quinta-feira, 9 de junho de 2016

PERDIDOS NO MAPA



 

 



O Brasil e os brasileiros



Dagoberto Ribeiro, antropólogo



A ideia é: o Brasil e o sonho.

A troca deu-se não com a retirada do sonho e a entrada dos brasileiros.

Ao contrário, pela real situação, pois o que faz o Brasil Brasil, não é um sonho de país, o que faz o Brasil Brasil são os brasileiros, o seu povo.

O que temos?

De um lado, temos o Brasil. O que é o Brasil?

Uma figura, um desenho no mapa, que, segundo nossa geográfica, tratar-se-ia do denominado território, área física, delimitada, com fronteiras.

Tudo bem entendido, clareza generosa. Didática.

Lá está, no mapa da América, mais o sul, debaixo da linha do Equador, com algumas partes no hemisfério norte, um território gigantesco. Trata-se de uma parcela da terra, um  espaço geográfico visível.

Um menino olha para estas divisões e saca a estupidez e a inutilidade desta pura perda de tempo que jamais o levará a se perder em relação à sua localização física onde quer que esteja agora e na próxima hora, como daqui a um quarto de século.

Dele será exigido que saiba quais são os vizinhos, os acidentes geográficos e dentro desta divisão outras divisões até que chegue ao seu bairro num ponto igual a muitos outros pontos indicativos de cidades.

Exercício de memória e como exercício de memória a proposta é aceitável.

O menino sabe que não é nada disso e que a professora de geografia com seus longos cabelos pretos tem mais acidentes físicos reais, neste instante, do que o seu mapa.

Passa as mãos nos altos montes dos Andes, onde sabe que há neve, desce até a Patagônia e percorre com os olhos as matas fechadas da Amazônia.

Ele sabe que a professora entende melhor do que ele os cálculos de latitude e de longitude.

Isto sim, coisa séria, em que nunca ninguém se perderá. Calcule sempre sua posição dentro do seu universo e será senhor do seu espaço.

Sei onde estou. É uma afirmativa tranquila.

Não sei porque, exatamente, estou aqui e não ali, ao Norte, no Polo Norte, mergulhado em montanhas de gelo e em um branco permanentemente branco.

O mapa do Brasil é um dos indicativos de que há um espaço ocupado, predominantemente, por brasileiros.

Homens que há mais de cinco séculos rodam por estas paragens e que, percorrendo seus campos, construíram cidades e as suas casas, onde as famílias se sucederam e dez gerações depois acharam que já podiam, como grupo organizado, ser algo diverso do que eram até então.

O diverso, o não igual, era uma nova denominação. O território estava lá. Nada mudava. A denominação era nova. O povo, a gente, as pessoas eram as mesmas. O que mudava?

O menino olha no mapa e não entende muita coisa, mas o que o preocupa é o nome. Brasil? Brasileiros? O que isto quer dizer além do desenho no mapa? 

Imagina-se um homem num mundo sem fronteiras em que qualquer um que encontrasse no hemisfério norte ou no hemisfério sul seria seu conterrâneo, vizinho e amigo.

Se a professora de geografia não ostentasse todos aqueles acidentes jamais se apaixonaria por toda a majestosa e farta majestosa e farta Terra.