O Brasil e os
brasileiros
Dagoberto
Ribeiro, antropólogo
A
ideia é: o Brasil e o sonho.
A
troca deu-se não com a retirada do sonho e a entrada dos brasileiros.
Ao
contrário, pela real situação, pois o que faz o Brasil Brasil, não é um sonho
de país, o que faz o Brasil Brasil são os brasileiros, o seu povo.
O
que temos?
De
um lado, temos o Brasil. O que é o Brasil?
Uma
figura, um desenho no mapa, que, segundo nossa geográfica, tratar-se-ia do
denominado território, área física, delimitada, com fronteiras.
Tudo
bem entendido, clareza generosa. Didática.
Lá
está, no mapa da América, mais o sul, debaixo da linha do Equador, com algumas
partes no hemisfério norte, um território gigantesco. Trata-se de uma parcela
da terra, um espaço geográfico visível.
Um
menino olha para estas divisões e saca a estupidez e a inutilidade desta pura
perda de tempo que jamais o levará a se perder em relação à sua localização
física onde quer que esteja agora e na próxima hora, como daqui a um quarto de
século.
Dele
será exigido que saiba quais são os vizinhos, os acidentes geográficos e dentro
desta divisão outras divisões até que chegue ao seu bairro num ponto igual a
muitos outros pontos indicativos de cidades.
Exercício
de memória e como exercício de memória a proposta é aceitável.
O
menino sabe que não é nada disso e que a professora de geografia com seus
longos cabelos pretos tem mais acidentes físicos reais, neste instante, do que
o seu mapa.
Passa
as mãos nos altos montes dos Andes, onde sabe que há neve, desce até a
Patagônia e percorre com os olhos as matas fechadas da Amazônia.
Ele
sabe que a professora entende melhor do que ele os cálculos de latitude e de
longitude.
Isto
sim, coisa séria, em que nunca ninguém se perderá. Calcule sempre sua posição
dentro do seu universo e será senhor do seu espaço.
Sei
onde estou. É uma afirmativa tranquila.
Não
sei porque, exatamente, estou aqui e não ali, ao Norte, no Polo Norte,
mergulhado em montanhas de gelo e em um branco permanentemente branco.
O
mapa do Brasil é um dos indicativos de que há um espaço ocupado,
predominantemente, por brasileiros.
Homens
que há mais de cinco séculos rodam por estas paragens e que, percorrendo seus
campos, construíram cidades e as suas casas, onde as famílias se sucederam e
dez gerações depois acharam que já podiam, como grupo organizado, ser algo
diverso do que eram até então.
O
diverso, o não igual, era uma nova denominação. O território estava lá. Nada
mudava. A denominação era nova. O povo, a gente, as pessoas eram as mesmas. O
que mudava?
O
menino olha no mapa e não entende muita coisa, mas o que o preocupa é o nome.
Brasil? Brasileiros? O que isto quer dizer além do desenho no mapa?
Imagina-se
um homem num mundo sem fronteiras em que qualquer um que encontrasse no
hemisfério norte ou no hemisfério sul seria seu conterrâneo, vizinho e amigo.
Se
a professora de geografia não ostentasse todos aqueles acidentes jamais se
apaixonaria por toda a majestosa e farta majestosa e farta Terra.