quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O POVO DO FUTURO



China, um povo rico e sensível


ITABUONO




Nada mais me assusta



Robert Astman


Quando conheci Dom ItaBuono, ele já passara por todo o medo e o pavor da repressão policial. Seu pai, o escritor doutor, professor e advogado Alfredo Bastos, já havia sido preso duas vezes.

Na primeira vez, os militares do Exército chegaram em sua casa, com uma intimação e uma tropa de choque pronta para uma invasão de um quartel. E a casa do doutor Alfredo era uma casa simples no final da rua Renato Azeredo, em Sete Lagoas.

“Eu ajoelhei e pedi a eles para não matarem meu pai. Não mataram”.

Relata Dom ItaBuono. Agora, arrependido.

Diz ele que o arrependimento não é pelo pedido e pelos militares não terem matado o seu pai.

“Pela humilhação e pela vergonha”

- A outra vez, eu o acompanhei até Juiz de Fora, lá ele deveria depor na Auditoria da 4a. Região Militar. Antes de entrar no prédio, ele tirou o relógio, a carteira e uma caneta.

“Fique com estas coisas, eu não sei se volto e nem sei qual será o meu destino”.

- Não que ele fosse dramático (era também). Naquele momento tínhamos consciência da total vulnerabilidade de todos os cidadãos “suspeitos”.

As tensões e ansiedades vividas pela repressão, logo após o golpe militar de 1964, no Brasil, marcaram profundamente a vida dos dois.

O doutor Alfredo Bastos era suspeito pelas suas simpatias pelos chineses, “o povo do futuro”.

Todas as atividades que envolviam os chineses em Belo Horizonte, algumas no Rio e em São Paulo, contavam sempre com a sua presença.

Era a simpatia pelo povo milenar.

Doutor Alfredo acompanhava as histórias da China atual e guardava toda uma biblioteca (da qual se orgulhava) da China Milenar..

“Um povo, enfatizava sempre, que soube sair de um estado de miserabilidade e de submissão, transformando-se numa nação rica de um povo rico. Uma potência econômica e militar do primeiro mundo”.

Ele aconselhava todo mundo a aprender o chinês, “será tão ou mais importante do que o inglês” e é importante para captar a alma e a sensibilidade de um dos povos “de maior potencialidade em matéria de razão, espírito e inteligência”.

ItaBuono admirava seu pai, submetia-se à sua vontade e era seu fiel seguidor.

Entretanto, para Alfredo Bastos, seu filho, ItaBuono, era um idiota, um doente mental.

“Um esquizofrênico”.

Muitas foram as testemunhas da forma rude e grosseira com que o doutor Alfredo Bastos mandava o filho calar a boca e que “deixasse de falar bobagens”.

Isto aconteceu com ItaBuono menino, aconteceu com ele jovem, estudante de direito, advogado, casado, pai de família.

Doutor Alfredo não perdoava e não deixava por menos.

“É um energúmeno”.

O filho não podia ter opinião e quando se expressava era violentamente contestado pelo pai, com censura sempre detonadora da fragilidade e “imbecilidade” da argumentação.

Assim, dom ItaBuono viveu até os seus 48 anos, quando casou, pela segunda vez, algum tempo depois da morte do pai. Conhecera uma mulher, cuja educação e inteligência, o cativara, e, baseado neste modelo, encontrou o sua Heloisa, “ninguém sabe em que se transformará a mulher amada”.

Depois de determinado tempo e de ter nascido o seu filho único, o Carlos Augusto, “o meu garoto”, a regra de antes voltara a reinar em sua vida.

E mais grave e sofredor. Em Heloisa ressurgira o seu velho pai morto e, algum tempo depois, nova tragédia, no pequeno “meu garoto” surge também outro Alfredo Bastos.

Tragédia das tragédias, seu destino era aquele.

- Estava em plena ascensão profissional e política, quando veio o golpe e eu, que frequentava palácios, me tornara um lixeiro para sobreviver. Minha luta sempre foi dura, depois como professor dava até 15 aulas por dia, mas sempre trabalhava os três horários quando conseguia voltar a lecionar – as interrupções vinham das denúncias de subversão. Meu mundo era este, o trabalho como lixeiro e nas escolas públicas e privadas, tomando conta do meu pai, acompanhando-o em suas empreitadas e em suas fantasias. 

- O que mais me assusta não é a violência de uma pessoa estranha que você encontra na rua, o que mais me estranha é a violência entre pessoas que se conhecem muito bem ou será que, por se conhecerem tão intimamente ou até mesmo por se amarem, ocasionalmente, é que as pessoas passam a se atacar, por razões quase sempre fúteis, mesquinhas, sempre gerando momentos profundamente desagradáveis pelo desequilíbrio e pela crueldade.

ItaBuono, o Dom ItaBuono cultiva uma barbicha à lá Ho Chi Minh. Que ele diz ser uma barbicha chinesa da dinastia Minh.