avó estava grávida. A gravidez  trouxe a gordura emprestada para Maria Alnice.

A gordura não era dela e nem ficaria com ela.

A gordura era de outra pessoa.

Era da criança e iria embora, seria devolvida, depois do parto.




(Das histórias do Seu Wilson, em fins de março, na Chácara).