terça-feira, 23 de agosto de 2016

EU MORO NO AZUL






Mulher feliz  Paul Gauguin 



Romance de Junho


Sérgio Madeira





"O astronauta ao menos
Viu que a Terra é toda azul, amor
Isso é bom saber
Porque é bom morar no azul, amor"

Poética I/ O astronauta, Vinicius de Moraes e Baden Powell







Capítulo 1


(Seria a história de um escritor frustrado)


(Seria a história de muitos livros mal escritos e inacabados)


(Uma crítica de livros e filmes ou uma história em torno de livros e filmes)




Capítulo II

- Eu sou seu personagem?

Henrique, Erique, não para de escrever; são poucas as oportunidades que ele tem para fazer suas anotações e deve juntar o máximo de detalhes. Tem percebido que algumas daquelas anotações perdem-se porque , mais na frente, nem ele mesmo consegue entender nem traduzir os garranchos e descobrir a palavra; principalmente, quando anota apenas, por razões de segurança, apenas uma palavra chave, que ele depois põe na conta de uma-palavra-secreta, uma palavra que nem ele mesmo consegue entender, descobrir seu segredo ou o que ela quis guardar; deixa-a de lado, deixa aquele caso, aquela história de lado com a certeza (e a dúvida também) de que mais tarde conseguirá traduzi-la, interpretá-la e resgatar toda uma história.






A pergunta do Gustavo tinha sentido. Sim, ele era um personagem sim. Não, ele não era um personagem, ele apenas contribuía com algumas de suas características para o Personagem, enfim, que ele um dia resgataria numa história ou num caso.





Aquelas anotações eram feitas em pedaços de papel, cadernos, blocos, papéis soltos, guardanapos, o papel que tinha, que aparecia.


Durante algum tempo, organizado, fazia anotações em cadernos; depois, eram papéis que sempre trazia no bolso, quando trazia, dobrava-os em quatro partes e ali nas colunas fazia suas anotações ligeiras


Era um repórter sempre; não gostava de pensar que estava desempregado, sabia que seria sempre um repórter; algumas vezes produzia suas reportagens e nas pautas livres, não se prendia a nada que não fosse o seu interesse e o seu gosto; não iria simplesmente escrever sobre os outros ou sobre o que o outro pensa; escreveria sobre sua vida e o que via e o que pensava.


Capítulo III

Ele era um personagem sim. Gostava de dizer que se algum dia eu fosse escrever sobre a sua vida eu deveria descrevê-lo como um homem bonito, um artista de cinema, um Brad Pitt e ele se chamava de Brad Pica, por ser e ter segundo ele a melhor pica para todas.

Era um personagem ao lado de um anotador – nem sabia o que faria com todas aquelas anotações.

Um personagem que se impunha por suas ideias malucas, insensatas e prodigiosas, às vezes. Dizia ele que assim como Portugal era uma ficção inventada pelos ingleses, que brincaram durante séculos com a história do mundo, o Brasil não existia.

- O Brasil não existe. Isto que chamam de Brasil não é dos brasileiros. Os brasileiros existem, sim. ele assegura. Não digo que me orgulho de sedr brasileiro. Eu me orgulho de ser homem e um homem da Terra. Sinto-me como um homem de todos os rincões.

Outra análise destramelada era de que Tiradentes, o herói mineiro, não morrera na forca e sequer teve o seu corpo decapitado.

“Tiradentes morreu na França. Não na forca.”

- A transferência de Tiradentes para o Hospício fazia parte dos planos de grupos da Maçonaria, no Rio e em Minas, de trocá-lo por um outro homem, que morreria em seu lugar.

Estes eram seus dois propósitos. Provar com dados atuais a nova ficção – o Brasil - e com documentos que os libertadores de Tiradentes tiveram êxito na empreitada. E que cometeram um único erro: deixaram uma pista.



Capítulo IV


Teoria da Ilha


Se existe é ilha da fantasia. Ideia de navegador. Homens que se perdem na imensidão. Marinheiros medrosos e sonhadores. Invenção humana. Sonho de terras distantes. São estes os homens que descobrem novos mundos. Novos homens. Quando descobrem, quando desembarcam, inventam um outro diante da realidade dos mosquitos e dos canibais.

Nestas ilhas colocam seus sonhos, suas ideias dos homens e das coisas dos homens. Desta forma multiplicam as cartas de viagens, onde misturam descrições e sonhos.

Sempre cita Drummond para confirmar sua teoria: o Brasil não existe.












Hino nacional

(in Alguma poesia)

 

 

Carlos Drummond de Andrade

 

 


Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?




Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.

 

O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonnettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas.

 

Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.

 

Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.

 

Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...

 

Precisamos adorar o Brasil.
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos...
se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.

 

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?

 

http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema010.htm