Sem conversa
João Mauro, cínico
A preparação
O que dizer? Por que eu
estou ali? Pra que? O que me aflige? Quais são os meus problemas?
A primeira sessão
marcada duraria 50 minutos. Padrão. Neste tempo, menos de uma hora, uma vez por
mês, deverei abordar temas que particularizarei e que sejam importantes para
mim, para a minha cabeça, para o meu equilíbrio emocional. Vou discuti-los com um
médico psiquiatra.
(Pra que e por quê?)
Uma das impressões que
me marca é a do papel deste profissional: uma pessoa que você paga para
conversar, para ouvi-lo.
Já vinha questionando a
dificuldade do diálogo para o homem. Por que a dificuldade e a impossibilidade?
A dificuldade se prende
muitas vezes ao tempo, é pouco o tempo para a conversa não profissional, para o
diálogo puro.
Por sua vez, os temas
embora muitos, aparentemente, são escassos. Há o tempo, mas não há o que falar.
Torna-se comum, duas pessoas se encontrarem, terem tempo e o tempo perder-se no
silêncio. Tornam-se mudos, nada falam, não há o que falar e, muitas vezes, para
que falar.
Não há paciência e o
tempo entre as duas pessoas torna-se enfadonho, torturante e mortal.
Ouvir torna-se uma arte
e uma profissão, com o confessionário em desuso psicológico e
político/religioso, o novo confessionário apresenta-se como profissão com
técnicas e recursos de desenvolvimento que permitem às pessoas adquirirem
perspectivas:
perspectivas de
melhoria,
perspectivas de
equilíbrio psíquico,
perspectivas de
entendimento de realidades.
Na perspectiva de em
sendo ouvido se poderia obter uma melhora, compreende-se de que há algo a
melhorar, de que há até algo a curar, uma preocupação a terminar e um projeto a
executar, uma dificuldade a superar.
Na lei da troca e das
profissões há algo a barganhar, a vender e o profissional do ouvido, venderá a
melhora.
Na perspectiva de
equilíbrio psíquico de que o paciente obterá através do diálogo profissional,
com técnicas específicas e diagnóstico possível, medicação correta, através de
experiências científicas, o que se tem é um campo de trabalho clínico onde o
acompanhamento individual se marcará por uma evolução registrada.
O que este equilíbrio
proporcionará terá a sua efemeridade ou a sua manutenção dentro de um quadro
precário, onde há o que se determinará como resultados e onde o entendimento
das duas pontas (médico e paciente) corresponderá ao grau de conhecimento e de
responsabilidade das duas partes.
Na perspectiva de
entendimento de realidades, o diálogo exigido, necessariamente, não passaria
por um quadro clínico, com abertura de outros profissionais do ouvido e do
diálogo.
O homem precisa entender
a realidade, conhecer o que o cerca, entender o que o confunde e o que o
amarra, prende e frauda o seu, permanente, crescimento e desenvolvimento, suas
possibilidades e suas potencialidades.
A organização do tempo,
a exploração das potencialidades e a análise correta do seu tempo e do ambiente
são demandas de informações e da interpretação destas informações – há que
saber ler e entender a realidade.
Qual é o meu problema e,
se são muitos, de que ordem são estes problemas e qual ou quais priorizarei
para que caiba alguma discussão, alguma abordagem, dentro de um tempo
determinado?
Com quem vou conversar?
Consultar? Medicar-me? E preciso me medicar para o que vivo hoje? O que são
estas drogas?
Desemprego? Nenhuma
droga resolve. Nenhum médico resolve.
Quem sabe, eliminando
bobagens e preconceitos, facilitaria a abertura de perspectivas e de novas
possibilidades?
Uma mudança de área de
atividade, por exemplo?
Agressividade? Apatia?
Descrença? Revolta?
Ainda posso ser um homem
agressivo? O que a agressividade me agrega, soma, ajuda a resolver problemas?
Talvez se diagnostique
uma ansiedade e ela esteja no cerne da agressividade?
É verdade, tornei-me
agressivo, embora tenha sido sempre um agressivo produtivo, agressivo no
trabalho, na produção, na coragem para o novo e para a conquista de posições.
Há e houve, então, uma agressividade positiva.
Agora, inútil, uma
inutilidade particularizada, a agressividade impedida de ser produtiva,
torna-se agressividade física – estúpida e ignorante.
Uma agressividade que
explode sobre pessoas frágeis e em momentos de extrema crueldade, crescendo
sobre a ironia, o sarcasmo e o deboche, o desrespeito e a brutalidade verbal.
Inverter a mão, eliminar
o negativo da agressividade, reorientá-la para a recuperação de potencialidades
perdidas, superando ou condicionando ao novo quadro de disponibilidades,
físicas e de tempo, de meios e de fins.
Seria a apatia, a
descrença e a revolta os temas que deveria privilegiar na conversa com um
terapeuta que é médico e que é psiquiatra com especialização em drogas para o
cérebro?
Descartar a revolta como
abordagem de uma conversa com um clínico seria razoável.
Revolta não é uma
simples questão de âmbito individual mesmo que só se faça compreender no
indivíduo, tem forte conotação com o ambiente e a sociedade, até mesmo quando
se prende numa revolta contra si, intrinsecamente dentro do sujeito.
Revolta é uma
necessidade, é uma imposição, uma imperiosa expressão do sujeito humano, é mais
uma solução, um remédio do que um drama, uma doença ou uma malignidade.
A revolta teria ainda
uma profunda expressão filosófica e ontológica, uma parte da essência do ser –
ela impõe-se.
Sua expressão é a
expressão da vida e da particularidade do homem como um ser de liberdade.
A apatia e a descrença
seriam, em si, males.
Um físico-químico,
talvez provocados por parasitas do corpo, da mente e da vida.
Outro, um mal da fé, da
verdade, do não acreditar em nada, nem na dúvida – é quando nem mesmo há a
necessidade de um porquê.
A primeira sessão
terminou antes de começar.
Fim
Não teve a segunda sessão