quarta-feira, 15 de junho de 2016

A DESPEDIDA DO FILA










Ele só chorou


Juarez Andrés


Cauê, um fila, jovem, bravo, faminto, avançou duas, três vezes em Helga por causa de comida – nunca era o suficiente (*) para aquela fera em crescimento.

 Cauê sempre avançava para tomar algo, comida sempre.

Uma vez a arrastou da sala até a cozinha e ela sempre se livrava jogando um pedaço de pão para ele. Somente assim a largava para buscar o pão.

A agressividade aumentava sempre (sempre a comida era insuficiente).

Cauê mordeu barriga, seios e braços de Helga. As marcas espalhavam-se pelos braços e ombros. Algumas cicatrizes ficaram.

Helga teve que ir para o hospital várias vezes e, da última, ficou claro o risco que se corria.

A mordida no braço por poucos milímetros não atingira a veia.

Com o tempo, Cauê muda e é já um animal integrado com as três pessoas da casa.

Duas pessoas sempre presentes, Helga e Boni na relação direta de alimentá-lo e a MV, a Mulher que Voava, comissária de bordo passava dias e semanas inteiras voando por todo o mundo.

Com ela, Cauê reconstituía a memória rapidamente, porque o carinho e a atenção vinham sempre acompanhadas de um pedaço de pão.

Cauê já percebia a chegada de Boni, identificava o cheiro, o som e algum outro indício só capaz de ser percebido por um cão.

Isolado na parte de trás da casa, a mais de 50 metros de distância e a qualquer hora do dia, mesmo com o intenso movimento da rua, ele identificava a chegada do carro de Boni antes dele abrir a porta da garagem..

Só parava de se manifestar depois que Boni gritasse o seu nome.

Depois chorava e só parava após os dois se encontrarem ou se verem.

O seu olhar para o amigo Boni era intenso e Boni admirava sua força e a rapidez dos seus movimentos.

Ele o obedecia.

Ontem, sexta-feira, Helga ligou. O Seu Coelho chegara para levar Cauê.

Cauê tomaria conta de um sítio.

Seu Coelho queria um cão bravo para substituir um outro que havia morrido.

Cauê ficaria preso a um arame até se acostumar com as pessoas da casa em Santo Antônio do Monte.

“Ele deixou que eu colocasse a focinheira. Cauê apenas chorou”.




(*) Período de vacas magras, comida regrada e bancada pelo sacolão do Centro