China, um povo rico e sensível |
ITABUONO
Nada
mais me assusta
Robert Astman
Quando
conheci Dom ItaBuono, ele já passara por todo o medo e o pavor da repressão
policial. Seu pai, o escritor doutor, professor e advogado Alfredo Bastos, já
havia sido preso duas vezes.
Na
primeira vez, os militares do Exército chegaram em sua casa, com uma intimação
e uma tropa de choque pronta para uma invasão de um quartel. E a casa do doutor
Alfredo era uma casa simples no final da rua Renato Azeredo, em Sete Lagoas.
“Eu ajoelhei e pedi a eles para não
matarem meu pai. Não mataram”.
Relata
Dom ItaBuono. Agora, arrependido.
Diz
ele que o arrependimento não é pelo pedido e pelos militares não terem matado o
seu pai.
“Pela
humilhação e pela vergonha”
- A
outra vez, eu o acompanhei até Juiz de Fora, lá ele deveria depor na Auditoria da
4a. Região Militar. Antes de entrar no prédio, ele tirou o relógio, a carteira
e uma caneta.
“Fique
com estas coisas, eu não sei se volto e nem sei qual será o meu destino”.
-
Não que ele fosse dramático (era também). Naquele momento tínhamos consciência
da total vulnerabilidade de todos os cidadãos “suspeitos”.
As
tensões e ansiedades vividas pela repressão, logo após o golpe militar de 1964,
no Brasil, marcaram profundamente a vida dos dois.
O
doutor Alfredo Bastos era suspeito pelas suas simpatias pelos chineses, “o povo
do futuro”.
Todas
as atividades que envolviam os chineses em Belo Horizonte, algumas no Rio e em
São Paulo, contavam sempre com a sua presença.
Era
a simpatia pelo povo milenar.
Doutor
Alfredo acompanhava as histórias da China atual e guardava toda uma biblioteca
(da qual se orgulhava) da China Milenar..
“Um
povo, enfatizava sempre, que soube sair de um estado de miserabilidade e de
submissão, transformando-se numa nação rica de um povo rico. Uma potência
econômica e militar do primeiro mundo”.
Ele
aconselhava todo mundo a aprender o chinês, “será tão ou mais importante do que
o inglês” e é importante para captar a alma e a sensibilidade de um dos povos
“de maior potencialidade em matéria de razão, espírito e inteligência”.
ItaBuono
admirava seu pai, submetia-se à sua vontade e era seu fiel seguidor.
Entretanto,
para Alfredo Bastos, seu filho, ItaBuono, era um idiota, um doente mental.
“Um esquizofrênico”.
Muitas
foram as testemunhas da forma rude e grosseira com que o doutor Alfredo Bastos
mandava o filho calar a boca e que “deixasse de falar bobagens”.
Isto
aconteceu com ItaBuono menino, aconteceu com ele jovem, estudante de direito,
advogado, casado, pai de família.
Doutor
Alfredo não perdoava e não deixava por menos.
“É um energúmeno”.
O
filho não podia ter opinião e quando se expressava era violentamente contestado
pelo pai, com censura sempre detonadora da fragilidade e “imbecilidade” da
argumentação.
Assim,
dom ItaBuono viveu até os seus 48 anos, quando casou, pela segunda vez, algum
tempo depois da morte do pai. Conhecera uma mulher, cuja educação e
inteligência, o cativara, e, baseado neste modelo, encontrou o sua Heloisa,
“ninguém sabe em que se transformará a mulher amada”.
Depois
de determinado tempo e de ter nascido o seu filho único, o Carlos Augusto, “o
meu garoto”, a regra de antes voltara a reinar em sua vida.
E
mais grave e sofredor. Em Heloisa ressurgira o seu velho pai morto e, algum
tempo depois, nova tragédia, no pequeno “meu garoto” surge também outro Alfredo
Bastos.
Tragédia
das tragédias, seu destino era aquele.
-
Estava em plena ascensão profissional e política, quando veio o golpe e eu, que
frequentava palácios, me tornara um lixeiro para sobreviver. Minha luta sempre
foi dura, depois como professor dava até 15 aulas por dia, mas sempre
trabalhava os três horários quando conseguia voltar a lecionar – as interrupções
vinham das denúncias de subversão. Meu mundo era este, o trabalho como lixeiro
e nas escolas públicas e privadas, tomando conta do meu pai, acompanhando-o em
suas empreitadas e em suas fantasias.
- O
que mais me assusta não é a violência de uma pessoa estranha que você encontra
na rua, o que mais me estranha é a violência entre pessoas que se conhecem
muito bem ou será que, por se conhecerem tão intimamente ou até mesmo por se
amarem, ocasionalmente, é que as pessoas passam a se atacar, por razões quase
sempre fúteis, mesquinhas, sempre gerando momentos profundamente desagradáveis
pelo desequilíbrio e pela crueldade.
ItaBuono,
o Dom ItaBuono cultiva uma barbicha à lá Ho Chi Minh. Que ele diz ser uma
barbicha chinesa da dinastia Minh.